Não é em Porto Alegre, em Caxias do Sul, em Pelotas ou outra grande cidade. A média mais alta de uma escola no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) do ano passado no Rio Grande do Sul foi no único colégio privado de Nova Prata, município da Serra com 26,8 mil habitantes formado em grande parte por imigrantes italianos.
Em uma escala de zero a mil, os 13 estudantes que cursaram o “terceirão” do Colégio Nossa Senhora de Aparecida no ano passado alcançaram, em média, 704,8 pontos, além de terem a segunda maior nota em redação entre as instituições do Estado.
Onze desses 13 alunos foram aprovados em cursos como Direito, Medicina e Engenharias em instituições como Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e Universidade de Caxias (UCS).
– Estudei sobretudo nos últimos três meses. A gente tinha uma relação muito boa com os professores, isso ajuda. Se tu estudas e não gostas do professor, fica difícil – diz Glauco Fornari, 17 anos, que é um dos 13 alunos e que hoje cursa Educação Física e Esporte na USP, a melhor universidade do Brasil, segundo rankings internacionais.
Com uso de inteligência artificial, GaúchaZH analisou o desempenho de todas as 167,4 mil pessoas que prestaram o Enem de 2018 no Rio Grande do Sul. A reportagem considerou as notas de todas as provas, incluindo a redação, e, a partir daí, calculou a média de cada escola. Foram incluídas apenas as instituições com ao menos 10 alunos matriculados e nas quais pelo menos 50% dos alunos do “terceirão” fizeram a avaliação – o filtro é feito para evitar escolas que eventualmente possam criar uma inscrição artificial apenas com poucos alunos de alto desempenho, no esforço de venderem-se como as melhores.
A reportagem foi a Nova Prata conhecer o Nossa Senhora Aparecida, assistiu a uma aula de biologia e conversou com moradores do município, alunos, ex-alunos, professores e mães. A instituição de 82 anos tem estrutura singela – piso de madeira que range e sem grandes pirotecnias tecnológicas –, mas bem-conservada. Hoje, é reconhecida na cidade pela qualidade do ensino e pelo foco no vestibular.
Durante o Ensino Fundamental, os alunos estudam programação e xadrez. Estudantes do colégio costumam realizar o Enem desde o 1º ano do Ensino Médio para treinar e, no 3º ano, têm aula pelas manhãs e durante duas tardes e meia, com reforço em português e exatas. Além das disciplinas regulares, estudam iniciação científica. O ambiente é de carinho e respeito entre docentes e estudantes do Ensino Médio.
A receita para tamanha taxa de aprovação envolve vários componentes: além da alta carga horária e da boa relação entre alunos, professores e pais, os estudantes têm dinheiro suficiente para focar-se apenas em estudos, todos os professores têm pós-graduação (incluindo mestrado e doutorado) e a infraestrutura conta com biblioteca, laboratório de informática, microscópios e quadra de esportes. A mensalidade é de R$ 1.072 no Ensino Médio, e a instituição é gerida por uma associação de pais, o que ajuda a dar tom comunitário à relação entre todos. As turmas têm no máximo 15 estudantes, algo recomendado por pesquisadores para que a relação entre professor e aluno seja mais próxima. O grupo ser pequeno também ajudou na nota – se houvesse muitos discentes, maior seria a chance de alguém puxar a média para baixo.
– Fiz mestrado e doutorado em linguística na PUCRS. Sinto que isso dá mais segurança para ensinar. Voltei a Nova Prata para morar perto da família e porque gosto de sala de aula – conta Ivanete Mileski, professora de português e de literatura.
Neste ano, os alunos do “terceirão” reclamaram que estavam mal em física e a direção organizou aulas de reforço na matéria.
– Nosso foco não é em faculdade pequena. O nosso aluno sai daqui para ir para a UFRGS ou outras grandes universidades – diz a diretora Adriana Pessutto. – A turma do ano passado era muito boa, excepcional, mas a verdade é que nos saímos bem há alguns anos. É uma estrutura simples a da nossa escola, mas tem muito carinho – complementa.
A herança também faz diferença
Além da escola de Nova Prata, integram o quadro das cinco instituições com média mais alta do Rio Grande do Sul colégios do Interior, sendo quatro deles situados em regiões de colonização europeia: Lajeado (Colégio Evangélico Alberto Torres), Ijuí (Colégio Tiradentes Ijuí) e São Leopoldo (Colégio Sinodal), que têm colonização alemã, e Nova Prata, onde predominam os descendentes italianos. Completa a lista o Colégio Politécnico da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
Clarice Traversini, professora no curso de Pedagogia da UFRGS e pesquisadora do currículo de escolas contemporâneas, destaca que, no século 19, imigrantes europeus foram favorecidos pelo governo brasileiro e receberam terras para se assentar, o que os ajudou a começarem vida nova. Houve incentivo à educação para alemães e italianos, por exemplo. Ex-escravizados, por outro lado, não receberam nada além da liberdade – sem terra e com dificuldades de ter o que comer, mal podiam pensar em colocar os filhos na escola, diz Clarice.
– Os europeus receberam terras do governo para morar, plantar e trabalhar. Isso não ocorreu com os negros, que ainda precisaram se esconder com suas crenças devido ao preconceito. Há um componente histórico que faz essas questões ainda terem impacto 200 anos depois – pontua a professora da UFRGS.
Muita coisa mudou ao longo desses dois séculos, mas a herança de períodos remotos segue sendo sentida, como se pode constatar.
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Conteúdo complementar
Confira os códigos de programação utilizados na apuração (links externos):
Material de referência (códigos abertos de Leonardo Sales)
Análise dos microdados do Enem
Ranking das escolas