Anunciado com pompa pelo Ministério da Educação (MEC) em meados de 2019, o projeto do Future-se, de incentivo ao financiamento privado em universidades federais, chegou desidratado nesta semana ao Congresso, mas mantém pontos considerados como ataques à autonomia das instituições.
Foi retirada do texto uma das principais apostas, que era a criação de fundos de investimentos para irrigar os caixas das instituições com recursos extras. Por outro lado, o texto final não deixa claro se os orçamentos atuais das universidades estão garantidos independentemente da adesão ao programa, como constava anteriormente.
O Future-se foi uma das bandeiras centrais da gestão do ministro da Educação, Abraham Weintraub, em 2019. A proposta surgiu em paralelo a ataques sistemáticos de Weintraub às federais, associadas por ele ao dispêndio de recursos públicos, uso de drogas e dominação da esquerda.
A retirada da previsão de criar novos fundos ocorreu porque Weintraub perdeu queda de braço com a equipe de Paulo Guedes (Economia), contrária a esse ponto. Originalmente, a principal contrapartida para a adesão das universidades era ter acesso aos recursos dos fundos, que seriam criados a partir do programa.
Já a versão atual diz que o MEC poderá ofertar recursos adicionais às instituições caso metas sejam alcançadas. A proposta enviada ao Congresso só cita que fundos patrimoniais, também conhecidos como endowments ou fundos filantrópicos, podem apoiar as ações do programa, "sem prejuízo da existência de outros fundos patrimoniais específicos para universidades e institutos federais."
O MEC foi questionado pela reportagem sobre o teor das alterações e a previsão de recursos mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Desde o primeiro momento o Future-se não foi bem recebido pela maioria das universidades, não consultadas antes da formulação inicial. Mas a oposição dentro da Economia foi o principal motivo para uma demora de quase um ano para o envio do projeto ao Congresso.
O programa é organizado em três eixos: pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação; empreendedorismo e internacionalização. Ficam de fora, portanto, outras dimensões da universidade, como ensino e extensão.
A operacionalização se daria por meio de contratos de resultados, a partir dos quais seriam estipulados metas e a atuação de fundações de apoio. Esse arranjo é que permitirá, por exemplo, o "fornecimento e comercialização de insumos, produtos e serviços, relacionados às universidades ou aos institutos federais participantes".
As instituições federais poderão ainda, segundo o projeto, celebrar contratos de concessão de direito de nomear (naming rights) prédios para a exploração econômica de nome ou marca. As instituições públicas têm a tradição de só homenagear pessoas relevantes pela sua dedicação acadêmica.
Também foi suprimida a possibilidade de parcerias com organizações sociais, outro ponto que era central no projeto original. Agora, essas parcerias deverão ser feitas com as fundações de apoio às universidades, por meio das quais se espera que haja contratação de serviços, execução de obras e aquisição de materiais e equipamentos. As fundações têm maior flexibilidade de atuação com relação à legislação de licitações que compreende os órgãos públicos.
Para João Carlos Salles, presidente da Andifes (entidade de representação dos reitores das universidades federais), o projeto, mesmo desidratado, mantém o espírito prejudicial para o sistema universitário.
— Pontos sensíveis foram retirados, mas o texto conserva vícios essenciais, manifesta o descompromisso do Estado com o financiamento da educação superior e apresenta uma visão unilateral da vida universitária porque escolhe uma das dimensões da universidade — diz Salles, que é reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Além de ressaltar a indissociabilidade da missão das universidades nas dimensões de ensino, pesquisa e extensão, Salles diz que o projeto interfere na autonomia garantida na Constituição de outras duas formas: ao prever assinatura de contratos de gestão com fundações e ao determinar a inclusão de conteúdos.
O texto diz que as matrizes curriculares devem prever conteúdos de propriedade intelectual.
O presidente da Andifes afirma ainda que a entidade vai acompanhar a discussão no Congresso, mas considera inoportuno o envio da matéria em meio à pandemia de coronavírus.
O PSOL já encaminhou à presidência da Câmara pedido para que o projeto seja devolvido. O partido reforça argumento sobre o despropósito do envio na pandemia e insiste que o texto é inconstitucional, "na medida em que cuida de interferir na gestão de contratos e mesmo na orientação didático científica" das instituições.
"As parcerias entre as universidades públicas e o setor privado, que já ocorrem, podem ser mantidas e mesmo ampliadas no marco da legislação vigente, o que dispensa a inovação ora proposta", diz ofício, assinado pelos deputados da legenda.
A proposta ainda cita que as instituições devem incentivar a criação de sturtups e promover a cultura de estímulo à pesquisa tecnológica, inovação, empreendedorismo e à proteção à propriedade intelectual. O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) também assina o texto.
Recentemente, esta pasta excluiu as ciências humanas das prioridades dos mecanismos de financiamento para, por outro lado, dar maior foco em tecnologias.
O texto autoriza o MEC a instituir um sistema nacional de acreditação acadêmica, o que esvaziaria o modelo de avaliação e regulação do Ensino Superior. Também estão previstas como contrapartidas à adesão e cumprimento de metas a concessão preferencial de bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o que contraria regras recentes sobre o tema.