Quando a pandemia chegou fechando as escolas, as famílias tiveram de abrir às pressas um espaço na rotina da casa para o estudo dos filhos, transformando algum cômodo em uma espécie de sala de aula para as lições online. Com a figura do professor limitada à tela do computador, a presença dos pais se tornou crucial — em muitos casos, se tornou uma função das mães, principalmente as donas de casa ou que trabalham no lar.
Elas se veem puxando uma cadeira para assistir às aulas junto das crianças, para que não se percam no conteúdo e prestem atenção. Muitas viram o rendimento dos filhos cair e tiveram de se envolver um pouco mais para garantir que sigam aprendendo. É o caso de Clara, cinco anos. Como ela tem dificuldade em se concentrar na tela do computador e acompanhar a fala da professora, a bioquímica Márcia Lopes Segobia, 38, fica ao lado da filha durante toda a videochamada para chamá-la de volta à realidade.
— É muito complicado manter as crianças focadas. A Clara está na aula e, daqui a pouco, ela perde a atenção. Tem que ficar em cima o tempo todo — diz a mãe.
À espera do segundo filho e com Clara em fase de alfabetização, Márcia fica dividida entre o cansaço da gravidez e o medo de que a menina, em mais um ano longe da escola, saia prejudicada. A licença maternidade permitiu que ficasse mais tempo com Clara em casa, no Hípica, zona sul de Porto Alegre, mas ela foi além e passou a ler sobre educação infantil. O comprometimento ficou tão grande que, em alguns momentos, tem a sensação de ter virado professora da filha.
— Na aula presencial, sempre disseram que a Clara participava. Só que, na aula online, ela fica olhando para mim o tempo todo. E isso começa a me irritar, às vezes. Eu não tenho preparo para ser professora — lamenta Márcia.
Frustração compartilhada com a autônoma Camila Estabel, 38, que trabalha na cozinha de casa, no bairro Passo D'Areia, zona norte da Capital, onde faz doces para vender. Na casa dela, o desafio é maior. Matheus, 12, e Rafaela, sete, estão matriculados na mesma escola particular e estudam no mesmo período, pela manhã. O primogênito se adaptou às aulas no computador e pouco precisa da ajuda da mãe, mas a caçula, cheia de energia, se distrai e demanda atenção. Rafaela aprendeu a ler no ano passado à base das lições virtuais, mas foi necessário um empurrãozinho de Camila, que também recorreu às leituras sobre alfabetização infantil para conduzir o processo da filha.
— No ano passado eu descobri que poderia ter sido professora — brinca a mãe. — Se deixasse só pela aula online, acho que não aconteceria. Fiz sem nenhuma qualificação e meio na obrigação.
Como a pandemia empurrou a escola para dentro de casa, é comum que as famílias tenham a impressão de que devem assumir a função de professores dos filhos. Daí vem a confusão entre ensino remoto e ensino domiciliar, ou homeschooling, que é quando os pais se encarregam da educação formal das crianças. Para especialistas, as diferenças são grandes e devem ser demarcadas.
— O ensino remoto preserva o vínculo do aluno com a escola, enquanto no homeschooling a escola é inexistente. No ensino remoto, as famílias estão precisando colaborar para que o processo de aprendizagem aconteça, preparar o filho para as aulas, organizar o ambiente e o tempo, e isso acontecia de outra forma no ensino presencial. Era preparar a mochila, o lanche, o uniforme e o trânsito da criança para a escola. Neste momento, a família intervém no comportamento, organizando a criança para assistir à aula, ligando a câmera, orientando a ficar sentado e não deitado, auxilia quando há dificuldades nos conteúdos — explica a professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Andreia Mendes dos Santos, que leciona na pós-graduação em Educação e em Ciências Sociais e na graduação de Pedagogia.
Também existe a ressalva de que ensino remoto em um Brasil em pandemia é apenas uma saída emergencial enquanto as escolas permanecem fechadas.
— O que está sendo feito e como está sendo feito é marcado por dificuldades. Sem falar que nunca existiu um projeto pedagógico no Brasil que desse conta do ensino remoto. O que precisa ficar claro é que tudo isso está acontecendo na imprevisibilidade e que todos desejamos que tudo passe logo para a retomada das escolas — diz Andreia.
A dona de casa Katiene Solodcoff Reolon, 33, parou de trabalhar antes da pandemia para se dedicar a Isis, seis. Não imaginou que seria tanto. Matriculada em uma escola pública em Gravataí, onde moram, a menina não tem aulas por videochamadas e só recebe tarefas para fazer em casa a cada 15 dias. Com medo de que a filha não conseguisse aprender a ler, a mãe passou a pesquisar conteúdos na internet e comprou uma série de atividades extras.
Katiene dá três horas de aula por dia e está ensinando os fonemas para Isis. Também faz contas de mais e de menos, e fizeram juntas uma maquete do sistema solar para garantir noções de geografia. Fica orgulhosa em ver que conseguiu improvisar o aprendizado da filha, mas também se sente sobrecarregada. Nem pensa em mantê-la em ensino domiciliar.
— Sou mãe 24 horas e professora três horas por dia. Tem que ser esposa ao mesmo tempo, fazer "n" coisas. Quando a escola fechou, falei no grupo de mães do WhatsApp que eu sabia educar, dizer o certo e o errado, mas não sabia alfabetizar ela, ensinar o "a, e, i, o, u", que é a escola que tem que ensinar isso. O que vejo hoje é "Ah, tu quer se ver livre do teu filho, mandar ele para a escola". Sim, eu quero que minha filha vá para a escola, porque lá ela vai aprender o que tem que aprender. Não é em casa - desabafa.
Doutora em Educação e professora associada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Gládis Kaercher reconhece o esforço das famílias para que as crianças sigam aprendendo mesmo distante da sala de aula, mas observa que o processo de escolarização vai além do ato de absorver conteúdo. Falta a socialização com os professores, com as outras crianças. Também entende que, dentro dos lares, a responsabilidade pelas lições costuma pesar mais para as mulheres. Camila, por exemplo, vive uma batalha interna toda vez que Rafaela, durante a aula online, recorre à mãe para conseguir mais explicações.
— Às vezes eu digo: "Rafa, eu não sou tua professora, não posso dizer se está certo ou errado". Tem dias que eu digo: "Não, hoje eu não vou ser a professora". Mas às vezes fico: "Será que não vou prejudicar?". É um dilema, é difícil de acertar — diz a mãe.
Esqueçam comparações e parâmetros. A gente não pode querer desempenho idêntico ao de antes, como se a vida estivesse igual.
GLÁDIS KAERCHER
Doutora em educação e professora associada da UFRGS
A dica é respeitar os limites de cada papel e fazer somente o que lhe couber.
— A gente fala família, mas estamos sendo generosas. São as mulheres que estão responsáveis e estão sendo cobradas e estão exauridas da tarefa. Livrem-se da culpa. Não são professoras, são mães. Há um saber técnico que o professor adquire fazendo faculdade para isso. Pode ter boa vontade, desejo, buscar material, informações, mas é outra coisa. Ensinar em casa uma tarefa para o seu filho, explicar como desenvolver, não é ser professor. No caso das crianças pequenas, em alfabetização, há uma dificuldade absurda, porque a alfabetização não é uma simples decodificação de sistema — diz Gládis.
Para quem sofre com o medo de que a instrução dos filhos tenha sido prejudicada em mais de um ano de pandemia, a recomendação é manter a tranquilidade. Segundo Gládis, cada criança tem seu tempo de aprender, e, quando os contágios forem controlados e houver um retorno seguro às atividades, haverá adaptações nos currículos para recuperar o que foi perdido:
— Se acalmem que a criança tem capacidade infinita de aprendizagem. A criança que está se alfabetizando tem muito a aprender e não está escrito em nenhum livro em que ritmo ela vai aprender. Esqueçam comparações e parâmetros. Quando tivermos condições sanitárias e voltarmos às aulas presenciais, as escolas vão fazer o que a lei manda.