A falta de perspectiva em relação ao Ensino Superior e de políticas públicas que apoiem os estudantes estão entre os principais motivos por trás da redução gradativa no número de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) nos últimos anos, apontam especialistas da área. Em 2022, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o Brasil registrou 3.396.632 inscrições no exame, 5.325.616 a menos do que em 2014, quando atingiu a maior quantidade de candidatos: 8.722.248. A redução é de aproximadamente 61%.
O número de candidatos deste ano é o segundo menor desde 2009, quando o Enem se tornou um processo seletivo para as principais universidades públicas do país, ficando atrás somente de 2021, quando foram registradas 3.389.832 inscrições entre brasileiros.
No Rio Grande do Sul, a quantidade de inscritos também vem caindo e é a menor desde 2009. São 146.784 candidatos gaúchos neste ano, 327.189 a menos do que em 2014, quando o pico de inscrições (473.973) foi registrado no Estado. Em comparação com 2021, houve uma redução de 2,7%.
De acordo com Sérgio Franco, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), historicamente há dois grupos que fazem o Enem – quem concluiu o Ensino Médio recentemente e quem se formou há anos – e diferentes fatores que resultam na queda das inscrições para o exame. Um deles se refere à diminuição do interesse de pessoas mais velhas pelas provas, já que elas abordam conteúdos atuais, fazendo com que esse público busque outras formas de ingresso no Ensino Superior. Outro tem relação com um problema: a alta taxa de evasão entre estudantes do Ensino Médio, que cresceu ainda mais com a pandemia de covid-19.
— Essa diminuição de pessoas que têm feito o Enem é reflexo de uma política de educação que não está funcionando, porque não se tem conseguido aumentar o número de egressos do Ensino Médio nem atrair esses jovens para o Ensino Superior público. Isso porque temos visto um sucateamento dessas instituições, propagandas negativas nas redes sociais e cortes orçamentários — comenta Franco.
É reflexo de uma política de educação que não está funcionando, porque não se tem conseguido aumentar o número de egressos do Ensino Médio nem atrair esses jovens para o Ensino Superior público. Isso porque temos visto um sucateamento dessas instituições, propagandas negativas nas redes sociais e cortes orçamentários
SÉRGIO FRANCO
Coordenador do Programa de Pós-Graduação da UFRGS
O baixo número de estudantes que concluem a Educação Básica está relacionado com uma terceira questão citada pelo professor da UFRGS e corroborada por Sani Cardon, professor adjunto dos cursos de licenciatura da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS): a situação econômica daquele aluno que, muitas vezes, larga a escola para entrar no mercado de trabalho e ajudar no sustento da família. Este ponto destaca também a falta de políticas públicas mais amplas para incentivar esses jovens e de perspectiva sobre o Ensino Superior, afirmam os especialistas.
— Se for fazer uma avaliação dos inscritos no Enem, se chega à conclusão de que, em boa parte, são estudantes da rede privada, porque há um desestímulo para estudantes da rede pública ascenderem à universidade. Isso gera desmotivação, desinteresse e falta de perspectiva para o futuro, além do imediatismo em buscar meios para ajudar a família no seu sustento — aponta Cardon.
O professor da PUCRS destaca que a diminuição no número de inscritos no Enem já vinha acontecendo antes da pandemia porque os problemas na área da educação, como falta de professores e falta de motivação dos estudantes, não são recentes. Mas acredita que a crise sanitária tenha mesmo potencializado ainda mais essas questões.
Para reverter a situação, Carton sinaliza que seria necessário cumprir as metas do Plano Nacional de Educação, investir em políticas públicas, na qualificação de professores e em melhorias da infraestrutura física das escolas, além de fornecer um resguardo para as famílias manterem seus filhos nas instituições de ensino – porque não basta a universidade ser gratuita, já que também há gastos com alimentação, moradia e transporte:
— Se tivermos políticas públicas, vamos incentivar que os estudantes ascendam à universidade, e uma porta de entrada é o Enem. Mas eles só vão fazer o Enem se tiverem uma perspectiva.
Se tivermos políticas públicas, vamos incentivar que os estudantes ascendam à universidade, e uma porta de entrada é o Enem. Mas eles só vão fazer o Enem se tiverem uma perspectiva
SANI CARDON
Professor adjunto dos cursos de licenciatura da Escola de Humanidades da PUCRS
— Quando há uma perspectiva concreta, a evasão também é menor. Se tivéssemos uma política pública mais integrada entre Educação Básica e Ensino Superior, a gente conseguiria mudar esse quadro e ter mais gente buscando um curso superior — complementa Franco.
Impacto nas universidades públicas
A redução do interesse pelo Ensino Superior tem impactado também as universidades. Nesta semana, a UFRGS abriu inscrições para um processo seletivo adicional para 560 vagas, que não foram ocupadas no Concurso Vestibular 2022, aplicado em fevereiro deste ano. Sérgio Franco afirma que a sobra de vagas em diferentes cursos é um fenômeno que, antes, era impensável, mas hoje aparece.
— Essa sobra de vagas começa entre 2016 e 2017, bem devagar, e nos últimos dois anos ficou bem forte. Em 2016, por exemplo, tínhamos vagas sobrando em dois cursos. Hoje, são 25, e, se não tiver uma mudança na política educacional, vai piorar — alerta, enfatizando que o orçamento da universidade também é proporcional ao número de matrículas que ela tem, ou seja, quando tem menos alunos, recebe menos.
Jerônimo Tybusch, pró-reitor de Graduação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), afirma que, tradicionalmente, há uma margem de não preenchimento e, por isso, as universidades precisam criar mecanismos para reduzir o número de vagas sobrando. Segundo ele, a instituição alcança boas porcentagens e não tem enfrentado maiores dificuldades para a ocupação das vagas, principalmente porque investe em sistemas alternativos.
— Não notamos uma diminuição porque fazemos esses procedimentos diferenciados, sempre cuidando e buscando mecanismos para abrir um edital de ingresso que seja eficiente, o que acho que todas as instituições devem fazer — finaliza.
Colaborou Vinicius Coimbra