–Ligou! – comemora Thaís Sebben Fabro, 12 anos, quando acende a sua frente o brilho esverdeado de um led que ela e as colegas queriam tanto ver.
– Não é demais, guria? – celebra a professora Tânia Bertholdo, vendo o avanço do grupo.
O acender daquele pontinho de luz é a culminância de uma das atividades do projeto que reúne alunas de escolas públicas em Farroupilha, na serra gaúcha, para aprender mais sobre ciências. Coordenado por Tânia no campus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) no município, a proposta coloca 15 estudantes e cinco professores de colégios municipais e estaduais na sala de aula e em laboratórios com o objetivo de incentivar que mais mulheres marquem presença, hoje e no futuro, nas áreas de exatas.
Naquela aula, as jovens entre 12 e 17 anos haviam aprendido mais sobre os conceitos de energia cinética e energia potencial em sistemas mecânicos, realizado um experimento com uma bola e utilizado um software que lê a trajetória dessa bola para aplicar o cálculo da física na prática. Ao acender da luz, estavam compreendendo o funcionamento básico de um circuito elétrico – e, após algumas tentativas e incontida expectativa, vendo-o funcionar.
– A parte prática realça o interesse das meninas. A teoria é massiva e cansativa. É essencial, porque tu tens de entender as regras, tem de saber calcular, mas, quando tu consegues aplicar aquilo na prática, como hoje, fica muito melhor. É um simples circuito em que um led liga e desliga. Mas as meninas, quando veem aquilo que elas mesmas fizeram funcionando na prática... Isso se torna o verdadeiro atrativo – define Filipe Hensel, professor de Física do Colégio São Tiago, um dos que tiveram alunas contempladas com essas atividades.
O que é atualmente o projeto Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação começou em 2016, coordenado pela professora Tânia, que leciona matemática.
Nos últimos três anos, a iniciativa se consolidou como projeto de extensão capitaneado pelo IFRS, mas até então destinado sobretudo ao reforço teórico para jovens. A intenção de despertar o interesse delas para áreas profissionais predominantemente ocupadas por homens é a mesma desde o início.
Neste ano, a proposta tomou novo rumo com o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que oferece bolsas para alunas e recursos que permitiram a compra de equipamentos (notebooks foram entregues às escolas participantes), materiais para os laboratórios (como os circuitos com os indicadores de led) e a perspectiva de encerrar o ano com um grande feito para as meninas: a criação de uma estação meteorológica em Farroupilha, a partir de dados obtidos pelo que essas cinco escolas desenvolverem.
– Essa ideia da estação meteorológica nos permite conversar sobre meio ambiente, eletrônica, informática, programação. São todos conceitos necessários para se ter um projeto final desse tipo. E tudo isso é passado de forma lúdica, acessível, para despertar todas as possibilidades do que a gente pode fazer com esse conhecimento – descreve Ivan Gabe, professor do curso de Engenharia de Controle e Automação no IFRS.
Uma pasta identificada com a série de filmes Star Wars, uma capa de celular com a figura do Homem-Aranha, uma mochila com as inscrições #GRL PWR (girl power, ou “poder feminino”) e um estojo rosa repleto de emojis eram alguns dos itens que as jovens carregam consigo na sala de aula e laboratório em que aprendem sobre ciência.
– Com esse estudo, a gente acaba levando novos conhecimentos para o nosso cotidiano, para coisas que fazemos no dia a dia e passamos a ver de uma forma diferente – explica Bárbara Luzza, 17 anos. – Como o chuveiro elétrico, por exemplo: é quase como se pudéssemos enxergar o que ali dentro. Esse curso é muito importante porque vai nos valorizar futuramente. É algo que a gente vai levar para a vida, uma oportunidade muito boa, especialmente para quem quer seguir a área de Engenharia.
Há estudantes desde o 7º ano do Ensino Fundamental até o 2º ano do Ensino Médio, como Bárbara. Mas a maioria delas está concluindo os chamados anos finais – do 6º ao 9º ano da Educação Básica. A coordenadora do projeto explica que essa é uma fase ideal da vida para mostrar às jovens que elas podem escolher qualquer profissão que desejarem.
– O divisor de águas da opção de carreira das meninas é quando elas passam do 9° ano para o Ensino Médio. Então, psicologicamente, é nessa época que elas decidem o que vão e o que não vão fazer na vida em termos de carreira. Queremos abrir a cabeça delas para outras áreas, como as exatas, bem menos procuradas pelas mulheres. E elas entendem e gostam da proposta – defende Tânia Bertholdo.
A disparidade entre homens e mulheres nas ciências é tamanha que a Unesco, identificando que as mulheres representam 28% dos pesquisadores em todo o mundo, instituiu 11 de fevereiro como o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, com o objetivo de mobilizar o debate, análises e ações que valorizem e aumentem a presença feminina na área. O Censo da Educação Superior 2017, o mais recente divulgado pelo Ministério da Educação (MEC), mostra que as mulheres são maioria entre os estudantes matriculados em cursos de graduação no país: 56,9%. Mas, nos cursos de ciências exatas, os números são bem diferentes. Na engenharia mecânica, por exemplo, a participação feminina está em 10,2% – e isso se repete em cursos como engenharia elétrica (13,1%) e engenharia civil (30,3%).
Com apenas 12 anos, a aluna Thaís não só comemorava ter sido uma das primeiras a fazerem a luz do circuito que montou naquele dia brilhar. Ela também entende a importância de um projeto como esse e explica por que ele é necessário.
– Eu quero ser agrônoma, então, para mim, é uma satisfação fazer o curso aqui. Não é um curso chato, cansativo. Ele nos incentiva a dizer: “Tu consegues, tu podes. Vai!”. O curso incentiva várias oportunidades e nos faz refletir. As mulheres muitas vezes sofrem preconceito por estar nessas áreas (das ciências). Então nosso objetivo é escutar e repensar sobre isso. Fechar os ouvidos a quem acha que não conseguimos – declara a estudante do 7º ano.
A perspectiva de colocar mesmo a mão na massa e mexer diretamente com a criação de tecnologia até chega a assustar um pouco.
– Professor, já estou ficando preocupada: vamos ter de fazer tudo isso aí? – indaga uma docente da rede municipal de Farroupilha, vendo o emaranhado de fios e chips apresentado em sala de aula.
– Fica tranquila, vamos fazer parte por parte – responde Ivan, que naquele dia mostrava a relação entre os “mundos” mecânico e elétrico da física.
E assim tem sido: passo a passo, fio a fio, circuito por circuito, as meninas vão construindo seu caminho para grandes conquistas: seja a estação meteorológica, seja uma carreira na ciência, seja a conscientização de que elas podem seguir o rumo que quiserem.
A ideia do projeto é que, em 2020, as estudantes contempladas com as bolsas de estudo espalhem o aprendizado e sejam as responsáveis por propor atividades de ensino semelhantes em suas próprias escolas, em suas casas, nos seus bairros.
Todo o esforço e cada conquista que elas já vislumbram são feitos a serem celebrados por todas.
– Gosto de estar em uma turma de alunas porque não sou eu, nem uma delas que se sobressai: somos todas nós. É um grupo que se ajuda, que batalha junto. Para mim, melhor do que ganhar mil prêmios sozinha é ter muitas alunas para nos ajudar a enfrentar nossos medos – vibra a pequena Thaís, dona de grandes sonhos.
Saiba mais
- O que é? Projeto Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação.
- Quem faz? Alunos e professores de escolas públicas em Farroupilha, na serra gaúcha, em turma organizada por educadores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS).
- Desde quando? A iniciativa começou em 2016.
- Responsável: Tânia Bertholdo, professora de Matemática do IFRS – campus Farroupilha.
- Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio de bolsas e demais investimentos.
- Objetivo: promover a aproximação de meninas, especialmente nos anos finais do Ensino Fundamental, com as ciências, motivando seu interesse pelo tema na escola e mostrando caminhos para elas seguirem nessa área como profissão.
- As meninas mantêm um blog, atualizado a cada nova aula. Acompanhe em: meninasnasciencias.blogspot.com