GZH convidou leitores e ouvintes a recordarem professores marcantes e lembranças de aulas e momentos inesquecíveis dos famosos cursinhos pré-vestibulares da Capital.
Em tempos em que não havia a possibilidade de videoaulas, teve professor que dava dicas na televisão e era parado na rua tamanha a popularidade. Houve quem ingressou neste mercado abrindo turmas no segundo andar de uma padaria. Teve estudante que não encontrou vaga no curso e precisou assistir aula em estádio de futebol. Amizades e até casamentos surgiram.
O amor está na sala de aula
O aluno de pré-vestibular tem uma meta bem definida: a aprovação no vestibular. Em 1982, por exemplo, Silvana Reis Farias tentava passar em Medicina, embora tenha se formado em Psicologia. Na mesma turma, Mauro da Costa Farias buscava vaga em Ciências Contábeis, área em que atua. O destino foi além e tratou de uni-los. A convite de GZH, eles voltaram à sala de aula onde se conheceram no Universitário. Na Rua Dr. Flores, número 327, o casal relembrou o início de uma relação que completa 40 anos.
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– Éramos de turmas separadas até a metade do ano. Então, a primeira vez que eu vi a Silvana foi quando ela estava participando do concurso Garota Universitário. Para mim, foi amor à primeira vista – conta Mauro.
Meses depois, quando juntaram as turmas, ambos passaram a ser colegas.
– Existia uma troca de olhares, mas ele sentava na outra ponta da sala e não conseguíamos conversar. Até que meu pai ficou um tempo sem carro, precisei voltar de ônibus para casa e, no caminho até a Praça Dom Feliciano, surgiram as primeiras conversas. Ele disse que estava com dor de dente. Foi quando recomendei a minha irmã, dentista. Ao dar o endereço, descobrimos a coincidência de que a irmã dele era a secretária do consultório. Aos poucos, fomos ficando mais próximos – revela Silvana.
Sentado de frente para o quadro, que era verde e agora é branco, Mauro fez uma viagem no tempo.
– Lembro do professor Édison de Oliveira, José Fogaça, Alfredo Castro. Cada professor era um show. Até por ser turno da noite, eles faziam ainda mais questão de nos manter atentos. Certa vez, o Édison chamou a Silvana para auxiliá-lo na explicação da regra dos porquês. Lembro até do vestido azul que ela estava naquele dia – relembra.
No dia da prova, outra coincidência tratou de aproximá-los ainda mais:
– O vestibular da UFRGS tinha cinco dias. Começava no domingo e ia até quinta-feira. Nosso local de prova foi o mesmo, então comecei a pegar carona com o Mauro. Na época, ele tinha um Chevette branco. Dias depois, tínhamos mais algumas aulas, que eram para quem quisesse tentar vaga na PUCRS, que acontecia depois. Na saída, íamos até o Café Paris, no Shopping João Pessoa. Foi lá que ele me pediu em namoro.
Da união, nasceram três filhos. Em meio à troca de elogios, Silvana e Mauro renovam os votos de seguir a história que nasceu naquelas classes.
– Vamos envelhecer juntinhos – completa ela.
Segredos dos mestres
O professor Édison de Oliveira é um dos que mais foram lembrados pelos nossos leitores e ouvintes, mas também por professores a quem serviu de inspiração. Objetos utilizados por ele, como uma galinha de plástico e uma guilhotina, estão cuidadosamente preservados até hoje, 14 anos após a sua morte.
Quem mantém o memorial é a professora Maria Elyse Bernd, que está à frente do Curso Permanente de Português (CPP), na Rua Dr. Flores, número 62. Ao entrar no local, criado por Édison em 1976, chama a atenção o mural de fotos com o título “Sim, Mestrezão!” e a miniexposição de materiais e livros. No caminho até a sala de aula, é possível folhear o acervo de entrevistas em jornais, devidamente catalogadas.
Em destaque, por exemplo, o depoimento de Oliveira ao caderno Jornal de Ensino, da Zero Hora, em 31 de outubro de 1981, quando abordou o aumento de notas zero nas Redações do vestibular da PUCRS e Unisinos. Disse: “culpa da falta de amadurecimento crítico e de um ensino mais sério e menos modernoso”. As aparições eram frequentes também na RBS TV, em que chegou a dar dicas de Língua Portuguesa no Jornal do Almoço.
Os alunos esperavam ansiosos pela aula e também para descobrir o que ele havia preparado para aquele dia.
– Sempre tinha uma novidade. Ninguém sabia o que ele iria fazer, mas sempre era algo que atraía a atenção dos alunos. Tinha vezes que ele entrava pilchado e anunciava que faria a "chula de apartamento". Enquanto dançava, aproveitava para citar um termo, uma dica, a grafia de uma palavra – lembra Maria Elyse.
Além do Mauá, Édison também lecionou no Universitário. Para quem foi aluno, os relatos são de que as aulas eram um show à parte.
– Ele tinha uma didática incrível, através de músicas, danças e poemas, que me facilitaram o aprendizado. Sempre de uma forma única e engraçada – relembra o pediatra Francisco Bruno, que foi aluno do Universitário e CPP, aprovado em Medicina, na UFCSPA, em 1983.
Conforme Maria Elyse, a popularidade do professor Édison chegou a ser tamanha que ele era frequentemente parado nas ruas do Centro, quando se deslocava entre uma unidade e outra do Mauá.
– O Édison sempre soube mesclar esse lado lúdico, que era intrínseco dele, era natural, e aliar com a arte de ensinar. Sempre dizia: "se eu conseguir envolver os alunos com determinada brincadeira por 5 minutos, tenho certeza que os outros 55 minutos serão de muito melhor recepção ao conhecimento". Era um recurso dele e que soube ser pioneiro e encorajar outros professores – completa.
Por dentro de uma obra literária ou de uma guerra
Marcos Bondan é professor de Literatura no Universitário desde 1990. Para prender a atenção dos alunos diante de uma matéria tão extensa, Bondan recorre à teatralização e ao uso de algumas técnicas:
– Não dou aula olhando para um ponto só. Caminho de um lado para o outro, interagindo com os alunos, tentando fazer com o que se sintam participantes da aula. Importante, também, saber usar o microfone, saber modular a voz. Muito disso eu me espelhei no professor Édison, o papa de todos nós – explica.
Leitores citaram, por exemplo, a aula em que Bondan "engolia" uma barata, de plástico, é claro, para apresentar o livro A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector, entre outros momentos.
– Nunca esqueço de uma aula sobre primeira fase do Romantismo, em que ele declamou a Canção do Exílio, poema de Gonçalves Dias, em diversas versões e ritmos, até em versão forró e dança do ventre – relembra Luísa Munari, aluna de 1999.
Entre episódios mais marcantes, o professor cita uma aula especial em que os alunos se reuniram na sede do Grêmio Náutico União:
– Quando Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, foi leitura obrigatória para o vestibular da UFRGS, aluguei um caixão, vesti um terno preto e entrei. Combinei com os seguranças para me conduzirem até o centro do palco. Foi quando saltei do caixão. As flores voaram, os alunos foram à loucura, foi inominável, um dos momentos mais fantásticos que vivi até hoje – completa.
Viviane Maia recorda as aulas de História que teve com o professor Luís Koteck, no Mauá, em 1997.
– Ele nos fazia vivenciar as guerras, nos transformava em personagens. Era maravilhoso ter aulas com ele – diz.
Para Koteck, o ensino da disciplina em pré-vestibular exige a combinação de fatores:
– Sempre proporcionei muita leitura e conteúdo, com aulas extremamente dinâmicas e com a pitada de bom humor. A aula precisa ser agradável, não pode ser chata. Para muitos de nós, o Mauá foi a escola de como se deve ser professor de pré-vestibular. Foi onde encontrei o meu jeito. Lá, inclusive, fiz uma dupla de décadas com o professor César Riggo. Nós éramos os que mais acertávamos as questões que caíam em prova – conta.