A psicóloga Isabele Terribile, 27 anos, tem vivido neste ano um importante desafio em sua trajetória na área de recursos humanos. Com a chegada da pandemia e a obrigação do home office para boa parte dos funcionários da Zenvia, onde trabalha como analista de gestão de pessoas há mais de um ano, a preocupação em manter os colaboradores felizes e engajados ganhou nova dimensão. Foi preciso achar formas de aliviar a ansiedade e fazer os colaboradores se sentirem ainda mais unidos.
— Já tínhamos em nossa cultura estimular valores como equilíbrio, ser você mesmo e divertir-se no trabalho. Mas o isolamento fez com que nos conectássemos mais com essas temáticas — explica Isabele.
A liderança da empresa de tecnologia organizou agendas para que os funcionários se reunissem virtualmente para falar sobre suas angústias e dificuldades diante da ameaça do vírus. Percebeu-se que o hábito ajudou as equipes a se unirem e exercitarem a empatia, melhorando a qualidade do trabalho. Também foram oferecidas aulas online de ioga pelo menos duas vezes por semana, para ajudar o pessoal a manter o equilíbrio e o bem-estar.
— Há uma série de vantagens nesses tipos de medidas para a saúde mental dos funcionários e para a produtividade das empresas — defende.
A pandemia acelerou um movimento que começava a ser esboçado nas empresas brasileiras, inspirado no que vem ocorrendo em algumas companhias da Europa. Um perfil de líder mais preocupado com o bem-estar das equipes e o estado anímico de cada empregado tem ganhado força nas organizações.
É um conceito de liderança que consegue elevar a produtividade dos times por fazê-los trabalharem mais satisfeitos, e não por forçar a mão na pressão ou no controle. Em algumas empresas, a função ou o cargo tem até nome: Chief Happiness Officer (CHO), ou simplesmente chefes da felicidade.
— O Brasil tem o segundo maior nível de burnout (estresse por excesso de trabalho) do mundo, e o home office se tornou ao mesmo tempo o sonho e o pesadelo dos funcionários, em razão de toda a carga de cobranças. É um contexto que pode derrubar a produtividade se a liderança não se reinventar — explica Renata Rivetti, diretora da Reconnect, consultoria especializada em felicidade corporativa que no próximo dia 30 iniciará um curso com certificação de chefes da felicidade em Porto Alegre.
Entre os exemplos europes, a química Basf criou recentemente o cargo de analista de bem-estar. A varejista Magazine Luiza contratou um especialista em experiência do funcionário. Em comum, a preocupação é levantar a régua no clima organizacional, atrair e reter os melhores talentos e gerar um ambiente mais prazeroso para a realização das tarefas.
— O funcionário carrega a marca da empresa, ele é a primeira pessoa a falar bem ou mal do negócio. Os gestores de recursos humanos estão entendendo que precisam tratar bem esse colaborador — explica Crismeri Corrêa, diretora da seção gaúcha da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-RS).
É uma necessidade que ficou mais clara nos tempos atuais, em que a imagem corporativa está exposta em redes sociais. E há outras vantagens, como despertar a criatividade sem medo de errar, a inovação e a proatividade. Uma pesquisa da Reconnect mostra que as empresas com chefes da felicidade conseguem ampliar em 300% as sugestões para inovação, em 180% os índices de menções positivas entre funcionários e em 37% o desempenho das equipes de vendas.
Por essas razões, a busca pelo bem-estar é a linha de trabalho de Simone Lisboa, superintendente de RH do Banco DLL, que foi escolhido como o melhor de seu setor para se trabalhar, conforme a última edição da pesquisa Great Place to Work (GPTW). Ela explica que a preocupação em semear a felicidade precisa estar gravada na cultura organizacional para que as chefias tenham efetivamente liberdade para entregar o “salário emocional” aos colaboradores.
— Se houver interesse genuíno por gerar esse bem-estar, o ambiente de trabalho pode ser mais prazeroso não apenas em empresas mais dinâmicas, como as dos setores de tecnologia e financeiro, mas também em indústrias e organizações tradicionais — avalia.
Os seis mandamentos dos chefes da felicidade
Dê autonomia à equipe
Os bons líderes são capazes de dar mais liberdade para que os funcionários equilibrem suas tarefas profissionais com a vida pessoal. Ou seja, há menos apego ao horário a ser cumprido e menor controle sobre as pequenas funções do dia a dia: o que vale é a qualidade das entregas.
Ofereça atividades que não tenham relação direta com o trabalho
Chefes que se preocupam com o bem-estar dos funcionários costumam oferecer atividades que ajudem a reduzir a angústia e a pressão do trabalho – em particular durante a pandemia. Aulas de ioga, sessão com psicólogos e rodas de conversa com os outros funcionários para falarem como se sentem são algumas das iniciativas.
Ofereça suporte emocional
As lideranças se preocupam com o estado anímico e emocional das equipes, tentando envolver cada um dos componentes em atividades que os motivem e os ajudem a traçar um plano de carreira dentro da empresa. Ou seja, o chefe não está lá apenas para cobrar produtividade, mas para tornar a jornada mais prazerosa.
Aceite as pessoas como elas são
A chegada definitiva do teletrabalho para boa parte das pessoas derrubou a preocupação em manter uma “imagem profissional”. As pessoas trabalham em casa com os filhos ao redor, muitas vezes com suas roupas mais confortáveis. O bom líder precisa baixar a guarda para as formalidades que valorizava antes.
Dê segurança aos funcionários
Ter previsibilidade é fundamental para manter o entusiasmo da equipe, em particular em tempos de mudanças. As chefias que se destacam por um bom clima de trabalho utilizam sistemas de avaliação bem estabelecidos e reconhecidos como justos pelos funcionários, e evitam ao máximo fazer demissões, ao menos que não haja outro caminho para reduzir custos.
Ofereça uma remuneração adequada
Há uma crença entre os líderes preocupados em manter um bom ambiente de trabalho em oferecer benefícios e bônus por produtividade que possam fazer a diferença para os colaboradores. Muitos oferecem cursos, atividades de lazer ou bônus em dinheiro aos colaboradores para fazê-los ter uma vida pessoal mais confortável.