O negócio tinha mais de 80 anos e nome internacional quando Jorge Hoelzel Neto, terceira geração da família à frente da Mercur, de Santa Cruz do Sul, decidiu virar a chave. Ainda que os itens para educação e saúde fabricados pela empresa já tenham sido exportados para Ásia e América Central — inclusive com uma subsidiária em Miami —, há 10 anos a decisão foi olhar para perto e ouvir o que a comunidade tinha a dizer.
— Estamos cheios de tudo, temos muitas coisas pra consumir, mas poucos relacionamentos. Acreditamos muito que a construção de relacionamentos que valorizam a vida é o que vai nos fazer evoluir — explica Hoelzel, neto e sobrinho-neto dos irmãos fundadores da Mercur, empresa de 1924.
Uma série de mudanças de gestão, ou direcionamentos, como o integrante do Conselho de Administração chama, foi tomada. O propósito: reduzir impactos negativos causados pela indústria e sustentar o projeto no longo prazo, em uma era de mudanças que exigem um olhar sistêmico, que inclua questões humanas, econômicas e socioambientais.
Uma das mudanças foi o foco no mercado interno. Antes, fazia vendas relevantes para o Exterior e, hoje, exporta apenas para o Uruguai e a Guatemala, mas tem aumento nas vendas nacionais.
Mudança ainda mais profunda foi na forma de criar produtos. Um exemplo foi a decisão de não produzir mais materiais escolares licenciados, que veio a partir da provocação de professores da rede de ensino de Santa Cruz do Sul. Em contato com a empresa, eles justificaram que uma borracha de desenho animado, além de não contribuir com a aula, mais divide do que aproxima as crianças. Afinal, nem todas podem ter o objeto.
Ouvir a comunidade é uma forma de agir cada vez mais localmente, como explica Jorge. Rodas de conversas, oficinas e espaços de aprendizagem entraram no cotidiano da empresa.
— Reunir as pessoas envolvidas nos diversos assuntos que são tratados na empresa é uma prática que foi tomando forma, por entendermos que qualquer decisão só se legitima a partir da participação de todas as pessoas que são impactadas de alguma forma — afirma.
Há quatro anos, a Mercur criou um Laboratório de Inovação Social. Ali, o foco é usar a experiência da empresa para criar produtos de tecnologia assistiva — artigos que ajudam pessoas com deficiência ou em recuperação médica. Além dos técnicos da Mercur, consumidores e profissionais de saúde, educação e design criam juntos as soluções. Um fixador de mão em tira, por exemplo, pode ajudar alguém que perdeu movimentos a voltar a escrever. Ou um giz de cera robusto e um tubo de tinta que foram pensados para quem tem dificuldade de preensão palmar podem ajudar alguém a se expressar artisticamente.
Mais de 20 recursos de tecnologia assistiva, feitos com a participação da comunidade, já foram produzidos até agora. Um deles veio da ideia de uma mãe em busca de autonomia para a filha com paralisia. Depois de uma das oficinas de cocriação, ela recortou uma bolsa para água quente, feita de borracha, e improvisou um fixador em alça para ajudá-la a segurar a mamadeira. Virou protótipo, em um processo cada vez mais colaborativo.
— As pessoas com deficiência vêm até aqui, trazem junto os seus pais, seus cuidadores, o terapeuta ocupacional, todas as pessoas que estão envolvidas na vida dela. A partir disso, com um designer e um engenheiro, criamos um produto para essa pessoa, que entra em nossa linha — explica Jorge.
O jeito diferente de enxergar a relação entre negócios e comunidade vem dando certo. Com frequência, a Mercur é procurada por universidades e outras empresas, inclusive de fora do Estado, para contar a experiência. Os aprendizados até já viraram curso em uma universidade em Santa Cruz do Sul e em outra de São Paulo. O peso da tradição, aliado ao otimismo de novos olhares para empreender, faz da Mercur uma empresa reconhecida, também, por comunidades de outros locais — uma prova de que existe mais de uma forma de expandir um empreendimento.
Sustentabilidade
Uma das ideias de sustentabilidade mais recentes veio de um colaborador. Ele ficou com pena de colocar no lixo alguns caroços de butiá, descobriu que eles eram capazes de reter calor por bastante tempo, se colocados no forno ou no microondas e, com eles, criou o protótipo de uma bolsa térmica. A ideia do reaproveitamento, presente na empresa, resultou em um produto feito com matérias-primas 100% renováveis na natureza.
A escolha do caroço de açaí juçara contou com a indicação de um grupo de pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), que alertou sobre o manejo incorreto da espécie, ameaçada de extinção. Foi assim que a Mercur ficou sabendo que apenas 20% do fruto do açaí são polpa — o restante é caroço — e que, para lucrar, os produtores acabam fazendo o manejo incorreto de uma espécie que é essencial para o bioma da Mata Atlântica.
Comprando o caroço de açaí, a empresa garante lucro aos produtores para algo que, até então, era descartado. Com isso, incentiva o manejo correto da árvore, da qual alguns pássaros e outras espécies dependem para sobreviver. Já o algodão orgânico foi escolhido por valorizar a produção agroecológica do algodão, que não utiliza agrotóxicos e preserva os biomas e a saúde das pessoas envolvidas no processo.
Este cuidado acontece na escolha de cada matéria-prima utilizada na operação. A ideia é que, aos poucos, tudo cause menos impacto à natureza e às pessoas.
O giz de cera, antes feito de parafina, derivado do petróleo, agora é feito com cera vegetal. De 2012 para cá, a empresa deixou de utilizar 216 toneladas de plástico apenas fazendo substituições nas embalagens, agora feitas com papel cartão reciclável, de fonte renovável.
Reduzir e reutilizar são regras por lá. Mesmo sendo carbono neutro desde 2015, quer reduzir espaço no transporte e no armazenamento dos produtos, gerando cada vez menos emissões de dióxido de carbono. Os resíduos que não consegue evitar, há sete anos são entregues à Cooperativa de Catadores e Recicladores de Santa Cruz do Sul (Coomcat), formada por 51 famílias beneficiadas com a renda.
Saiba mais sobre a Mercur S/A
- Principal executivo: Jorge Hoelzel Neto, 58 anos
- Cidade: Santa Cruz do Sul
- Fundação: 11/6/1924
- Marco de expansão: mudando de uma visão de lucro e expansão para uma visão que considera sempre aspectos econômicos, sociais e ambientais e necessidades legítimas das pessoas
- O que produz: referência nacional na fabricação de itens de educação e saúde, como a borracha de apagar e a bolsa térmica para água quente, fabricadas há 80 anos no Brasil
- Número de funcionários: 700
- Faturamento: R$ 100 milhões
A série Te Mostra, Rio Grande é uma iniciativa do Grupo RBS para valorizar ainda mais a forte raiz empreendedora gaúcha. Serão apresentadas 12 iniciativas de quem constrói e contribui para o nosso Estado. A série tem apoio do Governo do Estado do Rio Grande do Sul e da Assembleia Legislativa.