A indefinição do vestibular de 2021 da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), suspenso há mais de um ano em meio à pandemia, promove ansiedade entre jovens, afeta as finanças de cursinhos pré-vestibulares e gera até perda de interesse pela instituição.
A última seleção da UFRGS ocorreu no fim de 2019 para ingresso em 2020. Por conta da suspensão de aulas presenciais, as aulas seguem ainda no segundo semestre de 2020 e devem acabar em maio.
Ainda não há decisão sobre a seleção para 2021: avalia-se usar notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e de vestibulares dos últimos quatro anos para a entrada prevista para agosto e, no semestre seguinte, aplicar uma prova presencial, se a pandemia melhorar – caso contrário, a ideia é usar o Enem deste ano ao lado das notas dos anos anteriores.
Uma reunião na manhã desta sexta-feira (23) do plenário do Conselho Universitário, espécie de Poder Legislativo da universidade, deve trazer finalmente uma decisão, apurou GZH junto à universidade e conselheiros nos últimos dias.
A reclamação de estudantes é que, sem saber como será a seleção, não há como decidir se é preciso focar os estudos na prova da UFRGS ou do Enem. Há também ressalvas de quem estudou apenas para o vestibular e se sente prejudicado porque, a partir de agora, precisará focar no Enem.
A insatisfação é expressa nas redes sociais e até em abaixo-assinado que pede uma resposta da UFRGS sobre o processo seletivo – até esta quinta-feira, havia cerca de 2,8 mil assinaturas.
Outras instituições já resolveram o assunto. A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por exemplo, usou notas do Enem e de vestibulares anteriores para entrada em 2021/1 e já discute aplicar vestibular presencial em setembro para ingresso no início do ano que vem, com questões de resolução mais curta ou menos leituras obrigatórias, para a prova durar menos. A Universidade de Brasília (UnB) decidiu em março usar só notas anteriores do Enem, e a Fuvest, responsável pela seleção para universidades paulistas, fez prova presencial em janeiro.
Na manhã em que GZH publicou reportagem sobre a possibilidade de o vestibular presencial da UFRGS não ocorrer, o choque foi geral nos alunos do grupo de WhatsApp do cursinho de Ellen Fagundes Calil da Silva, 19 anos.
— Acordei e tinha muitas mensagens, fiquei preocupada. Quando vi do que se tratava, ficamos indignados com a UFRGS. "Como assim?", "Alguém nos explica, por favor", "Como isso é possível?", as pessoas escreveram. Ficamos sem chão e sem saber para onde ir — afirma.
Ellen mora em Alvorada e almeja desde 2019 uma vaga no curso de Biomedicina da instituição. Diante da hipótese de não prestar a prova da UFRGS, ela se diz decepcionada ao ver que o planejamento de estudos, estruturado cuidadosamente, pode ter sido em vão.
— Estamos há mais de um ano nos preparando para esse momento. O tempo que usei para estudar as leituras obrigatórias da UFRGS poderia ter sido usado para outra área da literatura ou para me preparar melhor para a redação do Enem, que é muito diferente. Não me importa qual vai ser o tipo de resposta que a UFRGS vai dar, só preciso saber que resposta é essa — pondera a vestibulanda.
No caso de Ana Carolina Molossi, 20 anos e moradora de Porto Alegre, o desejo era estudar bacharelado em História. Como havia apenas uma vaga disponível na UFRGS pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), ela preferiu focar em 2019 e 2020 no vestibular, que ofereceria mais vagas. Mas a insegurança de não saber se e quando haveria prova gaúcha a impeliu a prestar o Enem no fim do ano passado para, ao menos, contar com o Sisu. Com o resultado, foi selecionada para outra universidade e optou por desistir da UFRGS.
— Duas semanas antes do Enem, percebi que ele era a única coisa certa que aconteceria enquanto eu estava me focando na prova da UFRGS, que era incerta. Fiz o Enem e passei para a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Essa indefinição da UFRGS me mandou para o Rio de Janeiro — diz Ana Carolina.
Diretor da Rede Educacional Gabarito, Luiz Henrique Ferrari reclama da falta de informações e diz que o pré-vestibular chega a fazer lives semanais focadas em acalmar os vestibulandos.
— Temos aí 30 mil alunos que fariam o vestibular da UFRGS e aguardam definição para decidir a vida. O Ministério da Educação já divulgou oficialmente que haverá Enem em 2021, provavelmente em meados de novembro, e a UFRGS, nada. Me parece uma falta de consideração às famílias — afirma.
Ferrari ainda relata que a indefinição traz prejuízos econômicos aos cursinhos pré-vestibulares: o atraso na prova estendeu o ano letivo de 2020 das aulas preparatórios e impede novas matrículas.
— Fizemos material extra, porque o material do ano passado já terminou, e obviamente não cobramos nada, porque esses alunos são nossos. Mas muita gente cancelou o pré-vestibular, porque não sabia quando teria a prova. Muitos pré-vestibulares estão passando por condição econômica muito complicada — diz Ferrari.
A sensação de estar em suspenso afeta interessados em cursos que exigem prova específica. Yngrid da Silva Nunes, de 21 anos e moradora da capital gaúcha, pretende trocar a Engenharia Mecânica pela Música na UFRGS e aguarda o calendário de provas. Com o atraso, até se esqueceu das leituras obrigatórias terminadas em julho do ano passado.
— Só com Enem não consigo entrar, preciso fazer a prova prática. Fico extremamente preocupada, triste, ansiosa, procurando notícia sobre isso o tempo todo. Entendo o quão difícil é planejar o vestibular, mas tiveram um ano para pensar alguma coisa. Como quero trocar de curso, parece que não consigo fazer o que eu poderia estar fazendo. É sufocante — diz Yngrid.
O uso da nota do Enem para entrada na UFRGS pode prejudicar alunos gaúchos ao colocar no páreo estudantes de outros Estados, diz Francis Madeira, coordenador pedagógico do pré-vestibular Fleming, voltado para a Medicina.
— Manifesto minha preocupação para um aluno local que se preparou para um vestibular regional, com questões daqui, e que pode concorrer pelo Enem para a UFRGS com pessoas de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O último colocado da USP (Universidade de São Paulo) seria o primeiro colocado da Medicina da UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre). O Rio Grande do Sul tem certo déficit nas notas do Enem comparado ao Sudeste — diz.
Madeira também ressalva que muitos alunos com comorbidades não fizeram o Enem no ano passado por receio, devido às condições de aplicação do exame, e que podem sair prejudicados com o uso exclusivo das notas do exame nacional na pandemia – para ele, a prova da UFRGS tem potencial de ser mais organizada.
Uma decisão é o que aguarda Maria Manoela Ribeiro, 18 anos, que pretende estudar História na UFRGS.
— O mais cedo a UFRGS decidir isso, melhor para permitir que as pessoas consigam se planejar. Assim, quem não tem nenhum vestibular ou Enem para usar poderá se planejar para fazer o próximo Enem. A maior parte das pessoas que vão prestar o vestibular se planeja para um ano. Muitas pessoas largam o trabalho para se dedicar. Mas por quanto tempo essas pessoas conseguem se manter financeiramente até o vestibular? A falta de diálogo gera muito boato e isso deixa as pessoas ainda mais desesperadas — resume a vestibulanda.
Em nota enviada a GZH, a Secretaria de Comunicação da UFRGS afirma que a demora para a definição do vestibular ocorre por conta dos cuidados da instituição em meio à pandemia, uma “preocupação aguçada por todas incertezas e restrições para o convívio que hoje enfrentamos”.
No texto, a universidade diz que, “diante da imprevisibilidade dos tempos em que vivemos, a UFRGS age sempre de forma segura, preservando a saúde de sua comunidade acadêmica, dos candidatos e de seus familiares, bem como de toda a sociedade impactada por suas decisões”.
“A Administração Central da UFRGS sempre antecipou propostas, mas a análise criteriosa por todas as instâncias se faz necessária, de forma a proporcionar-se o melhor serviço público possível”, acrescenta o texto.
Sobre a definição de como será o processo seletivo, foco de análise da reunião do Conselho Universitário nesta sexta-feira (23), a reitoria destacou, em manifestação enviada à comunidade acadêmica nesta quinta-feira (22), a “imprescindível e imperiosa necessidade de definição para que a Prograd (Pró-Reitoria de Graduação) possa elaborar o calendário escolar 2021 e submetê-lo à aprovação do CEPE e, na sequência, aprovar o Calendário Acadêmico 2021 até o final desse semestre letivo, permitindo a previsão e organização que assegurem o início do semestre letivo para o ano de 2021 e a projeção do calendário para os próximos anos”. A universidade também informa que não pode dar início às aulas de estudantes já matriculados sem que os bixos possam, também, acompanhar os estudos.