A pandemia de coronavírus alterou o calendário letivo das universidades federais, que tiveram as aulas presenciais interrompidas ainda em março de 2020 e só retornaram de forma remota meses depois. Agora, as instituições correm atrás do calendário, pois ainda não iniciaram as atividades relativas a este ano. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por exemplo, a previsão é de que só em 2023 o ano letivo volte a ficar mais próximo do calendário civil.
Um dos problemas que a UFRGS deverá enfrentar a partir deste semestre, segundo o vice-pró-reitor de Graduação, Leandro Raizer, é o represamento de formandos que dependem de estágios obrigatórios de forma presencial, como os estudantes de Odontologia, que não estão podendo realizar, por exemplo, cirurgias buco-facial.
— Temos cerca de 70 estudantes que precisariam realizar prática clínica nos próximos semestres para assegurar sua formatura no tempo previsto. Para isso, dependem ainda de recursos que permitam viabilizar a estrutura física presencial e as medidas de segurança para o desenvolvimento das atividades práticas que não possam ser adaptadas e realizadas de forma remota — explica Raizer.
De acordo com o vice-pró-reitor de Graduação, já há um planejamento para equilibrar o ano acadêmico ao ano civil, mas não é simples. A ideia é que em 2023 o calendário acadêmico já esteja em dia.
— A lei prevê 200 dias letivos, mas o Conselho Nacional de Educação flexibilizou para o ano de 2020. A UFRGS, porém, entende que é preciso seguir os dias ou o mais próximo possível do mínimo de cem dias (aulas). Nós mantivemos as mesmas disciplinas e estamos seguindo um calendário mais denso. Apesar da carga não ter sido modificada, questões como metodologia, didática e dinâmica foram alteradas, incluindo também a disposição de todos os materiais de forma online — ressalta Raizer.
Há grupos de trabalho dentro da própria UFRGS discutindo o impacto das aulas remotas nos estudantes.
Na próxima quarta-feira (19), a UFRGS pretende definir o calendário do primeiro semestre de 2021, que deverá ser votado na data pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão. Segundo o vice-pró-reitor de Graduação, Leandro Raizer, a meta é iniciar 2021/1 em 2 de agosto. Antes da pandemia, entre a publicação do edital do processo seletivo até o início das aulas do semestre seguinte, a universidade tinha até sete meses de preparação. Desta vez, o edital foi publicado nesta segunda-feira (17) e aulas estão previstas para iniciarem dentro de dois meses e meio:
— Como o prazo é muito curto, alguns prazos legais, como o de chamamento de candidatos, acabaremos tendo apenas um chamamento, não chamando suplentes. Com isso, há risco de as vagas públicas ficarem ociosas.
O vice-pró-reitor explica que a instituição está trabalhando diferentes estratégias, como chamamento coletivo, para tentar preencher o máximo de vagas possíveis.
O próximo semestre da UFRGS será de forma remota. Já o segundo semestre do ano letivo de 2021 está previsto para iniciar em janeiro de 2022, mas a UFRGS depende ainda de uma definição do Conselho Nacional de Educação sobre o ensino híbrido para definir a data.
Ano letivo mais atrasado
Já a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) é a instituição federal com o ano letivo mais atrasado no Rio Grande do Sul. Em junho do ano passado, a universidade implementou um calendário alternativo para garantir atividades enquanto alunos e professores estavam em casa. Foi um momento de testes e adaptação às lições online. Em outubro, deu-se início de fato ao primeiro semestre de 2020, que encerrou em dezembro daquele ano.
Agora, a UFPel está no segundo semestre de 2020, que deve terminar em junho. É um descompasso de um semestre inteiro em relação ao ano civil. De acordo com a pró-reitora de Ensino da universidade, Maria de Fátima Cossio, o atraso se deve justamente à espera nos primeiros meses de pandemia para entender como proceder, somada à implementação de um calendário alternativo.
— Professores, alunos, servidores aprenderam a utilizar os mecanismos online. Compramos equipamentos e fizemos uma série de adequações. Foi justamente esse calendário não obrigatório que gerou, em grande parte, esse descompasso do ano civil com o calendário acadêmico — diz.
Com as aulas em casa, muitas disciplinas que demandam atividades presenciais não estão sendo realizadas. A área da saúde é uma das mais afetadas. Na Odontologia, por exemplo, os alunos precisam ter contato com a boca do paciente — o que pode ser potencialmente perigoso quando as vias aéreas se tornaram a principal forma de contágio pelo vírus causador da crise sanitária.
O desafio da UFPEL é, justamente, dar andamento às disciplinas que exigem que o aluno saia de casa. A retomada das práticas presenciais era esperada para maio, mas o Comitê Covid da universidade entendeu que a curva de contágios ainda não dava segurança. E, ainda que o governo do Estado tenha liberado o retorno à sala de aula em todos os níveis de ensino, a UFPel optou por permanecer em modelo remoto.
— Com certeza, alguns cursos estão tendo um atraso maior, especialmente Odontologia e Medicina Veterinária. Mas há cursos que não tiveram. Direito, por exemplo, vai terminar todo 2020 agora em maio. Estão com o calendário em dia. Então eles não tiveram represamento. Claro que tem impacto no tempo para formação do aluno, não tenho dúvidas, mas optamos por preservar as vidas. Seria uma inconsequência autorizar a retomada presencial nesse momento — diz a pró-reitora.
Claro que tem impacto no tempo para formação do aluno, não tenho dúvidas, mas optamos por preservar as vidas
MARIA DE FÁTIMA COSSIO
Pró-reitora de Ensino da UFPel
Levando em consideração que o primeiro semestre de 2021 acontecerá no segundo semestre (2/2021) deste ano, e o segundo semestre de 2021 em 1/2022, a expectativa é de que o calendário acadêmico da UFPel entre nos eixos apenas em 2023 — isso se a instituição conseguir dar andamento às disciplinas práticas que estão represadas. Para isso, será necessário um regime concentrado de tempo — ou seja, conferir maior carga horária diária para que as atividades práticas aconteçam em poucos meses.
Pró-reitora de Assuntos Estudantis da universidade, Fabiane Tejada entende que os alunos em fim de curso estão, sim, ansiosos para entender quando haverá formatura. Mas existe uma outra preocupação, que é maior: o coronavírus:
— Sempre tem a vontade de concluir logo o curso. Mas temos a compreensão de que a maioria dos estudantes entende que é mais importante preservar vidas do que acelerar um retorno. A gente tem sentido, do nosso grupo de apoio psicológico, que as angústias vêm da pandemia, do medo de pegar covid. Uma angústia mais focada na pandemia e nos seus desdobramentos do que na perda de um semestre.
Na área da administração, a conselheira federal Claudia Stadtlober, vinculada ao Conselho Regional de Administração do Rio Grande do Sul (CRA-RS) , conta que os conselhos regional e federal de administração já discutem desenvolver cursos de capacitação e de imersão que auxiliem os novos profissionais. Ela destaca que muitos chegarão ao mercado sem a experiência, por exemplo, de relacionamento interpessoal.
Para Claudia, o maior prejuízo destes novos profissionais será a falta de desenvolver outras competências que vão além da parte teórica.
— Apesar de área de administração ter uma flexibilidade maior com relação às aulas remotas, existe um desafio de instigar muito o ambiente online para dar conta do que se fazia no presencial, como a comunicação interpessoal e a relação com outras pessoas. Até a defesa da conclusão de curso de forma presencial faz diferença na vida de um aluno que está se formando — finaliza.