Os quatro meses de estágio obrigatório na área de pediatria poderiam ser feitos em algum dos hospitais bastante capacitados de Porto Alegre. Mas três estudantes de Medicina na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) decidiram que seria ainda mais enriquecedor passar algumas semanas desse estágio em outro país. E, a partir de um convênio da instituição gaúcha com a Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), nos Estados Unidos, e o Hospital Central de Maputo, o trio foi fazer um intercâmbio em Moçambique em janeiro.
Julia Monteiro de Oliveira, 23 anos, Mathias André Kunde, 27, e Paula Wickert Bastos, 25, estão no 11º semestre do curso, com previsão de formatura em dezembro. No início do ano que vai marcar o fim da graduação, antes de ingressarem em uma residência na área que escolherem, os três optaram por viver a realidade do atendimento pediátrico na capital do país africano.
— Foi muito proveitoso, aprendi muito mais do que imaginava. O mais marcante foi ver a realidade social dos pacientes, o que influencia até na decisão de a pessoa buscar atendimento médico. Foi muito comum encontrarmos doenças em estágio bem mais avançado do que estamos acostumados a atender aqui — declara Paula.
Os estudantes explicam que, em um país no qual a quantidade de médicos disponíveis não é tão grande e os serviços públicos de saúde não são tão acessíveis como no Brasil, boa parte da população de Moçambique recorre ao que chama de "medicina tradicional", realizada por curandeiros. O atendimento hospitalar só costuma ser feito posteriormente.
— Nos impressionamos com o atendimento de alguns casos, como desnutrição e hidrocefalia, que não costumamos ver aqui. Também havia muitas crianças com HIV, uma realidade comum lá — destaca Julia.
Mathias destaca que eles também tiveram uma vivência importante ao acompanhar um projeto de voluntariado mantido por médicos moçambicanos. Foram até a periferia de Maputo para conferir de perto as consultas realizadas periodicamente em um orfanato em que muitas das crianças têm HIV e uma série de outras infecções, chamadas oportunistas:
— Com certeza vamos aplicar os conhecimentos na nossa profissão.
Coordenador do Núcleo de Pediatria da Escola de Medicina da PUCRS, o professor Leonardo Araújo Pinto explica que uma experiência internacional como essa tem muito a acrescentar à formação dos estudantes:
— A realidade é diferente, as doenças são diferentes, a epidemiologia é diferente. Eles acabam tendo contato com questões que não veem com tanta frequência aqui.
Também como parte do programa, a médica moçambicana Yolanda Monteiro, 33 anos, veio ao Hospital São Lucas da PUCRS para aprender. Ela chegou a Porto Alegre em abril do ano passado e, no final de março, volta a Maputo com uma bagagem repleta de ensinamentos. Ao longo de um ano, Yolanda, que é pediatra, procurou se especializar mais em uma área que, ela explica, não conta com qualquer profissional no Hospital Central de Maputo: a gastropediatria. A experiência vai contar como um curso de extensão.
— Isso é muito importante, porque vou poder repassar tudo o que aprendi aqui para os meus colegas em Moçambique. Às vezes a gente atendia as crianças sem ter certeza de como proceder, e agora eu sei. Isso vai ser muito útil para a população do país — comemora Yolanda.
Ela conta que a adaptação ao país foi fácil, destacando a receptividade dos colegas no hospital e a acolhida dos gaúchos. Revela que até provou o chimarrão, mas não virou fã. E só revelou uma reclamação: não gostou do frio.
No inverno, claro, porque, na tarde desta segunda-feira (18), os termômetros chegaram a 37,9ºC em Porto Alegre — temperatura bastante semelhante ao calor moçambicano.