Um levantamento inédito feito por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) indica que mais de 150 escolas estaduais do RS (14,6%) oferecem apenas uma trilha de aprendizagem no Novo Ensino Médio. A prática desrespeita o mínimo descrito na resolução número 365 do Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul (CEE-RS), que institui as normas complementares para esta etapa do ensino.
Contatada por GZH, a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) informou que trabalha para fechar parcerias como meio de oferecer ao menos duas trilhas de aprendizagem para todos os alunos do Novo Ensino Médio no RS.
Segundo a resolução, “as instituições de ensino devem ofertar, ao menos, duas trilhas nos itinerários formativos, de modo a garantir que o estudante possa exercer a escolha da trilha que irá cursar”, diz o material que pode ser acessado aqui. “Caso a instituição de ensino oferte apenas uma trilha, pode estabelecer parcerias com instituições para o estudante ter mais opções de escolha.”
O trabalho dos pesquisadores analisa 1.073 escolas estaduais: 156 delas (14,6%) ofertam uma trilha e 744 (69,3%) têm duas. Apenas 173 instituições (16,1%) constam com três opções aos alunos. A Escola Estadual de Ensino Médio Thomas Fortes, de Santiago, é a que tem mais trilhas: seis.
O resultado foi apresentado em uma audiência pública na manhã desta terça-feira (27) na Assembleia Legislativa. O estudo foi feito pelos pesquisadores Ângela Chagas, Maria Beatriz Luce e Mateus Saraiva, do Núcleo de Estudos de Política e Gestão da Educação da Faculdade de Educação UFRGS. Os dados são da Secretaria Estadual da Educação (Seduc) e foram obtidos pelo trio por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) em abril e maio deste ano.
— Qual é a liberdade de escolha de um estudante que só tem uma trilha? Há muitos municípios pequenos no Rio Grande do Sul: 72% deles têm apenas uma escola estadual, e dessas, 83 têm apenas uma trilha. Então, o estudante não pode nem ir para outra escola, porque, para isso, ele teria de ir para outro município. Então, nessas localidades, é ainda mais grave a situação — analisa Ângela Chagas, doutoranda em Educação na UFRGS.
A mudança na última etapa do Ensino Básico entrou em vigor em 2022, com o objetivo de dar mais autonomia às escolhas dos alunos. A alteração, porém, tem sido alvo de reclamações de entidades e especialistas. O desacordo fez o governo federal sinalizar a suspensão da implementação do Novo Ensino Médio neste ano, o que ainda está em debate.
— Quando foi apresentada essa alteração no Ensino Médio, o discurso dos defensores das mudanças dava destaque a essa liberdade de o estudante poder escolher no que ele quer aprofundar o conhecimento. Mas, na prática, estamos vendo que isso não acontece — acrescenta Ângela Chagas.
As mudanças no currículo do Ensino Médio ampliaram o mínimo de horas de 2,4 mil para 3 mil, com o limite de 1,8 mil horas para a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), as "tradicionais", como e Matemática e Língua Portuguesa.
O restante – 1,2 mil horas –, é destinado para os chamados Itinerários Formativos, que são descritos pelo governo estadual como “aprofundamentos das áreas de conhecimento, organizados em 24 trilhas, que enfatizam uma área focal e outra complementar, entre as quais os estudantes poderão fazer suas escolhas com foco na realização de seu projeto de vida”.
Redução no número de períodos
O levantamento dos pesquisadores da UFRGS afirma que foi verificada redução no número de períodos “em praticamente todas as unidades curriculares tradicionais” na comparação com os horários anteriores à reforma, o que levou à “diminuição do número total de períodos nas diferentes áreas do conhecimento”. Eles citam dois dados que atestam o novo formato: Língua Portuguesa passou de 15 para nove períodos semanais nas três séries da etapa e Matemática teve redução de 18 para 10 encontros por semana.
O trabalho também alerta para a desigualdade entre o diurno e os demais turnos. Foi identificado que mais de 40% das escolas oferecem apenas uma trilha no período da noite, no qual se concentra a maioria das matrículas dos alunos trabalhadores, conforme os pesquisadores.
— O estudo é importante para mostrar, a partir dos dados e evidências, que (a mudança) não está funcionando, que os alunos da rede estadual têm uma limitadíssima liberdade de escolha e enxugamento da formação geral. Era falado que o Novo Ensino Médio combateria a evasão. Pelo contrário: os estudantes estão se sentindo desmotivados, porque têm um monte de coisas diferentes que não estão conectadas e que não fazem sentido para eles — pontua Ângela.