Seja qual for a idade dos filhos, a escolha do colégio envolve reflexão sobre uma série de fatores. Pesa na decisão o que a família pensa sobre o desenvolvimento da criança ou do adolescente, que tipo de relações quer estabelecer e, evidentemente, a qualidade do ensino. A verdade é que não existe uma ciência ou fórmula para esse tipo de escolha, que, às vezes, é feita de forma intuitiva, a partir do que se ouviu falar da instituição ou pela indicação de alguém. Para o psiquiatra da Infância e Adolescência Thiago Rocha, doutor em Psiquiatria e Ciências do Comportamento, é preciso utilizar critérios mais sólidos para a tomada de decisão.
— Muitas famílias fazem uma decisão simplista, colocando o aluno na escola onde o pai estudou, na escola da moda ou acompanhando a escolha de certo grupo social. Essas situações são muito frequentes. Porém, essa talvez seja a mais importante decisão de toda a trajetória dos pais na vida dos filhos. Gosto de fazer uma brincadeira: como teria sido a vida de cada um de nós se tivéssemos escolhido uma escola diferente? Por coisas que a gente vivenciou ou não gostaria de ter vivido, tudo poderia ser muito diferente — pondera o psiquiatra.
Segundo o especialista, o primeiro passo é fazer uma lista enumerando os tópicos que a família considera importantes para a escolha.
— Muitas vezes, se quer quase tudo. Se quer uma escola que seja isso, aquilo e aquilo lá também. Uma mãe uma vez me falou que se a escola dos sonhos não está disponível, a gente precisa ir para a escola real. Isso significa selecionar o que é importante para a família e tomarmos decisões embasadas no que é mais valioso. Para algumas pessoas vão ser os valores da escola, projeto pedagógico ou a logística. Não adianta a escola ser fantástica e ser absolutamente distante de casa. Talvez o preço seja um fator fundamental — comenta Thiago.
O psiquiatra é um dos profissionais que integram o projeto Escola Certa, uma plataforma que fornece informações sobre instituições de ensino de Porto Alegre a partir das preferências dos pais. No site, o usuário é apresentado a 16 fatores de escolha, como acessibilidade, infraestrutura, distância, número de alunos por turma, inclusão, pré ou pós turno, atividades extras e preços. A plataforma convida o usuário a escolher apenas os quatro itens que considerar mais relevantes para a família, atribuindo pesos a cada um.
— É um alinhamento mínimo entre o que seria mais relevante. A depender da família, a localização da escola é muito importante. O pai precisa que a escola seja perto de casa ou perto do trabalho. Ou pode ser que não importe. A família leva o filho para onde for contanto que a escola tenha uma metodologia pedagógica ou valores alinhados com os seus — explica Thiago.
A partir da pesquisa, a plataforma apresenta uma lista de opções que se enquadram nas prioridades eleitas, com informações como atividades complementares, infraestrutura, turnos e mensalidade. Usando ou não o recurso virtual, o próximo passo para pais ou responsáveis é inescapável: conhecer as pré-selecionadas.
— A grande questão é achar um certo equilíbrio entre escolas que tenham características importantes para os pais e que, a partir do filtro inicial, se possa avaliar o perfil da criança para ver se fecha com o perfil do colégio. Por isso, vale fazer visitas, conhecer o espaço junto com a criança, ver como ela se sente, avaliar o acolhimento da instituição à família e tirar dúvidas sobre o funcionamento da instituição — orienta o psiquiatra.
Escolhas individualizadas
Para Elisabete Maria Garbi, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a primeira pergunta a ser feita é sobre o projeto pedagógico.
— No site da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), você encontra a Base Comum Curricular, o referencial gaúcho, os conteúdos que serão selecionados e trabalhados pela escola. Mas nos sites das escolas privadas, isso nem sempre está publicizado. E é o projeto pedagógico que diz qual o perfil do aluno que a escola forma — comenta Elisabete.
Na avaliação de Rafael Korman, doutor em Educação e coordenador administrativo-pedagógico do Colégio Israelita, conhecer a proposta pedagógica da escola exigirá dos pais certa humildade para se despir de ideias pré-concebidas e reconhecer que a educação de hoje é muito diferente da recebida no passado.
— Na hora de fazer a escolha, claro que questões do passado devem ser levadas em conta, mas é legal ser receptivo porque a educação mudou tanto nos últimos anos, com metodologias e tecnologias, que os pais que não estão imersos nesse mundo não têm noção. É preciso estar aberto a escutar a escola sobre essas mudanças — sugere Korman.
O doutor sustenta que os pais precisam ter em mente que, no Ensino Fundamental, todas as escolas são parecidas. Porém, cada uma terá um diferencial, uma característica que pode se encaixar melhor com a família e a criança.
— As escolas precisam fazer papéis parecidos. Todas têm que cumprir a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Mas a base é uma base, um chão comum onde se pode colocar coisas diferentes. O novo Ensino Médio, por exemplo, exige isso. Mas existem linhas pedagógicas diferentes, metodologias, filosofia de trabalho, valores. Os pais têm de ser muito críticos nessa escolha, e isso vai fazer com que a escola seja a certa. Não que exista uma escola certa para todos, mas uma escola certa para cada família. A grande sacada é essa — afirma Korman.
Pesquisa por diferenciais
Os diferenciais de cada escola podem variar muito, até pelo contexto de sua comunidade. Escolas de zonas rurais podem relacionar seu currículo com práticas agrícolas, por exemplo, assim como colégios de zonas industriais podem tentar desenvolver trabalhos envolvendo tecnologia de produção. Mas na lista básica de observações, é recomendado saber se a escola tem boa biblioteca, bons laboratórios, ambientes seguros e equipe bem treinada. A presença de serviço de orientação educacional ou de psicologia também é um indicador interessante e acolhedor.
— A presença de profissionais da psicologia na estrutura docente é uma sinalização de que a escola se preocupa com esse aspecto do desenvolvimento do aluno. Nem todas as escolas têm condições de ter, claro. Mas esse é um recurso que pode ajudar muito para a criança ser enxergada e avaliada em sua individualidade, podendo ter melhor adaptação escolar, desenvolvendo-se de forma mais ampla e melhorando não só em questão pedagógica, mas de socialização, de habilidades socioemocionais. Essas escolhas são importantes e fazem parte do currículo de escolas que estão se adequando às necessidades deste mundo moderno, mais integrado — diz o psiquiatra Thiago Rocha.
Saber se a escola tem ginásio ou pátio é outra particularidade a se observar, já que a atividade física é um elemento fundamental no desenvolvimento pleno. Também é vital que os pais perguntem se a criança é estimulada a brincar.
— Pais de crianças que estudam em escolas públicas, muitas vezes, não podem escolher uma instituição com ginásio. Porém, mesmo que tenham apenas um pátio, isso não significará que a criança está se divertindo — observa a professora Elisabete Maria Garbi.
Thiago complementa:
— Brincar livre é até subestimado, mas é uma das principais tarefas da infância. A partir da brincadeira, as crianças exploram a sua própria capacidade criativa, sua inteligência. E ter a oportunidade de momentos como esses é extremamente importante. Evidentemente, vai haver escolas com mais estrutura para oferecer espaços mais adequados, mais amplos, mas mesmo escolas pequenas podem oferecer oportunidades muito legais para que as crianças possam se divertir, ter integração com a natureza, com brincadeiras mais analógicas.
Para Rafael Korman, os títulos de mestrado e doutorado não devem ser o fator mais importante na avaliação do quesito qualidade da equipe:
— Eu acho que tem o seu valor, mas ter diploma de doutor e mestre não é garantia de ser bom professor. A escola precisa de um professor que dê conta dos aspectos socioemocionais dos alunos, que faça uma leitura mais ampla do que só a sua sala de aula, que consiga dialogar com as famílias, que tenha empatia com o que os alunos vivem fora da escola. E, hoje em dia, a academia não forma pessoas assim.
Por isso, segundo o professor, a pergunta a ser feita é: a escola contribui na formação continuada dos docentes?
— A escola precisa ajudar os educadores a entender a sua filosofia, e tem de construir junto com seus professores esse modo de trabalhar. Isso, sim, vai garantir que a educação se desenvolva da forma que a escola promete — finaliza.
O que é preciso levar em consideração na escolha
Localização
Questões como o trânsito no trajeto entre a casa e a escola, a segurança do bairro, o estacionamento e o tempo de deslocamento precisam ser levadas em consideração. A proximidade com a residência pode aumentar a autonomia para que os alunos mais velhos se desloquem sozinhos. Já a distância maior pode afetar questões logísticas, como a contratação de veículo escolar ou a disponibilidade dos pais para o transporte de ida e volta dos filhos.
Horário das aulas
Os pais e responsáveis precisam refletir sobre o número de horas para tempo integral, meio período ou mesmo escolas que flexibilizam as atividades de acordo com a necessidade de cada família
Infraestrutura
Essa é uma questão muito importante a se observar. Além de conferir o ambiente — salas arejadas, área de lazer, banheiros e mesmo água potável -, visite o colégio para conhecer laboratórios, auditórios, biblioteca e quadras esportivas. Esses podem ser diferenciais importantes no desenvolvimento pleno das crianças e adolescentes.
Conduta
Descubra como a escola lida com situações difíceis. Se a criança se machucar, se envolver em uma briga ou sofrer bullying, como será a atuação da instituição. Isso vale também para quem tem filhos com necessidades especiais, por exemplo. Pergunte como a escola acolhe as crianças e como reagirá caso o filho enfrente alguma dificuldade pedagógica ou psicológica.
Preço e qualidade
Uma escola cara não significa, necessariamente, boa qualidade educacional. Lembre-se de que há instituições públicas com bons projetos pedagógicos e privadas com projetos duvidosos. Se você prefere pagar escola particular, avalie se a mensalidade cabe no seu orçamento e se tem bom custo-benefício em relação à proposta pedagógica, infraestrutura, material didático e uniforme.
Projeto pedagógico
É um documento obrigatório para todas as escolas, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Ele apresenta as diretrizes que deverão ser seguidas em todas as ações de ensino realizadas na escola, as metas almejadas e as atividades a serem elaboradas. O texto deve esclarecer informações sobre proposta curricular, o planejamento da equipe e a gestão administrativa, bem como a linha pedagógica adotada pela instituição.
Linhas pedagógicas
- Tradicional – Corrente pedagógica mais usada no Brasil, apresenta o conteúdo de forma sistemática, com foco no ensino pela teoria e por exercícios para auxiliar na memorização do conteúdo. O professor é o guia do processo educativo, aplicando avaliações periódicas. Essa linha também dá bastante peso à preparação para os processos de ingresso no Ensino Superior.
- Pedagogia comportamentalista – Com o controle de um professor, o aluno é guiado para que adquira comportamentos desejados. O ensino é planejado e sistemático: o educador usa técnicas para medir e controlar o tempo de resposta dos alunos a determinados estímulos e recompensas. O objetivo é que os alunos adquiram o conhecimento por meio da experiência.
- Construtivismo – Linha que segue as ideias do psicólogo Jean Piaget (1896-1980), que preconiza que a criança passa por estágios de aprendizagem. A metodologia se dedica à participação ativa do aluno, utilizando trabalhos em grupo e projetos. É uma corrente que instiga a aprendizagem pela prática, estimulando o questionamento e a busca por conhecimento por parte dos alunos.
- Montessoriana – Proposta pela médica e pedagoga Maria Montessori (1870-1952), essa linha pedagógica foi uma das primeiras a considerar as questões afetivas na educação. Com foco na autonomia das crianças, exercita a aprendizagem por meio dos sentidos e movimentos. Valoriza a paz do aluno e a autonomia na busca por um lugar no mundo. De acordo com a personalidade individual, são desenvolvidas atividades lúdicas que os aproximem das ciências e das artes.
- Waldorf – O maior objetivo dessa corrente pedagógica é o desenvolvimento pessoal por meio de atividades artísticas, corporais e artesanais. Assim, os alunos podem dar sentido às próprias vidas de maneira autônoma. As escolas não aplicam provas, e as crianças não são reprovadas. A avaliação é baseada nas atividades diárias, e o progresso dos alunos é registrado em boletins que descrevem habilidades sociais e virtudes. As turmas são divididas em ciclos de sete anos (zero a sete anos, sete a 14 anos e 14 a 21 anos).
- Democrática – Dá autoridade aos alunos para decidirem quais aulas querem incluir no seu currículo baseado nos seus interesses e prioridades individuais. Presente em países como os Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão, a linha também já faz parte de algumas escolas brasileiras. Assim como Waldorf, a divisão das turmas é feita em ciclos. A comunidade escolar é ouvida na tomada de decisões em assembleias.
- Freireana – Baseada nas ideias de Paulo Freire (1921-1997), é voltada para a alfabetização e considera aspectos culturais, sociais e humanos do aluno. O objetivo é ouvir cada aluno e usar as suas realidades e experiências no processo de ensino e aprendizagem, para que eles consigam ver sentido e propósito nos estudos.