A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que torna permanente o Fundeb, fundo que financia a Educação Básica no país, o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação e temas mais urgentes e pontuais, como a organização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no contexto da pandemia de coronavírus, estão entre os itens apontados por especialistas como desafios do novo ministro da Educação (MEC), Milton Ribeiro.
O foco em execução de políticas de educação também é citado, após a gestão de Abraham Weintraub ter sido marcada por polêmicas e pela “guerra cultural”.
Anunciado na sexta-feira (10) pelo presidente Jair Bolsonaro, Ribeiro, que é pastor da Igreja Presbiteriana de Santos, assumirá no lugar de Carlos Decotelli, que caiu antes mesmo de tomar posse devido a inconsistências no seu currículo.
Fundeb
Um dos primeiros pontos da pauta de Ribeiro será o Fundeb. O novo ministro assume no momento em que as discussões estão avançadas: a deputada federal Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), relatora da proposta no Congresso, divulgou a última versão do texto da PEC nesta sexta-feira (11), e a votação está prevista para ocorrer nos próximos dias, dependendo de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pautar o tema.
— O mais relevante para o novo ministro é não atrapalhar a educação. A fala é enfática, mas é disso que se trata. Nesta sexta, ocorreu uma reunião entre parlamentares e entidades dedicadas à educação e foi fechado um acordo em favor do texto do Fundeb apresentado pela relatora. O líder do governo (Major Vitor Hugo) estava presente e disse que o Executivo não irá se opor. Tendo isso como referência, não pode o Milton Ribeiro entrar nesse debate agora. É importante que ele não atrapalhe — avalia Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
A aprovação da PEC do Fundeb é considerada importante e urgente porque o programa, responsável por mais de 60% do financiamento do ensino básico no Brasil, tem validade somente até o final do ano. Caso a vigência do programa expire, poderá haver uma paralisação na distribuição dos recursos do Fundeb, criado em 2006. Somente em 2019, o fundo repassou a Estados e municípios cerca de R$ 165 bilhões para custear a Educação Infantil e os ensinos Fundamental e Médio.
Plano Nacional de Educação
Cara também aponta o Plano Nacional de Educação, que se estende até 2024 e estabelece metas e diretrizes a diferentes níveis da educação nacional.
— O ministro deve construir e executar esforços em torno disso. O governo Bolsonaro não está executando 85% do plano. Deveriam ser universalizadas matrículas para crianças e adolescentes de quatro a 17 anos, mas estamos longe. A garantia de matrículas em creches também está longe. Os desafios são grandes. Acredito que o ministro deve focar mais nos desafios da educação e menos na guerra cultural olavista — diz o docente da USP.
Professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-diretora de educação do Banco Mundial, Cláudia Costin pontua uma série de desafios atrelados aos efeitos da pandemia de coronavírus, que paralisou atividades presenciais em todo o país. Após a saída de Weintraub do MEC, as provas do Enem, exame de acesso ao Ensino Superior, foram remarcadas para janeiro e fevereiro de 2021. Mas ainda há muitas tarefas em aberto, avalia Cláudia.
— Ele (Ribeiro) terá de coordenar a política educacional em momento bastante delicado. Depois de o MEC não ter feito nada para coordenar uma resposta educacional à covid-19, precisamos preparar o retorno às aulas presenciais na Educação Básica e organizar o EAD (ensino a distância) para as universidades federais. Vai precisar de diálogo com o Ministério da Saúde para estabelecer protocolos sanitários a serem adotados nas escolas, além de protocolos pedagógicos e sistemas de recuperação de aprendizagem — avalia Claudia.
Enem
Sobre o próximo Enem, ela recorda que a edição anterior, sob condução de Weintraub, foi “atabalhoada, com muitos erros e pouco cuidado”.
— Aparentemente, o novo ministro vem com o intuito de pensar políticas públicas, e não de prosseguir com a guerra ideológica dos dois ministros anteriores (além de Weintraub, Ricardo Vélez Rodríguez). Isso é muito bem-vindo — diz a professora.
Claudio de Moura Castro, PhD em economia e pesquisador em educação, avalia que Ribeiro vai encontrar um MEC “totalmente desarrumado” e terá de lidar com tensões entre grupos políticos, incluindo quadros que atuam na estrutura pública desde os governos Fernando Henrique, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
— Depois do Mendonça (Mendonça Filho, ministro da Educação no governo de Michel Temer), o MEC está sem gestão. Tem um grande conflito ideológico plantado lá dentro que se reflete em ideias diferentes sobre gestão. O primeiro objetivo dele, a primeira dificuldade, vai ser conseguir trabalhar. Ele terá de juntar isso de alguma forma. É um trabalho e tanto — diz Castro.
Ele afirma que, em médio prazo, é preciso rever a base curricular. Um dos objetivos, diz o economista, deveria ser a incorporação da formação técnica ao Ensino Médio. O intuito seria moldar o jovem ao mercado de trabalho, em vez de adotar uma educação mais abrangente, medida que o próprio Castro reconhece enfrentar resistências.
— Tivemos alguns avanços na gestão do Mendonça, mas longe de chegar onde gostaríamos. A incorporação do técnico é um grande desafio. Nesse nosso Ensino Médio horroroso, você não enfrenta a realidade do mercado, é uma coisa muito geral, abstrata demais — avalia.
A professora Claudia, da FGV, considera que a adoção da base curricular comum para o Ensino Médio é tarefa importante de Ribeiro à frente do MEC.
— O novo Ensino Médio, com cinco itinerários formativos diferentes, inclusive o Ensino Técnico, é outro desafio — avalia.
Autonomia de universidades
Castro considera ser necessária a discussão sobre a autonomia das universidades públicas e institutos federais. Weintraub foi criticado e acusado de promover interferência nos campi por meio de medida provisória que autorizava o ministro a escolher reitores temporários para as instituições em que os mandatos chegassem ao fim durante a pandemia de coronavírus. A medida perdeu validade porque o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM- AP), devolveu o texto da MP ao presidente Bolsonaro sob alegação de inconstitucionalidade.
— A governabilidade das universidades públicas é um pepino. Quem garante que, com a autonomia, vão fazer o que a sociedade quer que seja feito? É um dilema. A autonomia universitária foi criada para evitar intromissão política, mas acabou criando um monstro — diz Castro.
Esse é outro tema delicado, que encontra forte resistências.
— A autonomia é princípio constitucional, está no artigo 207 da Constituição — rebate Cara, da USP.