Uma instituição comunitária, pública, criada com um modelo inovador de educação e voltada para a população mais desassistida acaba de surgir em Porto Alegre, em uma parceria que está unindo governo, iniciativa privada e organizações não governamentais (ONGs).
A Escola Comunitária de Educação Básica Aldeia Lumiar quer dar oportunidades para que crianças no bairro Tristeza, em Porto Alegre, tenham acesso ao ensino gratuito e de qualidade pertinho de casa. Seu modelo de gestão é definido pela Secretaria Municipal de Educação (Smed) como "educação pública não estatal".
— É a sociedade civil participando diretamente da educação. A escola é administrada pela comunidade e serve a ela, recebendo recursos públicos para isso, mas também conta com apoio de instituições particulares para que exerça sua proposta e ofereça as atividades que quer — afirmou o titular da Smed, Adriano Naves de Brito.
Nesse modelo tripartite – com governo, iniciativa privada e sociedade civil contribuindo –, o objetivo é oferecer aos alunos da comunidade práticas que, em uma cidade como Porto Alegre, costumam ser restritas principalmente às escolas particulares. Os primeiros 73 estudantes do Ensino Fundamental na escola terão acesso, com ensino em tempo integral, a uma metodologia organizada de maneira diferente do currículo pedagógico convencional. O aprendizado é baseado em projetos e muito pautado pelo interesse dos próprios alunos, o que, para os responsáveis pela iniciativa, constitui uma transformação total na forma de entender e de estar no mundo. A inauguração foi nesta terça-feira (30), mas as aulas começaram há um mês.
A escola comunitária é parte da Aldeia da Fraternidade, ONG que atua há 55 anos em Porto Alegre e oferece programas de formação para crianças e jovens. A Aldeia promove oficinas e aulas de música, jiu-jítsu, gastronomia, plantio e aproveitamento de alimentos, entre outros.
Atendemos a população mais desassistida, e agora vamos oferecer mais educação de qualidade bem aqui, na comunidade.
ALFREDO FEDRIZZI
presidente da Aldeia da Fraternidade
— Atendemos a população mais desassistida, e agora também vamos oferecer educação de qualidade com uma escola de Ensino Fundamental bem aqui, na comunidade. Com capacitação e inovação, poderemos garantir um futuro melhor para esses estudantes — comemora Alfredo Fedrizzi, presidente da Aldeia da Fraternidade.
A iniciativa é do Instituto Lumiar, que mantém uma rede de escolas no Brasil e no Exterior focados em subverter os padrões convencionais de organização escolar. Na rede privada da Capital, já existe a Escola Lumiar Porto Alegre, inaugurada em março de 2017. Há unidades ainda nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Holanda.
— Ouvimos sempre que as crianças são o futuro, que é preciso investir em educação. Sempre o mesmo clichê. Mas, na prática, muito pouco é feito. E vemos, como no caso de Porto Alegre, que não basta garantir melhores salários e condições para os professores, porque aqui as notas estão caindo. Isso porque a escola tradicional está obsoleta. O mundo novo precisa de uma nova escola, e não de um modelo renovado do que já existe — define Ricardo Semler, fundador da Escola Lumiar.
Depois de conversar com algumas das crianças atendidas na Aldeia, Semler descreve um exemplo prático dessa aprendizagem baseada em projetos. Os estudantes falavam sobre o problema das notícias falsas em sala de aula, com seus tutores – como são chamados os professores, que passam por um treinamento específico para conhecer e implementar a metodologia da escola. Em meio à conversa, os jovens foram atrás do conceito de "verdade". Chegaram ao nome do filósofo Immanuel Kant. E pediram aos tutores que incluíssem Kant no currículo.
Por enquanto, a escola Aldeia Lumiar oferece turmas do 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental. O objetivo é aumentar a oferta, gradualmente, até o 9º ano. A rede municipal de Porto Alegre já implementou outras duas iniciativas de escolas comunitárias semelhantes, em parceria com organizações não governamentais e a iniciativa privada.
Um dos parceiros do projeto é o Instituto Jama, que apoia projetos na área de educação, assistência social e cultura e foi responsável pela reforma do prédio que sedia a escola. Na inauguração, o presidente do Conselho Deliberativo, Jayme Sirotsky, destacou como "encantadora" a iniciativa e afirmou que ações assim devem contar cada vez mais com apoio da sociedade.
— Iniciativas como essa, que unem sociedade, prefeitura, escolas e comunidade, precisam sempre ser saudadas. Propostas novas vão fazer com que a gente evolua, e por isso queremos estar junto desse e de outros projetos — garantiu Sirotsky.
Queremos ensino com a mesma qualidade de escolas privadas nas nossas periferias.
NELSON MARCHEZAN
prefeito licenciado
O prefeito Nelson Marchezan, mesmo em licença-paternidade, compareceu ao evento, que também contou com presença da prefeita em exercício, Mônica Leal. Para Marchezan, a escola é fruto de grande esforço político e operacional
— Há uma simbologia gigantesca aqui. O que está sendo oferecido é um serviço público, mas não estatal, e quem quer se servir da máquina pública não gosta de ver isso acontecendo. Mas queremos ensino com a mesma qualidade de escolas privadas nas nossas periferias — definiu o prefeito licenciado.
O vínculo, assinado por um período de cinco anos, define que, mensalmente, a prefeitura de Porto Alegre fará o pagamento de R$ 970 por aluno atendido – portanto, o aporte deve aumentar nos próximos anos. A seleção dos estudantes é feita pela Smed e prioriza quem mora na região. A previsão é triplicar o atendimento até 2021, passando de 73 para 220 alunos no Ensino Fundamental e possibilitando que mais jovens de baixa renda tenham acesso gratuito à metodologia inovadora de ensino.