Em discussão na Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 206/2019, que pretende instituir a cobrança de mensalidade em universidades públicas brasileiras, divide opiniões. O assunto chegou a ser pautado para votação na última terça-feira (24), mas, em razão da ausência do relator, Kim Kataguiri (União-SP), teve a discussão adiada.
Foi aprovado, no entanto, um requerimento da deputada Maria do Rosário (PT-RS), para que ocorra uma audiência pública para discutir a PEC 206 antes da votação pelo colegiado, ainda sem data marcada. Se aprovada a proposta na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara, a proposta vai a plenário e precisa da aprovação de três quintos dos deputados em dois turnos de votação. Depois, segue para o Senado. Se o texto for aprovado nas duas casas sem alterações, é promulgado em forma de emenda constitucional em sessão do Congresso Nacional.
O programa Timeline, da rádio Gaúcha, ouviu, nesta quinta-feira (26), duas opiniões distintas sobre o tema: o general Peternelli (União Brasil-SP), que é autor da PEC, e Marcus Davi, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
General Peternelli (União Brasil-SP), autor da PEC
Responsável pela autoria da PEC, Peternelli argumenta que a iniciativa diminuiria a desigualdade, já que o pagamento seria feito apenas por quem teria condições de arcar com o custo.
— Sempre se falou que era importante a distribuição de renda e que deveríamos cobrar dos mais ricos. Sempre se comentou que a universidade pública, se tivesse mais recurso, teria melhor possibilidade de pesquisa, desenvolvimento, ciência, tecnologia, e, dessa forma, é que nós apresentamos essa proposta. Ela teve por base dizer o seguinte: numa universidade pública, quem pode, paga. E quem não pode, não paga — argumenta.
De acordo com o deputado federal, os valores sugeridos para cada curso deveriam oscilar na média do preço de mercado daquele curso, entre 50 e 70%. A determinação de quem pagaria ou não para estudar na universidade seria feita em análises caso a caso, com base em fatores como custo do curso, renda, estrutura familiar. Os critérios seriam estabelecidos por cada instituição:
— Esse recurso vai totalmente pra universidade, que vai poder colocar para pesquisa, desenvolvimento, para investimento da universidade. Então, todos os alunos ganhariam com isso, não só aquele que está pagando, mas aquele que não paga porque não tem condições e vai estar usufruindo. A ideia é permitir uma melhora daquela atividade.
Segundo Peternelli, a proposta não visa substituir a verba oriunda do governo.
— Tem que continuar entrando todo o dinheiro federal ou estadual, porque quem tem que custear o salário, a atividade orgânica daquela universidade, é o ente público. Esse dinheiro vai entrar na universidade para ser investido exatamente em pesquisa, ciência, tecnologia, desenvolvimento, porque esse tipo de pesquisa ajuda toda a população que está pagando aquela universidade — afirma.
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Marcus Davi, presidente da Andifes e reitor da UFJF
Contrário à PEC, em entrevista à Gaúcha, Marcus Davi, que é presidente da Andifes e reitor da UFJF, argumenta que "a proposta tem um equívoco em sua essência":
— A universidade não é um sistema cujo cliente é um aluno. A universidade é um sistema do qual a sociedade é a beneficiária. O nosso grande indicador não é o aluno formado. É a nossa participação de jovem com uma formação educacional de qualidade pra construir um país desenvolvido, econômico e socialmente. Quando eu percebo desse jeito, fica claro que educação pública é uma política pública e, sendo uma política pública, tem que ser financiada pelo Estado.
O presidente da Andifes afirma que, uma pesquisa feita pela associação, em 2018, indicou que 70% dos alunos de universidades públicas brasileiras são provenientes de um segmento social cuja a renda per capita familiar é inferior a 1,5 salário mínimo e que o Ensino Superior é um sistema "naturalmente caro".
— Hoje, uma faculdade particular de alto nível, você vê que ela tem como público apenas uma parcela muito pequena da sociedade, com condição de acesso a ela. A classe média brasileira que tem a possibilidade de oferecer educação superior de qualidade para os seus filhos conta com universidade pública também. "Mas ele vai conseguir pagar". Não, não vai. Se eu colocar tarifa pública como a lei determina que cubra todos os custos, ele se torna inacessível.
Davi afirma que o sistema de cobrança de mensalidade para quem pode pagar seria complexo pela possibilidade de variação de renda dos estudantes ao longo do período de graduação, que varia de quatro a seis anos, e questiona como seria a gestão da instituição com pagantes e não pagantes.
— Você já imaginou uma universidade com dupla entrada? Eu tenho os alunos que pagam e os alunos que não pagam? As universidades federais hoje com um grande arrocho orçamentário que nós estamos vivendo e nós não podemos perder. Eu até acredito que o deputado possa ter a boa intenção de estar pensando em em recursos adicionais pras universidades, mas lamentavelmente as experiências que nós temos é que, quando são identificadas novas fontes orçamentárias, a primeira ação do governo é cancelar a sua dotação original.
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