Mais de 5 milhões de brasileiros em idade escolar não tiveram acesso à educação em 2020, em meio à pandemia do coronavírus, revelou o estudo Cenário da Exclusão Escolar no Brasil, elaborado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e Ações Comunitárias (Cenpec) e apresentado na manhã desta quinta-feira (29). O número se torna ainda mais preocupante ao se analisar a faixa etária que mais se distanciou das atividades: dos seis aos 10 anos, período fundamental para alfabetização e criação de vínculos com a instituição de ensino, apontam especialistas.
Na tentativa de minimizar o impacto que esse ano longe das salas de aula pode trazer futuramente, a reabertura segura das escolas é urgente, defendeu Florence Bauer, representante do Unicef no Brasil, durante coletiva de lançamento do estudo:
— A América Latina é o local que tem as escolas fechadas por mais tempo e o Brasil é um dos países com esse período mais longo. Nessa situação, estamos vendo como resultado o aumento da exclusão, além de outros aspectos que o fechamento impacta na vida das crianças, como nutrição, saúde mental, socialização e prevenção da violência. Escola tem que ser a última a fechar e a primeira a abrir. Deve fechar em momentos pontuais e, obviamente, a reabertura deve seguir todos os protocolos sanitários.
Para o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE) Cezar Miola, presidente do Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa (CTE-IRB), independentemente do modelo de ensino adotado, o restabelecimento do vínculo com as escolas é o mais importante e é o que vai garantir a permanência desses alunos no ambiente escolar.
— Precisamos encontrar mecanismos de acolhimento e ações que demonstrem para a família e para o estudante a importância da escola como condição transformadora. É preciso cuidado para que esse retorno se traduza na permanência, que é o grande desafio — avalia.
Depois da reabertura das escolas, disse Florence, o segundo ponto mais importante para reaproximar crianças e adolescentes das atividades é a busca ativa, ferramenta pela qual gestores públicos vão atrás daqueles estudantes que largaram as atividades a fim de restabelecer os vínculos. Segundo ela, sem uma ação direta e enfática, corre-se o risco de que aqueles que já estão desvinculados não retornem mais.
— Estudos mostravam que a família tinha uma relação distante com a escola. Precisamos que isso mude, que se veja nas instituições um ambiente de transformação, de solidariedade. O poder público precisa colocar em prática o que está na Constituição — diz Miola.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Romualdo Portela de Oliveira, do Cenpec, também apontou a necessidade de se reforçar as campanhas de matrículas escolares, destacando que elas podem ser feitas a qualquer época. Além disso, acrescentou, é imprescindível contar com a mobilização das escolas para encarar os problemas recentes a fim de evitar os danos futuros.
— O aumento da defasagem e da reprovação são fenômenos que, a médio prazo, significam exclusão — pontuou o representante do Cenpec.
Acesso e conectividade
Em um país onde ainda há escolas sem banheiro ou água tratada, o problema da falta de equipamento e de acesso à internet não surpreende. Fato é que, mesmo com o retorno gradual às atividades presenciais, uma parcela significativa dos estudos ainda vai ocorrer por meio das tecnologias. Florence afirmou que a crise provocada pela pandemia é uma grande oportunidade para reimaginar e reconstruir a educação:
— Vimos a importância do digital. Sabemos que ele não é suficiente, mas pode complementar. Portanto, é fundamental que iniciativas de acesso sejam apoiadas.
Miola é enfático ao dizer que boas iniciativas não faltam Brasil afora, contudo, elas ainda esbarram em dificuldades financeiras:
— Há muito trabalho qualificado no país e no Rio Grande do Sul. Agora, se de um lado tem muita boa vontade, não raras vezes faltam recursos materiais. Os municípios precisam alocar verbas na educação.
Outro aspecto que gera preocupação é o veto presidencial ao Projeto de Lei (PL) 3477/2020, em março deste ano. O PL objetiva garantir acesso à internet para alunos cujas famílias estejam inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). O veto será apreciado pelo Congresso.
Professores pedem vacinação para retornarem
No Rio Grande do Sul, entidades ligadas à educação, como o Cpers (sindicato que representa os professores estaduais) e a Associação Mães e Pais pela Democracia, entraram na Justiça para tentar impedir o retorno presencial às salas de aula. A petição foi anexada a pedido no mesmo sentido feito pela Federação dos Professores, Trabalhadores Técnicos e Administrativos e Auxiliares Empregados em Estabelecimentos de Ensino (Fetee-Sul).
Os profissionais cobram para que seja implementado um calendário de vacinação para os professores, que, imunizados, poderiam voltar às aulas presenciais com segurança, conforme o Cpers. O governo gaúcho entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) com Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), tendo em vista antecipar a vacinação dos educadores. A Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestou de forma contrária ao pedido do Piratini.