Por Ana Paula Melchiors Stahlschmidt
Psicóloga, psicanalista, doutora e pós-doutora em Educação, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (Appoa)
É como “a mais antiga democracia infantil do mundo” que a escola inglesa Summerhill se apresenta atualmente. Fundada em 1921 por Alexander Sutherland Neill, modernizou-se e desenvolveu conexões mundiais ao longo de seu século de existência. Mas manteve-se fiel às concepções que inspiraram sua criação.
Em um mundo recém-saído da Primeira Guerra Mundial, Summerhill era uma proposta ousada. A declaração dos direitos humanos ainda levaria mais de um quarto de século para ser assinada, educadores como Piaget e Vygostky não tinham escrito suas obras e os castigos físicos eram comuns nas escolas. Jovem educador e filho de um professor austero, Neill – como era informalmente tratado pela equipe e crianças – entendia a rigidez como severamente prejudicial à formação. Propunha uma educação pautada pela liberdade. Que, como fazia questão de enfatizar, era diferente de ausência de limites. O respeito ao outro figurava como valor fundamental na comunidade escolar.
A metodologia de Summerhill, estabelecendo participação opcional nas aulas, coeducação e autonomia aos alunos que lá estudavam, em regime de internato, provocou polêmicas, reflexões e temores. Defensores e críticos debateram durante um século os efeitos de seu funcionamento, pautado apenas por regras estabelecidas em assembleias, com igual peso de voto a todos participantes – crianças e adultos.
Tomando como referências as teorias de Homer Lane, Freud e Reich, entre outros, Neill acreditava na criança como sujeito, capaz de regular-se e viver em um ambiente democrático e livre. Em uma infância na qual a principal tarefa é brincar.
Mais do que em métodos pedagógicos inovadores, Summerhill parte da proposição de que a criança pode fazer escolhas. Daí inúmeros relatos de alunos que permaneceram meses ou mesmo anos sem comparecer às aulas e, finalmente, conseguiram em tempo recorde preparar-se para exames de admissão em universidades ou obtenção de títulos, quando decidiram enfrentar o desafio. Ou não. Neill enfatizava que, para além de sujeitos bem sucedidos academicamente, queria formar pessoas capazes de lidar com a vida.
Escritor e leitor dedicado, explanou suas ideias em livros, textos e uma ampla variedade de cartas, que incluíram interlocutores como Bertrand Russel, Henry Miller, John Dewey e Wilhelm Reich. Mas foi em 1960, em consonância com os movimentos da época, que Summerhill se tornou mundialmente conhecida, com a publicação do livro homônimo nos EUA em seguida traduzido para o português).
As ideias de Neill embasaram, pelo mundo todo, propostas educacionais enfatizando a liberdade, autonomia e respeito à criança. E permanecem inovadoras.
A escola também resistiu a inúmeras intempéries. Dificuldades financeiras e a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, exigiram importantes movimentos para sua sobrevivência.
A ameaça maior a existência de Summerhill, porém, parece ter vindo dos órgãos governamentais de seu país, após uma inspeção do departamento responsável pela fiscalização da qualidade de ensino na Inglaterra, em 1999. Diante do condicionamento da continuidade de permissão de funcionamento a mudanças que poderiam abalar os fundamentos de sua proposta, a comunidade escolar resolveu enfrentar judicialmente o governo inglês. O embate envolveu ex-alunos, educadores do mundo todo, professores, pais e estudantes e terminou vitorioso para a escola. A assembleia na qual foi votada a aceitação do acordo proposto pelo governo, com garantias de inspeção diferenciada e acompanhamento de consultores independentes, fez história na Royal Courts of Justice, com a inusitada participação de crianças e adolescentes.
Neill faleceu em 1973 e, diferentemente do que muitos temiam, condicionando a existência da escola a seu criador, Summerhill se mantém em seu percurso. Atualmente, Zoë Readhead, juntamente com marido e filhos, permanece envolvida na direção da instituição fundada pelo pai. A escola acolhe alunos de todo o mundo e habituou-se a um ambiente multicultural. É hoje não só uma experiência bem sucedida, mas alternativa a contextos educacionais em que a competitividade e a superexigência acadêmica imperam. As ideias de Neill embasaram, pelo mundo todo, propostas educacionais enfatizando a liberdade, autonomia e respeito à criança. E permanecem inovadoras.