Universidades e institutos federais de todo o país têm suspendido a chamada de professores aprovados em concursos e, em dois casos, até o pagamento a professores de gratificações previstas em lei após ofício com orientação inédita sobre a execução orçamentária expedido pelo Ministério da Educação (MEC).
Dirigentes de universidades ouvidos pela reportagem dizem considerar a postura do governo Jair Bolsonaro um grave ataque às instituições, que pode estrangular suas atividades. Diante da situação, eles procuraram nesta segunda-feira (17) o Tribunal de Contas da União (TCU) para se informar sobre como proceder.
O ofício que colocou as instituições sob indefinição data de 4 de fevereiro. Ele cita que a dotação do MEC para 2020 caiu de R$ 74,6 bilhões para R$ 71,9 bilhões na tramitação do Orçamento no Congresso e diz que as unidades vinculadas ao ministério — como as universidades e institutos federais — não devem contrair despesas que aumentem o gasto com pessoal se o montante não estiver devidamente autorizado.
O documento pegou os reitores desprevenidos, pois contraria a prática corrente das instituições.
Tradicionalmente, o Orçamento para pagamento da folha de pessoal é aprovado com déficit no Congresso, e sempre é preciso suplementá-lo ao longo do ano. Isso não impede, no entanto, que as universidades continuem a fazer os pagamentos previstos em casos de progressão de carreira, nascimento de filhos de servidores etc.
Ao relacionar as despesas de pessoal ao status atual do Orçamento, o ofício do MEC criou um impasse nas instituições. Parte delas entendeu o documento como a formalização de uma ameaça de que os reitores podem responder legalmente se não obedecerem à determinação da pasta comandada por Abraham Weintraub.
Ao menos duas decidiram tomar medidas drásticas em relação à folha de pessoal, cortando novas despesas que não integrem o salário base. São elas a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP).
Entre os pagamentos suspensos por ambas, estão adicional por titulação, auxílio pré-escolar, solicitações de ressarcimento à saúde e promoções de qualquer natureza.
A medida vale para benefícios a que os servidores tiverem direito a partir de fevereiro — por exemplo, o professor que completar um doutorado ou tiver um filho a partir de agora não irá receber as gratificações correspondentes.
A UTFPR afirma em nota que "classifica como de extrema gravidade a situação, uma vez que sua gestão é posta entre cometer uma das duas ilegalidades: o não pagamento dos direitos legais dos seus servidores, que pode ser revestido por suplementação orçamentária ou por decisão judicial, ou o cometimento de crime de responsabilidade fiscal e improbidade administrativa, que poderia acarretar a penalização dos agentes públicos da instituição".
A universidade afirma que continuará a publicar nos canais oficiais as portarias de progressão funcional, mas não fará os pagamentos correspondentes.
Repercussão
Outras instituições ainda estudam o que fazer diante do ofício do MEC.
A Andifes, que representa os reitores das universidades, teve uma reunião nesta segunda-feira (17) com o presidente do TCU, José Mucio Monteiro, para buscar uma solução.
"A complexidade e o caráter inusitado da situação foi posição unânime. Não há inovação legal; porém, existe alerta do MEC sobre decisões que, anos a fio e até o momento, eram pura e simplesmente rotineiras", diz nota da associação encaminhada aos reitores.
A entidade seguirá recomendação do tribunal e vai formular uma representação ao TCU com as questões relevantes. "(A) orientação (é ter) o cuidado de garantir os direitos legais dos servidores, a autonomia universitária e também mirar salvaguardas que evitem questionamentos e glosas das decisões dos gestores", diz a nota.
O impacto sobre a reposição de pessoal atinge universidades de todo o país, que têm suspendido a chamada de candidatos aprovados em concurso — as seleções são feitas, mas o primeiro colocado não é convocado a assumir o cargo.
Só em janeiro, as instituições esperavam a nomeação de 800 profissionais. Considerando-se todo o ano de 2020, a Lei Orçamentária prevê a admissão 19,5 mil professores e técnicos administrativos. Sem as nomeações, diversos cargos estão vagos no início deste ano letivo. Na Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, são 80 de professor e mais de cem de técnicos. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), 66 de professor e 70 de técnicos. A Universidade Federal da Paraíba (UFPB) chegou ao extremo de cancelar nomeações que já tinham sido oficializadas.
Carolina Oukawa, 39, foi nomeada dia 3 de janeiro como professora da área de arquitetura e urbanismo. Para assumir, largou o emprego que tinha havia oito anos. No dia 20 de janeiro, o ato foi desfeito.
— A gente tem interesse de que essa nomeação saia, a universidades não pode parar. Causa incômodo a questão de haver demonização das universidades, e mais ainda de todo professor.
Oukawa diz que ela e outros seis docentes aguardam uma solução. O grupo não descarta ingressar na Justiça.
Em nota, o Andes, a Fasubra e o Sinasefe, que representam professores e técnicos, exigem a revogação das medidas tomadas pela UTFPR e pelo IFSP e reforçam a convocação de educadores de todo o país para uma paralisação nacional em 18 de março contra o que considera um desmonte do setor.
Professor do IFSP e presidente do SindProifes, outra entidade representativa dos professores, Valdemir Alves Junior diz avaliar como precipitada a decisão da UTFPR e do instituto, mas afirma que mais grave é a postura do MEC de ataques às instituições.
— Direitos de progressão e salário são garantidos pela Constituição — afirma.
Em nota, o MEC afirma que "na Lei Orçamentária Anual (LOA) 2020, aprovada pelo Congresso Nacional, foram retirados do orçamento R$ 2,7 bilhões para pagamento de despesas. A pasta trabalha para ajustar, o mais breve possível, as dotações de modo a atender todas as projeções".
A pasta destaca ainda que o orçamento de pessoal neste ano depende de aprovação legislativa para sua utilização.