Com 22 anos de experiência em diferentes etapas de ensino oferecidas pelo Sistema S, José Paulo da Rosa assume o comando da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (Smed) em um momento de crise – a antiga gestora da pasta, Sônia da Rosa, deixou o cargo após reportagens do Grupo de Investigação da RBS (GDI) que apontavam problemas de distribuição e de falta de uso de materiais didáticos.
Em entrevista exclusiva a GZH, o novo secretário revela que a resolução da situação, que ele entende como uma dificuldade ligada à logística, não está resolvida, mas já foi encaminhada. Em meio a essa demanda, Rosa enfrenta outros desafios coexistentes: qualificar a infraestrutura das escolas, formar professores para trabalhar com inovação em sala de aula, ampliar vagas na Educação Infantil e a oferta de ensino em tempo integral, que, por lei, precisa abranger pelo menos 50% das instituições até 2024.
O senhor tem uma trajetória muito ligada ao Sistema S. O que, dessa experiência, é possível trazer como contribuição para a Smed?
O Sistema S tem uma ação consolidada na educação, na atividade social e tem algumas características que eu acho importantes para a atividade aqui. Muito embora eu não tenha experiência específica numa empresa pública ou na área pública, o Sistema S tem algumas obrigações. Nós recebemos recursos das empresas e esse recurso tem um percentual que precisa ser aplicado em gratuidade, o que se assemelha um pouco à obrigação legal de aplicação de recursos em educação no orçamento do município. Então, nós encontramos uma certa similaridade nessa aplicação de recursos em ações gratuitas que o Sistema S tem. O Sistema S também tem a obrigação de um regulamento próprio de compras que se assemelha à Lei 8.666, então essa expertise nesse sistema de compras também é algo que trago lá do Sistema S. E responder ao Tribunal de Contas da União, algo que fiz por 22 anos, também é uma prática na área pública. Então, talvez isso seja interessante para esta posição aqui dentro da secretaria, aliado ao fato de que é um sistema que realmente procura melhorar a qualidade da educação. Eu trabalhei muito tempo administrando um grupo de escolas que é similar ao número que nós temos aqui na prefeitura, então eu acredito que essa experiência no Sistema S contribui para a atividade agora, na Secretaria Municipal de Educação.
Na área pedagógica, se fala muito na qualidade, por exemplo, das escolas do SESI. O que, desse modelo, é possível implementar na rede municipal?
As experiências que eu tenho da gestão educacional, da gestão escolar que eu trago do sistema, acredito que boa parte delas nós podemos aplicar também aqui na gestão da Secretaria e das nossas escolas. Alguns conceitos de gestão que nós adotamos nas escolas do SESI, na área pedagógica, nas escolas do SENAI, do SENAC, do SESC. Eu atuei fortemente no SESC na instalação de escolas de Educação Infantil e de Ensino Fundamental, no SENAC em escolas de Ensino Médio, no SESI também com escolas de Ensino Médio. Atuei também no Ensino Superior e na educação à distância. Então, todos esses conceitos aplicados na gestão dessas escolas, eu acredito que podem ser trazidos, adaptados às características aqui das escolas da rede municipal. A gente sabe das diferenças, mas tem alguns conceitos, algumas práticas, que eu acredito que são possíveis de serem aplicadas.
Uma característica das escolas do Sistema S é o investimento em inovação, tecnologia e, propriamente, nas metodologias ativas. O que o senhor traz para a rede municipal, nesse sentido?
As escolas do SENAI, do SESI, do SENAC, do SESC, são escolas de referência, com altos investimentos em tecnologia, porque são instituições mantidas e administradas pelas empresas e precisam estar à frente do seu tempo. Então, precisam investir muito em tecnologia. No caso do SENAI, tem uma demanda muito grande do que se chama indústria 4.0, com todos esses equipamentos hoje interligados e atuando em conjunto, mas como fazer isso? Você tem que investir em tecnologia, investir nos professores, para que os alunos estejam preparados para esse novo mundo que está aí. E é um pouco dessa realidade que nós precisamos também na área pública, ter um estudante preparado para esse mundo digital, tecnológico que a gente vive. Todavia, sempre destaco, precisamos trabalhar os fundamentos. E o fundamento é português, é matemática, é ciências, é a leitura dentro ali do português, o comportamento, a ética. São fundamentos que a escola contribui sobremaneira. Trabalhado muito bem esse fundamento, nós vamos, então, para tecnologia, para tudo aquilo que o mundo precisa.
Muitas escolas da rede têm, tradicionalmente, projetos ligados a robótica e inovação. Que espaço esses projetos terão na sua gestão?
Eu acredito em dar continuidade ao que já foi iniciado em 2023. Estive visitando a Escola Liberato Salzano, e é bonito de ver as crianças que iniciaram agora o uso desses equipamentos. A gente sabe que alguns problemas que apareceram foram pelos equipamentos que não tinham ainda sido distribuídos, mas são equipamentos muito úteis. As telas interativas, os Chromebooks e uma série de outros materiais que foram adquiridos estão chegando nas escolas, e talvez o trabalho que a gente tem, agora, é capacitar os professores. As pessoas já iniciaram o processo de capacitação, mas fortalecer, ampliar, melhorar esse trabalho de capacitação dos professores, para que possam utilizar muito bem essa vasta gama de equipamentos, de tecnologia, que, felizmente, não é mais problema. As escolas receberam esses Chromebooks e os armários onde se mantém o Chromebook e se faz o carregamento deles para que, de um turno para o outro, estejam prontos e aptos para o uso. E para muitas crianças, especialmente as de periferia, essa é a alternativa para o acesso à tecnologia. Nós temos vários espaços, vários investimentos feitos que serão agora, a partir do segundo semestre e do próximo ano, corretamente implementados nas nossas escolas. E a questão da tecnologia não tem mais volta. É algo que faz parte do cotidiano da escola, que exige recursos para que a gente mantenha esses equipamentos atualizados. Nós certamente vamos investir em espaços que nos permitam utilizar melhor esses recursos, e isso vai estar previsto nessas reformas que faremos nas escolas. Mas, talvez, o maior desafio seja investir nos professores, porque não nos adianta nada essa tecnologia se não tiver um professor preparado, motivado, querendo utilizar, e que isso esteja dentro da nossa proposta pedagógica. Tem uma rede muito ampla com pessoas muito capazes, outras carecendo desta capacitação. É nosso papel agora fazer isso, para que possam utilizar muito bem todo esse equipamento que está sendo distribuído.
Já é possível fazer um diagnóstico sobre o que se precisa fazer para se melhorar a qualidade da rede municipal, tanto em termos de gestão quanto na área pedagógica?
Uma série de ações podem ser aplicadas. A infraestrutura educacional, a infraestrutura das nossas escolas, podem ser melhoradas. Nós temos escolas antigas com uma estrutura que carece de investimento. Então, acredito que é um desafio para a prefeitura melhorar a estrutura das escolas. Se nós formos hoje em muitas escolas, tem escolas com problemas na energia elétrica, no fornecimento de água, na segurança. Então, há um espaço aí para nós melhorarmos quanto à estrutura das nossas escolas e tem uma proposta bem interessante de aplicação de uma licitação por parte da prefeitura, já com recursos previstos para fazer uma grande manutenção na estrutura das nossas escolas. Fora isso, tem uma outra proposta de trabalhar uma parceria público-privada, dividindo a rede em três lotes e ter uma empresa que vai fazer esse trabalho de manutenção e reforma das escolas. São duas ações que eu acredito que, em breve, vão permitir corrigir esse problema da estrutura educacional. A gente consegue trabalhar e fazer educação numa estrutura que não seja a melhor do mundo, mas, se tivermos uma estrutura melhor, isso cria um ambiente melhor para o estudante, melhor para o professor, e eu acho que é um desafio aqui para a Secretaria melhorar a estrutura das nossas escolas. Mas eu acredito que, em breve, a gente vai conseguir fazer isso. Também tem um desafio que é revisar e trabalhar o currículo das nossas escolas de Educação Infantil e de Ensino Fundamental. Está em andamento uma possível parceria com a Unesco, que vai contribuir nesse sentido. Então, existem ações que vão nos permitir corrigir esse problema, que é estabelecer e revisar o currículo das nossas escolas de Educação Infantil e de Ensino Fundamental. Tem alguns projetos que a gente quer dar andamento, que já estavam acontecendo, como o Alfabetiza+POA, que pega as crianças das séries iniciais do Ensino Fundamental. Tem um outro projeto em andamento que é o RecomPOA, que também tenta corrigir os problemas decorrentes também da pandemia, que a gente tem vários problemas que ainda estão sendo corrigidos. Então, nós daremos sequência a esses projetos e vamos procurar fazer uma gestão melhor da área educacional aqui da Smed. Acredito que é possível desenvolver bons projetos que envolvam educação e esporte. Nós estaremos na nova sede junto com a secretaria municipal que trata de esportes, que trata de lazer. Acredito que isso vai nos permitir oferecer alternativas no contraturno.
E pensando nos problemas que culminaram na saída da antiga secretária, Sônia da Rosa?
A gente identifica mais problemas de logística que estão sendo tratados. Com os problemas que foram identificados, o prefeito constituiu uma força-tarefa. Essa força-tarefa já resolveu boa parte dos problemas, aqueles materiais que foram identificados em um estoque, o que não era o mais adequado, boa parte deles já foram distribuídos às escolas ou removidos para um depósito em melhores condições. Mas nós precisamos organizar ainda mais esse sistema e, para isso, foi revista também a estrutura da secretaria e constituída uma nova diretoria de logística que vai ajudar nesse processo. Então, não está tudo resolvido, mas está bem encaminhado para solucionar todos esses problemas de gestão.
A questão orçamentária, com frequência, é um desafio para pôr em prática projetos na educação pública. Para onde irão os investimentos nos próximos anos, para que Porto Alegre retome a posição de destaque que já teve na área de ensino?
O orçamento global da prefeitura sempre precisa ter muito cuidado na sua aplicação, mas, pela obrigação legal de aplicar 25% do orçamento em educação, nós temos o recurso e podemos manter a rede de funcionários, de colaboradores, de professores e recursos para investir em infraestrutura, em equipamentos. Isso, felizmente, está bem na Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. O nosso maior desafio é planejar bem a aplicação desse recurso e executá-lo bem. Tem que planejar, tem que envolver professores e diretores nesse planejamento para fazer boas escolhas, comprometer todos com essas escolhas e, aí, fazer o devido investimento. Então, esse é o desafio que a gente tem. Não é, talvez, a falta de recursos, mas poder planejar e executar muito bem o investimento necessário. A aquisição de equipamentos e materiais didáticos foi um investimento muito forte em 2022. Talvez, para 2023, o investimento seja maior nessa estrutura das escolas, o que se estende para 2024. Então, até o final deste governo, no final de 2024, talvez o grande investimento que se tenha que fazer seja em reformar a estrutura das escolas.
O senhor tem o desafio de ampliar a oferta de ensino de tempo integral, que, por lei, deve abranger pelo menos 50% das escolas públicas até 2024. Quais são os projetos nesse sentido?
As minhas experiências fora do Brasil e em outros Estados demonstram que onde a gente tem melhores resultados é onde nós temos escolas de turno integral. É um grande desafio para as famílias o que fazer com uma criança naquele outro turno que não está na escola. O governo federal está apoiando e trabalhando projetos para ampliar a oferta. Nós temos hoje cinco escolas de turno integral e muitas ações de contraturno. Eu estou ainda me apropriando dos projetos existentes, mas vou me dedicar fortemente para que a gente possa ampliar não só as escolas de turno integral, mas essas atividades regulares de contraturno que ocupam a criança naquele outro turno escolar e que eu acho que são fundamentais para que a criança esteja na escola, que é um ambiente sadio. Uma ação, acredito, muito consistente que as nossas escolas já têm, é na parte de nutrição. As crianças têm lanche, têm almoço. A criança que vem de manhã, almoça e vai para casa. A criança que vem à tarde, primeiro almoça, quando chega, e depois vai para a sala. E é um trabalho que a gente vai, eu acredito, ampliar e melhorar dentro dessas ações de contraturno que pretendemos desenvolver.
O senhor falou sobre a parceria público-privada (PPP) para qualificar a manutenção das escolas, o que tem gerado crítica de servidores da educação. Como essa pauta está sendo tratada com eles, de forma que as escolas não sintam que estão perdendo a autonomia?
A autonomia da escola permanece. A PPP é para uma empresa que vai ajudar na manutenção, na reforma. As práticas atuais, elas permanecem. O diretor permanece com a sua autonomia, a equipe permanece com a sua autonomia. Vai ser feita uma PPP para uma empresa que vai agilizar esses processos de manutenção, porque uma grande dificuldade do poder público é essa. É estar trabalhando pontualmente quando precisa resolver um problema, um processo licitatório que é demorado. Então, se já tem uma empresa licitada com esse escopo, nós temos a expectativa de agilizar o processo de reforma e de manutenção. A questão de autonomia da escola, acredito que é um problema que nós não teremos.
Mas, de qualquer forma, esse assunto precisará ser tratado junto ao quadro de servidores, não?
Sim. Essa relação com o quadro, com os diretores de escola, com os professores, será cada vez mais realizada por mim. Eu pretendo estar muito próximo das escolas, muito próximo dos diretores, ouvindo os diretores. Eu acho que o momento é muito adequado, mas estamos iniciando o segundo semestre. Então, é um período de a gente sentar e fazer uma análise do primeiro semestre, verificar o que pode ser feito ainda neste semestre, mas, especialmente, trabalhar o plano para 2024. E, na minha vida, fazendo a gestão de várias escolas, sempre fiz isso em conjunto com a equipe. A gente não pode fazer um plano sozinho ou isolado aqui na secretaria municipal, na governança, na mantenedora. Já há um histórico onde os diretores participam, onde a equipe participa, então vamos manter isso. E a minha experiência sempre foi nesse sentido. Essa relação com a base, com os professores, com os diretores, será ampliada, fortalecida, e eu acho essencial, porque se nós não conseguirmos esse comprometimento de todos, talvez a gente não consiga fazer a melhoria que estamos propondo.
Dentro do projeto da PPP, há a previsão de construção de 10 escolas de Educação Infantil, mas o número de vagas a serem abertas não dá conta da demanda que existe atualmente, que pode até aumentar até a inauguração dessas novas instituições. Quais outros projetos para sanar o déficit?
Nós estamos em tratativa com essa PPP, que seriam mais 10 escolas. Tem uma tratativa também com a Unesco, que prevê mais cinco escolas de Educação Infantil, e negociações no sentido de ampliar a oferta nas nossas escolas, mas também compra de vagas na rede privada, que é uma alternativa que já existe hoje e que pode ser ampliada para resolver o problema de forma mais imediata. Então, são as ações que nós estamos tomando. Nessa semana, nós já tivemos várias negociações nesse sentido, e acredito que, nos próximos dias, a gente possa divulgar essas alternativas para resolver o problema da falta de vagas na Educação Infantil, que, de fato, é um problema que carece da nossa atenção para que não continue acontecendo.