A rede pública estadual do Rio Grande do Sul alcançou a maior média do país nas provas objetivas e na redação no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) de 2019, indica análise da startup de educação Evolucional feita a pedido de GaúchaZH, com base em dados do Ministério da Educação (MEC).
O Enem é composto de quatro provas objetivas (linguagens, ciências humanas, ciências da natureza e matemática) mais redação, cujas notas variam de zero a mil. A média das avaliações permite que estudantes tentem vaga no Ensino Superior.
Conforme o cálculo, escolas públicas estaduais gaúchas alcançaram, dentre 27 unidades federativas, o primeiro lugar no ranking tanto na prova objetiva quanto na redação. Segundo a Secretaria Estadual da Educação (Seduc), a rede estadual ficara, em 2018, em quarto lugar na prova objetiva e em quinto na redação.
Em 2019, o Rio Grande do Sul ficou à frente, mas por pouco: dois pontos separam o Rio Grande do Sul de São Paulo na prova objetiva, e a distância em relação ao Distrito Federal na redação é de oito pontos (veja o gráfico).
Na média de notas de escolas privadas, o Rio Grande do Sul cai para o 5º lugar na prova objetiva e para 17º na redação — Minas Gerais lidera em ambos.
Vinícius Freaza, diretor de inovação pedagógica da Evolucional, afirma que a empresa aplicou a mesma metodologia usada até 2016 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
O órgão, ligado ao MEC, divulgava o ranking das escolas, mas parou de fazê-lo sob a justificativa de que os resultados eram aproveitados para escolas fazerem publicidade. O levantamento, em suma, calcula as médias com base nas notas de cada aluno.
Analistas ressaltam que o resultado no Enem não deve ser tomado como atestado de que a educação pública gaúcha seja de qualidade. Apontam que milhares de jovens pobres não prestam a prova — portanto, o desempenho na avaliação é dos mais privilegiados dentre aqueles que estudam em escolas gratuitas.
De fato, dados da Seduc mostram que 61,5 mil gaúchos estavam matriculados no 3º ano do Ensino Médio em 2019. Contudo, 30 mil jovens realizaram o Enem, independentemente do ano em que estavam matriculados, segundo os dados do Inep levantados pela Evolucional.
Professor de políticas públicas educacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Juca Gil sublinha que o Inep deixou de divulgar os rankings porque levariam a compreensões equivocadas sobre desempenho — e diz que afirmar que a rede pública gaúcha é a melhor do país é uma das interpretações erradas.
— As melhores estatísticas têm margem de erro entre 2% e 3%. Em uma escala do Enem que vai zero a mil, isso representa até 30 pontos. Ou seja, quase todos os Estados brasileiros, do ponto de vista estatístico, estão empatados. Essa diferença colocaria o Rio Grande do Sul na metade do ranking. O que foi feito no Ensino Médio do Rio Grande do Sul nos últimos anos para melhorar a qualidade? Não teve nenhuma grande política — diz.
Gil acrescenta que estudos mostram que altas notas em provas estão sobretudo à riqueza da família, à escolaridade dos pais e se a instituição é pública ou privada. Reportagem de GaúchaZH no ano passado já apontava que 90% da nota de um aluno no Enem é influenciada por fatores econômicos e culturais – quanto mais os pais estudaram, mais longe o filho vai nos estudos.
Bom desempenho contrasta com alta repetência e Ideb precário
Outro especialista em políticas públicas de educação, o professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) Gregório Grisa destaca que o primeiro lugar na média do Enem contrasta com outros indicadores que apontam desempenho ruim da rede de ensino gaúcha.
O Estado está na 15ª posição no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2017, um amplo indicador que leva em conta o desempenho dos alunos em uma prova chamada Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) e o nível de aprovações, repetência e abandono dos jovens.
Outros indicadores também mostram uma dura realidade gaúcha: o Estado tem a pior taxa de repetência do país no Ensino Médio: 20,1%, quase o dobro da média nacional, segundo dados do Inep analisados pelo Movimento Todos pela Educação. Outros 7,4% abandonam os estudos, também acima da média nacional.
— Não são todos os alunos da rede estadual que realizam o Enem, por conta da pobreza da família — salienta Grisa.
Por outro lado, o professor afirma que a aprendizagem nas escolas gaúchas é acima da média nacional, o que pode ajudar a explicar o melhor desempenho. No terceirão, 36,5% dos estudantes aprenderam o adequado em português, acima da média nacional de 29,1%. Em matemática, o cenário é arrasador: 12,1% dos formandos sabem o que deveriam — ainda assim, acima da média nacional de 9,1%.
— Essas diferenças podem parecer pouco na estatística, mas são significativas quando se pensa em volume bruto de alunos. Enquanto há grande abandono, tem dimensão de aprendizagem boa. Mas é mais mérito dos professores do Ensino Médio e do Fundamental, aliado ao componente de estarmos em um Estado de renda-média acima dos demais — afirma Grisa.
Em entrevista a GaúchaZH, o secretário estadual da Educação, Faisal Karam, credita o bom desempenho ao esforço de professores e cita medidas internas que organizaram a forma de trabalho do governo como peças-chave.
Dentre as ações, ele destaca encontros de servidores com coordenadores regionais de educação para ouvir demandas e a criação, em junho de 2019, de um grupo que analisa estatísticas de notas e presença de alunos — o objetivo é identificar escolas com baixo desempenho e interferir quando necessário.
— É um somatório de ações que passa pela reestruturação da rede, a limpeza da base de dados e o professor motivado. A cada três meses, recebemos as notas e acompanhamos a evolução dos 800 mil alunos da rede para identificar as escolas em dificuldade, com menor índice de aprendizagem, e as dificuldades do aluno. Corrigimos fluxos, vemos se falta professor, se falta aluno e fazemos as correções. Também unificamos as avaliações em uma só, de zero a 10. Antes, havia 320 avaliações diferentes — diz o secretário.
Questionado sobre quando o governo vai implementar o novo currículo do Ensino Médio, baseado na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), previsto para o fim do ano passado, o que poderia trazer resultados ao aprendizado de alunos, Karam afirmou que a pandemia atrasou o andamento dos trabalhos, mas que o documento está quase pronto.
— Está em fase final, mas tivemos a pandemia. Começamos a fazer a adaptação a esse sistema híbrido (aulas a distância), já que toda a formatação da BNCC era com base presencial. O sistema não presencial veio para ficar e vai fazer parte da vida do aluno daqui para a frente — diz o secretário.
Helenir Aguiar Schürer, presidente do Cpers, afirma que o governo Eduardo Leite não tem nenhum mérito na conquista e que a categoria vive um “desgaste total”.
— Essa conquista é única e exclusivamente advinda da responsabilidade e do comprometimento dos alunos e dos professores com os alunos. Não temos nenhum tipo de acompanhamento da Seduc. Professores vêm sendo massacrados com seis anos sem reajuste e 55 meses de salários atrasados. Apesar das adversidade, o compromisso dos professores com a educação se reflete nas notas do Enem — diz Helenir.