O constrangimento ao qual se submeteu Carlos Alberto Decotelli, nomeado e desnomeado cinco dias depois para o Ministério da Educação em razão de inconsistência em sua formação, lança luz para os riscos de usar informações frágeis na apresentação profissional. Após o currículo lattes ser contestado por instituições de ensino, Decolelli precisou renunciar antes de ser formalizado na função.
Profissionais de Recursos Humanos afirmam que incoerências no currículo podem custar um cargo em ambientes corporativos ou arranhar uma relação de confiança — mas estão longe de serem raridades.
— Quando acontecem, as informações frágeis costumam estar no resumo inicial do currículo ou na descrição das tarefas anteriores, que ganham um floreio a mais — afirma Crismeri Corrêa, presidente da seção gaúcha da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-RS).
Quando se deparam com informações inverídicas, recrutadores tendem a eliminar imediatamente o candidato da disputa. A lógica é que se o primeiro contato já foi enganoso, outras inconsistências surgirão. Por outro lado, inverdades sobre a formação escolar e superior são mais raras, pois o candidato sabe que o recrutador solicitará certificados de conclusão.
— Nem sempre a informação inconsistente é fruto de má-fé. Muitas vezes, as pessoas não sabem como descrever suas atividades e acabam sobrevalorizando algum ponto. No intuito de se vender, dão um tom que não é verdadeiro — pondera Crismeri.
Esse tipo de informação que não inventa, mas aumenta, costuma ser visto nas descrições de conhecimentos técnicos e de idiomas, acrescenta Glória Tassinari Yacoub, especialista em recrutamento e mercado de trabalho. São os casos em que uma pessoa tem uma vaga noção do uso de um software mas se apresenta como especialista, ou entende superficialmente o inglês mas se diz fluente.
— Isso pode pegar muito mal para o candidato, pois se a empresa exige uma determinada qualificação é porque esta será cobrada dele no trabalho — afirma.
Os recrutadores são treinados para identificarem esses tipos de incoerências. Ao longo da entrevista, se desconfiarem que algum conhecimento ou tarefa foi acrescentada indevidamente ao currículo, procuram explorar mais essas pretensas habilidades durante a conversa, levando o candidato a demonstrar desconforto ou cair em contradição.
— Os profissionais de recrutamento conhecem a realidade do mercado e sabem quando alguma informação no currículo não para em pé. Então o melhor que o candidato pode fazer é ser preciso na sua apresentação — diz Glória.
Evite que o currículo deponha contra você
- Saiba como expressar adequadamente os cargos que ocupou e as tarefas que exerceu.
Descrever que foi líder de equipe, gestor, coordenador ou cargos assemelhados precisa estar amparado em experiências reais e reconhecidas pelo empregador anterior, e não em uma percepção individual do próprio trabalho - Evite termos genéricos para caracterizar sua formação. Se for pós-graduado, seja claro sobre qual tipo de curso fez, se concluiu e em qual instituição de ensino. Da mesma forma, seja específico sobre a situação de cursos não finalizados, mencionando se foram trancados, suspensos, cancelados, adiados ou se faltou entregar o trabalho de conclusão
- Ao preencher os conhecimentos técnicos, inclua apenas aqueles que você pode demonstrar sapiência. Ter vaga noção do que se trata um tipo de ferramenta profissional ou software não torna você um especialista — e ainda pode deixá-lo em situação embaraçosa em uma entrevista de emprego.
- Seja honesto ao descrever o conhecimento de idiomas. Esse é um ponto em que muitos candidatos são imprecisos e colocam a perder uma vaga. É preciso muito estudo e experiência para ser fluente em inglês, e apenas compreender superficialmente o espanhol não quer dizer que você está em nível avançado
- Seja específico ao descrever as tarefas exercidas em empregos anteriores. Sobrevalorizá-las ou apresentá-las de maneira ampla demais pode dar uma ideia de que você realizou mais trabalho do que a realidade. E, na entrevista de emprego, os recrutadores poderão questioná-lo mais a fundo e você não conseguirá responder
Fonte: economista Glória Tassinari Yacoub, especialista em recrutamento e mercado de trabalho, e Crismeri Corrêa, presidente da seção gaúcha da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-RS).