Celeiro de mestres e doutores, o Rio Grande do Sul não investe tudo o que deveria em seu órgão estadual de fomento à pesquisa. E não é de hoje – a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), que tem previsto na Constituição gaúcha um orçamento anual de 1,5% do valor arrecadado pelo governo com impostos, há pelo menos 27 anos não recebe esse percentual.
A não aplicação da taxa mínima tem sido alvo de recomendações do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Em seus relatórios e pareceres prévios anuais sobre as contas dos governadores do RS, o órgão repete a proposição de que o Executivo tome providências para cumprir o que está previsto na Constituição. A proposta, no entanto, não foi seguida — o índice máximo já alcançado na série histórica, iniciada em 1995, foi em 2001, quando menos de um terço do 1,5% dos impostos originalmente previsto realmente chegou aos cofres da fundação, de acordo com dados apresentados pela própria Fapergs.
Em 2022, a fundação recebeu o maior orçamento da série histórica, de R$ 84 milhões, graças ao programa Avançar, que acrescentou R$ 54 milhões no que estava previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA). Ainda assim, o valor representa menos de 20% do previsto na Constituição. A diretoria da Fapergs apresentou ao governo uma proposta de recomposição com um aumento de 15% ao ano, para, até 2040, o repasse constitucional ser alcançado.
— O Rio Grande do Sul tem uma robustez muito grande na área acadêmica. Se o Estado conseguir colocar mais recursos em pesquisas científicas, tecnologia e inovação, teremos um retorno muito expressivo. Temos conseguido sensibilizar o governo quanto a isso e temos a expectativa de um orçamento pelo menos no mesmo nível deste ano para 2023, talvez até mais — projeta o diretor-presidente da fundação, Odir Dellagostin.
Secretário estadual de Planejamento, Governança e Gestão, Claudio Gastal salienta que o descumprimento do percentual previsto na Constituição não é exclusividade do RS, ainda que haja outros Estados, como São Paulo, que conseguem cumprir. No entanto, aponta que o governo faz esforços para, no ano que vem, manter o valor repassado em 2022.
— O que procuramos neste governo é a manutenção desse valor, que já é bem acima do destinado em outros anos. Em paralelo, temos uma discussão interna de trabalhar na previsão do escalonamento do recurso, até chegar ao valor orçamentário previsto na Constituição. Mas isso tem que ser olhado pensando no regime de recuperação fiscal, no teto de gastos e na situação financeira do Estado — pontua o secretário.
Gastal ressalta, por outro lado, a capacidade de execução da Fapergs, que tem utilizado todo o recurso que recebe para abrir editais e financiar projetos de pesquisa de diferentes áreas. Entre eles, o mais recente é o programa Doutor Empreendedor, que visa estimular o empreendedorismo entre pesquisadores com título de doutorado. A fundação também aumentará, a partir de setembro, o valor das bolsas de Iniciação Científica e de Iniciação Tecnológica e Inovação, voltadas para graduandos, de R$ 400 para R$ 500. Já as bolsas de pós-doutorado empresarial receberão reajuste de R$ R$ 4,1 mil para R$ 5 mil.
Pior orçamento da região Sul
Considerando a média dos orçamentos obtidos entre 2018 e 2020 pelas fundações de amparo à pesquisa dos três Estados da região Sul, o Rio Grande do Sul, mesmo tendo uma população maior do que Santa Catarina e Paraná, recebeu os repasses mais baixos. Em média, a Fapergs ganhou R$ 29,5 milhões anuais no período, enquanto em SC o recurso foi de R$ 38,1 milhões e no PR foi de R$ 47,5 milhões. A liderança absoluta em termos de investimentos é de São Paulo, que repassou uma média de R$ 1,4 bilhão por ano à Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp) – mais da metade dos R$ 2,6 bilhões registrados pelas fundações do Brasil inteiro.
— Há quem diga que a Fapesp é forte porque São Paulo é forte, mas eu acredito que é o contrário: São Paulo é forte e cresce cada vez mais porque tem uma Fapesp forte. O investimento em ciência, tecnologia e inovação dá muito retorno — defende Dellagostin.
O perfil das fundações de amparo é diferente em cada Estado. No RS, a decisão foi de não conceder bolsas da própria Fapergs para mestrandos e doutorandos, como é feito, por exemplo, em Santa Catarina e São Paulo. A razão disso, segundo o diretor-presidente da Fapergs, é que o sistema de pós-graduações gaúcho já é muito robusto e qualificado e, por isso, não há falta de bolsas para estudantes gaúchos dos principais órgãos de fomento, que são federais: a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
— O percentual de alunos que recebem bolsas na pós-graduação aqui no RS está acima da média nacional. Em outros Estados, quando ainda há necessidade de formação de mestres e doutores, o governo investe muito em bolsas — explica, citando como exemplo o Amazonas e o Maranhão, onde as fundações de amparo tem uma participação significativa na concessão de bolsas.
Considerando-se os recursos recebidos por instituições e pesquisadores da fundação de amparo estadual, da Capes e do CNPq, o RS é a terceira unidade federativa com menos contribuição de verba estadual nesse setor, atrás apenas de Rio Grande do Norte e Roraima. O principal investimento da Fapergs é em programas de Iniciação Científica, como forma de incentivo a alunos de graduação que queiram seguir seus estudos no mestrado e no doutorado, e em projetos de pesquisa. Em abril deste ano, quase 1,3 mil projetos estavam sendo financiados pela agência gaúcha de fomento.
Áreas com mais pesquisas
A grande área de conhecimento com mais pesquisas sendo feitas no Rio Grande do Sul é a das Ciências da Saúde — de toda a produção científica realizada, conforme a plataforma SciVal, que reúne estudos feitos em 20 mil instituições de ensino do mundo, 24% são em Medicina. O segundo maior campo de pesquisas é o de Ciências Biológicas e Agrárias, com 19% da produção.
Especializada nessa área de conhecimento, a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) é uma das que recebe suporte da Fapergs em suas pesquisas — no edital do programa Pesquisador Gaúcho mais recente, que concede verba para todos os campos de estudo, das 31 propostas submetidas pela instituição de ensino, 11 foram contempladas.
— É claro que, se o recurso fosse maior, teríamos demanda para competir, mas, com o governo federal no status que está, a Fapergs tem financiado grande parte das nossas pequisas — comenta a pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação da UFCSPA, Dinara Moura.
Entre os projetos não contemplados, estão uma pesquisa sobre o canabidiol, substância derivada da maconha, e um trabalho de avaliação da suplementação de zinco para pessoas obesas. Por outro lado, receberam verba, por exemplo, estudos sobre imunoterapia para o tratamento de doenças virais e oncológicas, o uso de nanotecnologia para prevenir e tratar o Herpes Simplex Vírus-2, o impacto da proteína de reparo do DNA no tratamento de glioblastoma, a relação entre o distúrbio comportamental do sono RBD e o desenvolvimento da doença de Parkinson e a influência dos mecanismos de reparo de DNA sobre a resposta à quimioterapia em linhagens de câncer colorretal.
Dinara ressalta outra qualidade da gestão da Fapergs: a organização. A pesquisadora relata que, algumas vezes, órgãos de fomento lançam editais que dificultam a submissão de trabalhos, como aqueles voltados para áreas muito específicas ou com prazo muito curto, o que não ocorre na Fapergs.
— Em termos de organização, para os pesquisadores, o prazo curto é um complicador. Já a Fapergs vem cumprindo seu calendário de editais com previsibilidade. Se tivéssemos um aporte maior de recursos seria excelente, até por essa organização que conseguimos enxergar — elogia a pró-reitora.
O mesmo foi dito pelo secretário Claudio Gastal, que destacou que a boa gestão faz com que a capacidade de execução da Fapergs chegue a quase 100% — ou seja: quase tudo o que recebe de orçamento, a fundação consegue reverter em investimentos em ciência, tecnologia e inovação.