As denúncias de assédio que derrubaram Pedro Guimarães da presidência da Caixa Econômica Federal estão longe de serem casos isolados. Um levantamento feito pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), a pedido de GZH, indica que os processos no Rio Grande do Sul têm uma média de oito por dia em 2022. Até o dia 29 de junho, foram 1.608, sendo 1.485 casos de assédio moral e 123 de assédio sexual. Se compararmos com a média diária de 2021, de 16,57, há uma redução de 46,83% .
— Entre 2017 e 2019, tivemos em 2017, nos meses anteriores à entrada em vigor da reforma trabalhista, uma elevação no número de casos, o que refletiu na redução nos meses subsequentes, ou seja, no primeiro semestre de 2018. Em 2019, houve uma elevação no número de casos novos, em comparação ao ano de 2018, mas com uma redução em relação ao período anterior à reforma — interpreta a coordenadora do Comitê de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade do TRT-RS, juíza Mariana Piccoli Lerina.
A juíza explica que nesses casos é comum a demanda de uma prova testemunhal e isso pode ter interferido na redução dos números. Ela avalia que dois fatores impactaram diretamente nos números dos últimos dois anos:
— Para os anos de 2020 e 2021, a redução, que também segue a redução de casos novos em geral, pode estar relacionada à pandemia, mas acresceria aqui a elevação da taxa de desemprego, que interfere na queda de contratos de trabalho e, por consequência, das respectivas reclamatórias trabalhistas.
A juíza explica que casos de assédio, em geral, são provados por meio de testemunhas. Ela acrescenta, no entanto, que há situações em que provas documentais são juntadas aos processos, como mensagens de celular e e-mails, por exemplo. Conforme a magistrada, muitas mulheres têm dificuldade de identificar um caso de assédio quando ele não é tão explícito.
— A Agência Patrícia Galvão fez uma pesquisa sobre o tema questionando especialmente mulheres em circunstância de violência. E somente 36% teriam relatado que teriam sofrido algum preconceito, abuso ou assédio. Mas quando narradas situações concretas de exemplos do que poderia ter acontecido, esse percentual sobe para 76% — relata a juíza.
Com mais de 20 anos de atuação, o Instituto Patrícia Galvão, citado pela juíza, é uma organização feminista de referência nos campos dos direitos das mulheres e da comunicação.
A indenização por assédio varia conforme o caso concreto e a repetição dos atos, mas pode chegar a R$ 30 mil. O assédio no ambiente de trabalho pode ocorrer tanto partindo de um superior hierárquico quanto por um colega de mesma função. Cobrança excessiva de metas, constrangimento do funcionário, exposição do empregado em rankings de desempenho, ofensas pessoais e deixar o trabalhador sem tarefa para obrigá-lo a pedir demissão são alguns dos exemplos citados pela juíza como casos de assédio moral. No caso de assédio sexual, o que mais se verifica, segundo ela, são casos de constrangimento, como convites que são negados e reiterados, “alguns relacionados a promessas de promoção”.
— Já tive casos de o agressor praticar um ato sexual na frente da vítima como maneira de constranger — cita como exemplo a juíza como um dos casos graves registrados.
GZH também entrou em contato com o Tribunal Superior do Trabalho (TST). No país, 17.138 processos novos tiveram, pelo menos, uma denúncia de assédio, somando moral e sexual. O levantamento do TST inclui os cinco primeiros meses do ano. Representa 114,25 por dia. No caso de ações julgadas pela corte e pelos tribunais do trabalho dos Estados, em primeira instância, houve uma redução na média diária de 6,01% em 2022 (265,12 casos) em comparação a 2021 (282,10).
— O ambiente de trabalho tem que ser um lugar de respeito, dignidade a trabalhadora e ao trabalhador. E os casos de assédio que chegam ao TST recebem a análise partindo desse princípio e tendo como desfecho as sanções previstas na lei. Sempre nos amparamos na lei. E falando especificamente do assédio sexual, temos o compromisso de seguir a legislação, punindo os infratores na esfera trabalhista. Mas não apenas isso. É nosso dever, enquanto justiça social, fomentar um ambiente de trabalho e uma sociedade que internalize a cultura do respeito à diversidade, ao gênero para que a gente chegue num momento em que ninguém seja obrigado a passar por isso — ressalta o presidente do TST, ministro Emmanoel Pereira.
As denúncias podem chegar por vários canais. Outro órgão que trata do tema é o Ministério Público do Trabalho (MPT). No Rio Grande do Sul, foram 309 registros em 2022, incluindo assédios moral e sexual. Se levar em conta a média diária (1,69), há um aumento de 9,03% em relação a 2021 (1,55).
No país, conforme a Procuradoria-Geral do Trabalho, foram 3.609 chamadas notícias de fato, nome dado às denúncias, em 2022. É a maior média diária (19,77) desde 2019. Representa aumento de 23,02% na comparação com a média diária de 2021 (16,07).
A coordenadora nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade) do Ministério Público do Trabalho, Adriane Reis, destaca a importância de denunciar os casos.
— Identifique quando ocorreu. Anote. Se tinha testemunha, o que foi que aconteceu. Se há algum documento, guarde esse documento. Toda e qualquer prova é importante para a gente atuar. A segunda recomendação é: não silencie, denuncie. Porque apenas por meio da denúncia que a gente tem a possibilidade de transformar aquele ambiente de trabalho — ressalta a procuradora.