Ao abrir o caderno de questões do segundo dia de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o estudante depara com o desafio de apresentar uma tese, dissecar argumentos e resolver um problema.
Semelhante aos vestibulares tradicionais, a redação do Enem pede uma dissertação argumentativa, mas com algumas exigências específicas: ter entre oito e 30 linhas e respeitar os direitos humanos. A professora Luisa Canella afirma que as temáticas sociais costumam ter destaque na proposta, geralmente construída a partir de textos com diferentes pontos de vista sobre o assunto.
Os alunos devem ler com atenção o chamado texto motivador, responsável por introduzir o tema, lembrando que não é permitido copiar trechos dele.
- É importante ser claro, usar os elementos de coesão adequados, ter sequência lógica. Sem esquecer a língua culta formal - aponta a professora de língua portuguesa Eveli Seganfredo, da ESPM-Sul e do UniRitter.
Para Juliana Velho, professora de português do colégio Dom Bosco, de Porto Alegre, o estudante precisa ter uma visão globalizada do assunto e fugir de clichês. Expressões como "desde os primórdios","no mundo em que vivemos", "enxergar uma luz no fim do túnel", entre outras, são senso comum e revelam a falta de bons elementos de ligação entre frases e entre parágrafos.
Uma dissertação compreende introdução, desenvolvimento e conclusão. No final, é necessário oferecer uma solução para a situação-problema apresentada no tema. Ela deve ser concreta e possível, segundo Juliana.
- Chutar a bola para o governo ou para a sociedade é utópico. Preciso conseguir visualizar a solução. Se o desafio é aumentar a leitura entre os jovens, posso sugerir a criação de projetos na minha escola para desenvolver o hábito - exemplifica a docente.
O que dá nota zero na redação do Enem
- Não atender a proposta solicitada ou desenvolver outra estrutura textual que não seja a do tipo dissertativo-argumentativo, ou seja, fugir ao tema
- Escrever até sete linhas, qualquer que seja o conteúdo
- Linhas com cópia dos textos motivadores apresentados no caderno de questões são desconsideradas para efeito de correção e de contagem do número mínimo de linhas
Inspire-se em um bom modelo
Confira uma redação do Enem 2010, da aluno Catia Maria Scherer Hoppen, que atingiu a nota máxia (1000):
O trabalho como forma de inclusão social
Diferentemente da Idade Antiga, na qual o trabalho era uma atividade vergonhosa e que deveria ser exercida pelos servos, atualmente, ele representa uma postura que enobrece o homem. A construção da dignidade humana passa pelo emprego e sua capacidade de gerar renda suficiente para o ser humano se manter e da possibilidade de contribuir para o crescimento econômico e cultural de sua pátria.
A dignidade é uma das buscas da humanidade. Contudo, ela não existirá se não houver a condição para que cada pessoa consiga suprir suas necessidades mais básicas. Para tal, a forma mais coerente é o acesso ao emprego justo para todos. Uma vez trabalhando, cada pessoa poderá ter renda suficiente para se alimentar, se vestir e morar, por exemplo. Assim, tendo a certeza de que seu trabalho lhe fornece os proventos necessários à sobrevivência, o ser humano se sentirá muito mais apto a viver em sociedade e, por consequência, mais digno de respeito.
Outra importante vertente na consolidação da dignidade humana vem da sensação de fazer parte da construção de algo maior que ajude no desenvolvimento de seu país. Nesse momento, novamente o trabalho adquire função fundamental, pois, por meio dele, a população se sente parte integrante da massa que constrói o futuro da nação, seja através da produtividade de bens materiais, seja pela oferta de serviços de qualidade. Posto que possa parecer pouco relevante individualmente, esse espírito de coletividade faz com que o ideal de dignidade se fortaleça e que o brasileiro, por exemplo, se sinta peça importante para o futuro do Brasil.
Dessa forma, o trabalho é a única maneira de consolidar a construção da dignidade humana, uma vez que ele é capaz de garantir a renda necessária para que o homem se sustente, além de garantir a participação da população na construção da riqueza do país. Ainda que relegado a segundo plano na Idade Antiga, o trabalho ganhou espaço e admiração com advento da Revolução Industrial e desde lá legitima a busca pela riqueza de forma digna. Para que tal dignificação possa ocorrer com mais ênfase, é preciso capacitar os trabalhadores para que possam constituir a mão-de-obra qualificada de que o Brasil necessita. Para essa finalidade, o aumento do número de escolas técnicas é uma alternativa interessante.
A professora Luisa Canella explica por que a redação de Catia recebeu nota alta:
Esta redação contempla todas as exigências de uma boa dissertação. Ao longo do texto, demonstra pleno domínio da norma culta da língua escrita, atendendo à primeira competência exigida pelo Enem.
Na introdução, apresenta, de forma clara, seu ponto de vista: o trabalho enobreceo homem. Ainda no primeiro parágrafo, seleciona dois argumentos que irão sustentar sua tese: a certeza de que o trabalho dignifica o ser humano, pois lhe dá condições de sobrevivência e contribui para o crescimento econômico e cultural do país.
Assim, mais duas competências do Enem são cumpridas: a compreensão da proposta de redação e a aplicação de conceitos de várias áreas do conhecimento para desenvolver o tema, bem como a seleção, a organização, a relação, de forma consistente, de informações, fatos (renda para se alimentar, se vestir e morar, o ser humano apto a viver em sociedade; produtividade de bens materiais, serviços de qualidade, o espírito de coletividade) em defesa de seu ponto de vista.
Além disso, a aluna demonstra conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção dos argumentos, utilizando adequadamente recursos coesivos (para tal, assim, por consequência, outra importante vertente, nesse momento, pois, por meio dele, posto que, dessa forma, uma vez que, além de, ainda que, para que tal, para essa finalidade).
Na conclusão, elabora proposta de intervenção para o problema abordado: é preciso capacitar os trabalhadores, aumentando o número de escolas técnicas, evidenciando, com isso, o respeito aos direitos humanos.
*Publicado no caderno Vestibular de 19 de outubro de 2011.