Mesmo depois que os hospitais estiverem desafogados, a economia houver se recuperado do baque do último biênio e a vida cotidiana se parecer um pouco mais com o período pré-2020, os brasileiros terão diante de si um desafio pouco visível, mas de grande importância. Recuperar o prejuízo pedagógico provocado pela pandemia na educação de milhões de crianças e adolescentes é uma tarefa que exigirá vários anos de esforço — e precisa começar já.
Os sinais do impacto provocado pelo fechamento prolongado das escolas estão recém começando a aparecer e ainda vão exigir coletas de dados e análises complexas para serem melhor compreendidos. Mas os indícios preliminares já permitem estimar a dimensão dos obstáculos à frente: um levantamento da organização Todos Pela Educação demonstra que a evasão escolar de crianças e adolescentes disparou 171% ao longo da pandemia no Brasil.
O trabalho revela que, no segundo trimestre de 2021, 244 mil estudantes entre seis e 14 anos haviam abandonado seus colégios e os estudos. No ano anterior à pandemia, essa cifra era de 90 mil jovens. Uma primeira missão será trazê-los de volta às classes.
— A negligência do governo federal fez com que a gente fosse um dos países que mantiveram escolas fechadas por mais tempo. Quem controla o vírus antes, abre a economia e as escolas antes. Mas não tivemos planejamento federal para coordenar a política educacional e priorizar as adaptações necessárias para reabrir — analisa o pedagogo e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) Gregório Grisa.
Um levantamento feito com 46 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgado recentemente, mostra que o Brasil foi um dos países com período mais longo sem aulas presenciais. Foram 178 dias de portas fechadas apenas em 2020 (os dados do ano seguinte ainda não estavam disponíveis), o que deixou o país atrás apenas do México. Em comparação, a Itália — outra nação fortemente impactada pelo coronavírus — fechou os colégios por menos de cem dias.
A negligência do governo federal fez com que a gente fosse um dos países que mantiveram escolas fechadas por mais tempo. Quem controla o vírus antes, abre a economia e as escolas antes.
GREGÓRIO GRISA
Pedagogo e professor do IFRS
Para Grisa, sob o ponto de vista pedagógico, a Educação Infantil e o nível de alfabetização foram os que mais sofreram prejuízos em razão da suspensão dos encontros presenciais. Como estão na base do processo de ensino, podem ter efeitos prolongados.
— Me parece que o esforço que precisamos fazer no próximo ano, e para os próximos 10 anos, é avaliar, diagnosticar de maneira cada vez mais precisa e volumosa (o panorama educacional) e atacar a questão da alfabetização como uma prioridade nacional. É dessa etapa, dos seis aos nove anos, que vamos construir uma solidez em termos de aprendizagem para o restante da escolarização.
Sob o ponto de vista da gestão, municípios, Estados e União tiveram dificuldades para superar desigualdades socioeconômicas, promover uma melhor inclusão digital e atender de forma adequada 5,8 milhões de alunos de instituições públicas de todos os níveis de ensino sem acesso à internet para acompanhamento das aulas a distância. Isso pode ter contribuído para os altos índices de evasão verificados atualmente.
O pedagogo aponta ainda que os gestores não aproveitaram o período de parada para reforçar a infraestrutura do sistema escolar, reformando sistemas hidráulicos e elétricos, telhados, cozinhas, mobiliários e outros itens. Como resultado, muitas cidades não estão conseguindo cumprir a obrigação constitucional de aplicar ao menos 25% da receita em educação. Uma proposta de emenda constitucional prevê isentar de punição os gestores públicos que não atenderem essa determinação durante o período da pandemia
— Em 2022, em primeiro lugar precisamos colocar a educação na agenda da eleição e olhar para o Plano Nacional de Educação não como uma carta de intenções fictícia, mas como uma lei igual a tantas outras que precisa ser cumprida — complementa Grisa.