Parlamentares e especialistas reagiram na quinta-feira (24) à entrevista do ministro da Educação, Milton Ribeiro, na qual ele exime a pasta de responsabilidades sobre a volta às aulas no país e atribui a homossexualidade de jovens a "famílias desajustadas". As declarações repercutiram mal até mesmo dentro do Palácio do Planalto.
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) pretende ir ao Supremo Tribunal Federal para que o ministro seja investigado por homofobia. E o deputado David Miranda (PSOL-RJ) deve acionar o Ministério Público Federal (MPF) pelas mesmas razões.
"É requisito nesse governo de 'desajustados' ser um criminoso homofóbico!", postou Miranda em seu Twitter.
Na entrevista, o ministro afirmou que deve revisitar o currículo do ensino básico e promover mudanças em relação à educação sexual. Segundo ele, a disciplina é usada muitas vezes para incentivar discussões de gênero.
— E não é normal. A opção que você tem, como adulto, de ser um homossexual eu respeito, mas não concordo — afirmou ele, acrescentando ainda que tem "certas reservas" quanto à presença de professores transgêneros nas salas de aula.
Presidente da Comissão de Educação da Câmara em 2019, o deputado Pedro Cunha Lima (PSDB-PB) disse que as declarações mostram "preconceito inconcebível".
— Mentalidade atrasada e triste de se ver em uma posição tão relevante. Um problema do Brasil na educação, necessariamente, é um problema do MEC também — acrescentou.
Lima também ressalta que o MEC deve atuar em cooperação com Estados e municípios para encontrar soluções sobre a pandemia.
Para o coordenador da comissão externa da Câmara que acompanha o MEC, Felipe Rigoni (PSB-ES), a pasta tem responsabilidade de orientar o retorno às aulas e viabilizar o acesso à internet para atividades remotas, ainda que caiba a gestores locais decidir calendário.
— A função do MEC é coordenar esforços. A educação acontece no Estado e no município, mas ele é o grande maestro — enfatizou.
Rigoni avalia que o ministro, na entrevista, manteve o tom já observado no ministério de usar "alguma coisa ideológica, sem evidência" como "cortina de fumaça" para esconder falhas em execuções de políticas públicas:
— É irrelevante se o aluno ou professor é homossexual. O MEC não tem de se meter nisso.
Presidente-executiva do Todos Pela Educação, Priscila Cruz afirma que Ribeiro erra "no campo jurídico e ético" ao retirar do MEC responsabilidades sobre organizar o retorno das aulas presenciais:
— Não dá para dizer que não é problema dele. A coordenação nacional é ainda mais importante num ano pandêmico. Mesmo que não estivesse tão claro na legislação, onde está a preocupação que a gente espera das lideranças públicas?
Priscilla também aponta "desvio grave de função" quando o ministro usa o cargo para defender pontos de vista pessoais. Para ela, esse tipo de manifestação pode estimular a cultura da intolerância:
— Autoriza o aluno a questionar se quer ter professor transgênero ou não, como se não fosse algo legítimo.
Vitor de Angelo, vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e chefe da pasta no Espírito Santo, afirma que o MEC pode ampliar o protagonismo na crise, "assumindo papel importante no enfrentamento das desigualdades sociais". Para ele, o ministro "desvia o foco" ao falar da orientação sexual de alunos e professores.
Para a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), falta "responsabilidade" a Ribeiro, que carece de "gana" para lutar pelo orçamento da pasta e de "empatia" ao "propagar preconceito à comunidade LGBTQIA+".
Planalto
Dentro do governo, a avaliação é de que Milton Ribeiro se sentiu pressionado pelas cobranças nas redes após encontro com os deputados da oposição Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES) e tentou fazer um aceno à base mais radical de apoio ao presidente Jair Bolsonaro. A base bolsonarista também se incomodou com a visita do ministro à Fundação Lemann, que incentiva projetos na educação pública.
De acordo com um auxiliar do Planalto, o presidente avaliou que Ribeiro tem sido "ingênuo" e pediu para dar mais atenção às questões políticas.