Cristiane Oliveira da Silva, 46 anos, vê na mudança a chance de recomeço. Demitida em março após 20 anos trabalhando na área bancária, ela diz querer fazer do limão uma limonada: decidiu aproveitar o tempo livre para estudar para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e tirar um sonho do papel.
A moradora do Morro Santana, em Porto Alegre, começou a trabalhar quando ainda estava no Ensino Médio e não conseguiu passar para uma universidade federal. Chegou a iniciar um curso em instituição privada, mas os apertos financeiros a impediram de concluir. Agora, sem conseguir se recolocar no mercado de trabalho, dedica seu isolamento aos estudos para tentar uma vaga no curso de Psicologia em alguma universidade.
— Sempre tive aquela vontade interior, aquele sonho, aquele desejo, aquela vocação para ser psicóloga. Era o que eu sempre quis ser na vida. Acabei, por destino e por necessidade, e até por comodismo, trabalhando na área bancária. Mas eu sempre pensava que um dia eu iria fazer Psicologia. É uma transição. Aproveitei esse momento de ruptura pra poder correr atrás do meu sonho — relata.
Cristiane vive com o marido, que é servidor público e está prestes a se aposentar, e com cinco "filhos" caninos. Assim, se conseguir ingressar em alguma universidade federal ou privada por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), a família vai para onde o sonho a levar — seja Porto Alegre ou outra cidade.
Como se não bastasse a mudança de carreira, Cristiane também optou por uma novidade do Enem este ano: a prova digital, realizada em 31 de janeiro e 7 de fevereiro (apenas a redação será redigida à mão). Além de gostar de inovações, ela diz que prefere usar o computador ao papel:
— Acho que é um público menor que vai fazer a digital, então de repente pode ser que a minha exposição (à doença) seja menor. E eu prefiro fazer em um computador, olhando para a frente, do que com a cabeça baixa, com a coluna cervical quatro horas abaixada fazendo a prova. Tudo isso contou. Mas principalmente porque é uma coisa nova, e eu sempre gosto de experienciar.
O estudo foi feito todo por conta própria, com livros, material e provas antigas reunidos por ela, além de conteúdo disponibilizado na internet — mas sem cursinhos ou professores particulares. Ao longo do ano, Cristiane conta que começou a meditar e a fazer outras atividades para controlar sua ansiedade, causada, segundo ela, menos pelo estudo e mais pelo reflexo da pandemia. Com o problema da ansiedade, passou a estudar de quatro a cinco horas por dia, no turno da noite.
Para o dia da prova, Cristiane se diz tranquila:
— Eu estou em uma outra fase da minha vida, em que estou buscando um recomeço. Se eu não conseguir desta vez, vou tentar de novo, porque a vida segue. Eu talvez não tenha a ansiedade dos jovens que terminam o Ensino Médio, que precisam definir sua vida no curso superior. Eu estou buscando um sonho.