A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de quinta-feira (22) que obriga o Poder Público a fornecer vagas em creches e pré-escolas para crianças de zero a cinco anos foi duramente criticada por prefeitos. A avaliação é de que não há dinheiro para financiar a expansão - e que será necessário cortar dinheiro do Ensino Fundamental.
Segundo levantamento da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), o Brasil tem déficit de 3,3 milhões de vagas em creches e na pré-escola, sendo 134.351 apenas no Rio Grande do Sul. A Educação Infantil é de responsabilidade de prefeituras, enquanto a oferta de vagas do 1º ao 5º ano do Fundamental é compartilhada com o governo do Estado.
Cálculo da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estima que o impacto para atender apenas crianças em creches será de R$ 120,5 bilhões por ano – no Rio Grande do Sul, prefeituras arcarão com gasto adicional de R$ 5,5 bilhões anuais. Para cada criança em creche, municípios investem, em média, R$ 1,2 mil por mês.
Além disso, prefeitos precisarão lidar, no ano que vem, com a decisão do governo Jair Bolsonaro de cortar quase R$ 1 bilhão do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE) – verba usada por municípios para construir novas creches, reformar e ampliar as existentes, além de expandir o turno integral.
O CNM, que representa prefeitos de todo o Brasil, criticou a decisão do Supremo sob o argumento de que a Constituição não obriga municípios a oferecerem vagas em creches (zero a três anos), apenas na pré-escola (quatro e cinco anos) – o que ocorre para quase 93% das crianças brasileiras de quatro e cinco anos.
Em entrevista à Rádio Gaúcha, o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, destacou que prefeituras não têm verba para colocar todas as crianças na pré-escola e em creches e que municípios precisarão tirar verba do Ensino Fundamental e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), usado para pagar salário de professores, a fim de dar conta da nova demanda.
— Vai sair dinheiro do Fundeb e do Ensino Fundamental. Como você vai falar em revolução da educação se você vai tirar parte do financiamento de uma etapa para colocar em outra? Não existe almoço grátis. Se o cobertor escapou de uma ponta, vai puxar do outro lado. O Ensino Fundamental vai ter menos recurso. Vamos tentar cumprir a decisão do Supremo, mas não cabe na nossa arrecadação — afirma o presidente da CNM.
A obrigação de fornecer vagas na Educação Infantil a todas as crianças brasileiras conflita com a redução no repasse federal para o FNDE determinado pelo governo federal para 2023, observa o presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) e prefeito de Restinga Sêca, Paulinho Salerno. Ele acrescenta que a maioria dos municípios do Interior gaúcho sequer oferecer vagas para a Educação Infantil em zonas rurais, o que exigirá a construção de novas escolas.
— A gente tem que lutar agora para ampliar o valor pago (pela União) por aluno no Fundeb e discutir com o Congresso uma fonte de financiamento para dar conta dessa realidade. Já colocamos hoje muitos recursos próprios e, agora, vamos atrás de mais recursos — diz o presidente da Famurs.
Uma possível saída, diz, é que municípios criem convênios com o Estado para usar salas de aula de escolas estaduais no atendimento de crianças da Educação Infantil matriculadas em escolas municipais, o que Salerno faz em Restinga Sêca.
A dificuldade orçamentária de municípios é compreensível, mas os brasileiros que mais precisam de vagas em creche e que estão desassistidos são a população mais vulnerável, afirma Cezar Miola, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) e presidente da Atricon.
Ele cita formas de financiar a universalização de vagas para crianças. Uma delas é prever mais verbas para a educação nos orçamentos de executivos do ano que vem, o que inclui o plano de gastos do governo federal, que sofreram corte no FNDE.
Outra forma é implementar um pedido histórico da área de ensino: o Sistema Nacional de Educação (SNE), espécie de Sistema Único de Saúde (SUS) educacional que desenharia formas de financiamento para universalizar a educação brasileira. Projeto de Lei do senador Flávio Arns (Rede/PR) que pretende incluir o SNE na Constituição foi aprovado no Plenário em março e agora aguarda análise da Câmara dos Deputados.
— A Constituição assegura a absoluta prioridade ao jovem, e isso deve se traduzir nos orçamentos e nas políticas públicas. A Constituição diz que a Educação Infantil é atribuição dos municípios, mas também diz que a União deve atribuir auxílio financeiro. É a hora de o federalismo ser colocado em prática e de colocarmos em termos materiais o Sistema Nacional de Educação — diz Miola.
Situação em Porto Alegre
Por meio de nota, a Secretaria Municipal da Educação de Porto Alegre (Smed) diz que está fazendo estudos iniciais, tanto legais quanto orçamentários, para avaliar o impacto que a decisão do Supremo causar. "A repercussão financeira não tem como ser mensurada, de forma responsável, em um dia".
A Smed diz que tem trabalhado para ampliar o número de vagas na Educação Infantil por entender a importância que o acesso à escola, nesta faixa etária em especial, para as próprias crianças e suas famílias.
A prefeitura diz que, desde 2021, ampliou a oferta de vagas na Educação Infantil, oferecendo mais de 1.600 vagas tanto na rede própria quanto na rede conveniada. Ainda assim, há, em Porto Alegre, déficit de 5.606 vagas para creches (zero a três anos de idade).
No caso da pré-escola (crianças de quatro e cinco anos), há mais vagas livres (1.135) do que lista de espera (1.078) porque a demanda varia conforme a região – há regiões sem demanda reprimida e outras com grande procura.