A nova lei federal que obriga a igualdade de salário entre homens e mulheres na mesma função pode provocar alterações importantes no mercado de trabalho brasileiro.
Caso saia do papel e seja implementada na prática, a lei aumentará a transparência dos salários e forçará empresas a expor critérios concretos para trabalhadores entenderem a ascensão na carreira. Um decreto do Planalto ainda deve regulamentar a nova lei, mas advogados, procuradores e auditores-fiscais antecipam os potenciais resultados.
Quais as principais mudanças descritas na Lei 14.611/2023?
- Salários devem ser iguais para ambos os sexos se os funcionários tiverem mesmo cargo e funções.
- Empresas com 100 ou mais trabalhadores deverão publicar relatórios semestrais de transparência com os salários – de forma anônima para evitar exposições. Se a empresa não publicar, poderá pagar multa de 3% da folha de pagamento, com limite de 100 salários mínimos.
- Relatórios deverão trazer a “proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens, acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade”. A ideia é que trabalhadores possam cobrar igualdade salarial de suas empresas.
- Se comprovado o preconceito, o empregador deverá pagar à trabalhadora discriminada 10 vezes o salário pago ao homem. A multa será dobrada em caso de reincidência. Mesmo com pagamento da multa, a pessoa discriminada pode ingressar com pedido de indenização por danos morais.
- Empresas deverão ter programas de diversidade e inclusão que envolvam gestores, lideranças e empregados, com aferição de resultados.
A Constituição e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT ) de 1943 já previam punição para desigualdade salarial entre sexos, mas Lula afirmou que, com a nova lei, a fiscalização aumentará sobre as empresas.
— A ideia da lei é de que haja consciência coletiva entre empregados e empregadores. Os setores de compliance das empresas implementarão os relatórios de transparência, e os empregados precisarão fazer a verificação e a denúncia. O Ministério do Trabalho estabelecerá critérios mínimos de análise, senão ficará na subjetividade do auditor decidir se há discriminação. E a empresa terá o direito de se manifestar — resume Maurício de Carvalho Góes, sócio da área trabalhista do escritório TozziniFreire Advogados e professor de Direito do Trabalho na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos).
Conforme a lei, um novo ato do governo federal definirá o protocolo de fiscalização e o que será levado em conta para comparar os salários (se entram também benefícios, abono, gratificações e gorjetas, por exemplo).
Consequências nas empresas
- Transparência sobre números: empresas deverão publicar estatísticas salariais que permitam às mulheres comparar sua remuneração com a média de homens no mesmo cargo.
- Critérios de remuneração: companhias deverão especificar quais são os fatores levados em conta para conceder aumento no salário em cada função (como tempo de casa, maior produtividade, cursos de qualificação etc). Dessa forma, mulheres saberão o que precisam fazer para ganhar aumento e se já deveriam tê-lo ganhado.
- Gestores deverão fundamentar os motivos de aumentar o salário de seus funcionários com os critérios objetivos expostos a todos os colaboradores. Caso haja denúncia de desigualdade salarial, a empresa apresentará as razões para se defender.
- Setores de compliance deverão criar canais de denúncia para funcionários apontarem desigualdade salarial. Sindicatos também atuarão.
- Empresas deverão promover cursos e programas de diversidade e inclusão sobre igualdade de gênero, além de fomentar capacitação feminina e condições de permanência.
Como a empresa justificará aumentos para homens?
Companhias precisarão explicar, de forma transparente aos funcionários, a política de progressões de carreira com critérios objetivos, explica Clarisse de Souza Rozales, advogada e sócia do escritório Andrade Maia.
— Posso ter um empregado há 10 anos na empresa com remuneração maior do que uma empregada nova que acabei de contratar. Não há problema. O ponto é existir uma justificativa. E aí haverá análise do MPT e dos fiscais para identificar se a diferença é válida ou não. O problema é ter funcionários lado a lado e a mulher receber menos unicamente por ser mulher — diz a advogada.
Como será a fiscalização?
A fiscalização se dará, na maior parte, por denúncias de trabalhadores ao Ministério do Trabalho, ao Ministério Público do Trabalho (MPT), aos sindicatos e ao site que o governo federal criará para exibir os relatórios das empresas.
— O trabalhador também deverá recorrer ao sindicato para denunciar. Sindicatos precisarão fazer campanhas massivas de divulgação e abrir canais de denúncia para Ministério do Trabalho e do MPT terem ação mais contundente — diz a diretora-técnica-adjunta do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Patrícia Pelatier.
A empresa precisará garantir canais de denúncia anônimas também, e assegurar que sejam apuradas. Empresas precisarão de uma política organizacional de intolerância à discriminação e rever os planos de progressão das carreiras.
MARINA SAMPAIO
Coordenadora do projeto Conaigualdade, que trata das questões de discriminação e assédio no Ministério do Trabalho
Quem fiscaliza possíveis irregularidades são auditores do Ministério do Trabalho – servidores públicos federais que verificam se empresas respeitam as leis, o que inclui segurança no ambiente de trabalho e, agora, desigualdade salarial. O MPT também pode atuar ao enviar questionamentos às empresas em fiscalizações esporádicas ou após denúncias de trabalhadores.
— A fiscalização acontecerá como acontece em relação a diversas leis trabalhistas. Poderá ser de ofício pelo MPT, pelo Ministério do Trabalho ou por denúncias — sintetiza a procuradora do MPT-RS Martha Kruse, titular da Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade).
O que garante que a empresa falará a verdade nos relatórios com salários?
Todo relatório feito por empresas é autodeclaratório, sob pena de multa. Além disso, a inspeção do trabalho tem acesso às folhas de pagamento e dados de funcionários para checar as informações declaradas.
— O imposto de renda também é autodeclaratório, assim como tantas outras declarações feitas pelas empresas ao governo. O dado autodeclarado será batido com outros dados pelos agentes de fiscalização obtidos por bases como o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) — diz a procuradora Martha Kruse, do MPT-RS.
O que serão os planos de adequação que as empresas deverão adotar?
Cada companhia deverá adotar estratégias específicas para combater a desigualdade salarial por gênero. Podem ser, por exemplo, programas de capacitação para incentivar mulheres a assumir cargos de liderança ou oferta de horários mais flexíveis para mulheres em cargo de gestão conciliarem família com trabalho.
— A empresa precisará garantir canais de denúncia anônimas também, e assegurar que sejam apuradas. Empresas precisarão de uma política organizacional de intolerância à discriminação e rever os planos de progressão das carreiras. Quem chega no topo são só homens brancos? Onde estão as mulheres negras? Mulheres são prejudicadas quando têm filhos? — questiona a auditora-fiscal do trabalho Marina Sampaio, coordenadora do projeto Conaigualdade, que trata das questões de discriminação e assédio no Ministério do Trabalho.
A fiscalização vai aumentar?
A promessa do governo é esta. Em junho, o governo federal autorizou concurso público neste ano para contratar 900 auditores-fiscais do trabalho, o que deve reforçar a atuação por parte da categoria.
Como denunciar?
Denúncias de desigualdade salarial deverão ser feitas no site que o governo federal criará para receber e expor os relatórios de transparência das empresas. Também será possível realizar denúncias nos canais que já existem do Ministério do Trabalho (denuncia.sit.trabalho.gov.br ou pelos telefones 100, 180 e 158) e do Ministério Público do Trabalho (mpt.mp.br/pgt/servicos/servico-denuncie ou pelos telefones do site – em Porto Alegre, é o 51.3252-1500). A empresa precisará garantir canais de denúncia anônimas também, e assegurar que sejam apuradas. Empresas precisarão de uma política organizacional de intolerância à discriminação e rever os planos de progressão das carreiras.