
Um episódio raro ocorrido na seleção de estagiários do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), em Taquara, no Vale do Paranhana, levantou um ponto pouco discutido nos concursos e processos seletivos: o que acontece quando todos os critérios de desempate se esgotam?
No certame de Taquara, as estudantes Ana Luiza Schweinitz Lescano e Natália Avila Prusch obtiveram exatamente a mesma pontuação final — 29 de 30 — e ainda coincidiram nas notas por disciplina (20/20 em língua portuguesa e 9/10 em informática).
Como se não bastasse, ambas nasceram no mesmo dia e horário: 18 de julho de 2004, às 8h50min. Diante da sequência de empates, o TRT4 realizou, pela primeira vez na história, um sorteio público para definir a classificação. Ana Luiza foi a sorteada e ficou com a quarta posição na lista de cadastro reserva.
Embora incomum, a adoção do sorteio não é ilegal. Segundo o advogado e professor de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rafael Maffini, a chave está no respeito ao edital e à lógica da meritocracia.
— O concurso, normalmente, é algo voltado para cargos efetivos ou empregos públicos. Ele precisa ter critérios objetivos, previamente estabelecidos no edital de abertura e que sejam divulgados com antecedência — explica o jurista.
No caso de Taquara, o edital previa expressamente a possibilidade de sorteio como último recurso, o que confere validade ao procedimento. A cerimônia foi conduzida por um representante da empresa responsável pela seleção, com a presença de servidor do TRT4 e registro em ata.
— O ideal é que se tenha uma sequência de critérios meritocráticos, dentro da própria performance do candidato, para tentar evitar o uso de soluções aleatórias. Por exemplo, criar critérios de desempate baseados na quantidade de acertos em determinada disciplina ou valorizar uma prova mais do que as outras — pontua Maffini.
Segundo ele, a regra geral nos concursos é privilegiar o mérito.
— Desde que se preserve a lógica de critérios prioritariamente meritórios, quando esgotados, não é vedada a adoção de critérios aleatórios, como o sorteio. O que não é recomendável é começar pelos critérios aleatórios — afirma
Critérios mais comuns de desempate em concursos
Conforme o especialista, os principais critérios usados por bancas organizadoras em caso de empate são:
- Maior idade: favorecendo candidatos mais velhos, sobretudo em concursos da área da saúde
- Maior nota em disciplinas específicas: utilizando o desempenho em matérias com maior peso na prova
- Pontuação em provas práticas ou discursivas: comum em concursos técnicos e policiais
- Tempo de serviço militar ou experiência profissional: aplicado em situações específicas, como concursos militares
- Prova de títulos: usado especialmente em seleções para professores ou especialistas
O uso do sorteio público é a última alternativa, válida apenas se for previsto em edital e realizado com ampla transparência. O que chamou atenção no caso do TRT4, segundo Maffini, foi a coincidência nos dados que, em tese, seriam únicos.
— O que teve de inusitado nesse caso é que empatou em um critério em que não se empata — comenta.
E se o edital não for respeitado?
Caso os critérios de desempate não sejam cumpridos conforme previsto, o candidato pode buscar a impugnação administrativa, ou até mesmo judicializar a questão, por meio de mandado de segurança ou ação civil pública, dependendo da gravidade e do alcance do prejuízo.
Para evitar essas situações, o professor reforça:
— É importante que mesmo a solução aleatória esteja prevista no edital. E, sempre que possível, que se esgotem todas as formas de avaliação por mérito antes de se recorrer ao acaso.
* Produção: Leonardo Martins
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