Por interrupção no pagamento de vagas para crianças de zero a seis anos de idade, a Escola de Educação Infantil Canaã fechou no dia 29 de janeiro, deixando 74 famílias do 3º Distrito de Triunfo na mão. Sem ter onde deixar as crianças na região, que fica a 33 quilômetros do Centro da cidade – não há sequer escolas particulares na localidade –, mães estão tendo que deixar o emprego para cuidar dos filhos em casa. A Justiça já deu prazo para que a prefeitura tome uma decisão sobre o assunto. O último repasse da prefeitura, equivalente a R$ 850 mensais por aluno, ocorreu em dezembro do ano passado, com o aviso de que o convênio não seria continuado.
A Escola Canaã pertence a Guiomar Nascimento, professora há 25 anos, e funciona desde outubro de 2016. Ela foi aberta no governo anterior no modelo de creche conveniada – quando é construída e administrada por uma empresa ou entidade, mas as vagas são bancadas pelo poder público – para suprir a falta do serviço no distrito. O local nunca teve escola infantil e abrange as comunidades de Rincão dos Pinheiros e as vilas Tieta, Tomaselli, Morenos e Bom Jardim.
— Nos avisaram que esta escola é cara para a prefeitura e que irão construir outra. Na cidade, não tem nenhuma escola que atenda das 7h às 18h — explica Guiomar.
A proposta da prefeitura é deixar de pagar as vagas em uma escola que, segundo o prefeito Valdir Kuhn, é particular, e construir uma instituição pública para a região: a Escola Manoel de Oliveira Martins. Porém, não há sinais de obra nem o prefeito sabe precisar quando a nova escola estaria pronta.
Enquanto isso, a prefeitura alugou um prédio em frente à Escola Canaã, onde pretende fazer uma estrutura provisória para receber os alunos – até que a obra da Manoel de Oliveira Martins saia do papel. No entanto, o prédio provisório não tem nenhum indício de que vai virar uma escola. Está com mato nascendo na frente e sem indicações de adaptações do espaço para atender as crianças.
"Condições iguais para todos"
O prefeito de Triunfo, Valdir Kuhn, afirma que parou de pagar as vagas na Escola Canaã para que todos os alunos sejam atendidos por escolas públicas. Segundo ele, o pagamento mensal de R$ 850 por vaga estava saindo mais caro do que o custo nas Escolas Municipais de Educação Infantil (Emeis) da rede. Questionado pela reportagem, Valdir não soube informar o valor gasto mensalmente por criança na rede própria.
— Não temos recursos para investir em creche particular. O governo anterior fazia compra de vagas nesta escola, mas não queremos fazer isso. Esta proposta não nos serve. Queremos uma proposta pedagógica e condições iguais para todas as crianças. É por uma questão de igualdade.
Segundo ele, os pais foram avisados em janeiro do fechamento da escola e será feita "o mais rápido possível" a construção de uma nova creche para o 3º Distrito. O prefeito, porém, não tem ideia de quanto tempo isso pode levar. Prefere não fazer promessa de datas.
Quanto ao prédio provisório, o prefeito acredita que até o final de março será possível adequá-lo para atender crianças de berçário e maternal. As demais terão que ir para a escola fundamental. Segundo ele, o espaço tem capacidade para atender 70 crianças. Até lá, segundo o prefeito, as famílias devem procurar a Emei Criança Feliz, em Vendinha, a 15km da Escola Canaã, e a Emei Mundo Encantado, em Porto Batista, também a 15km de distância.
Um drama que se repete
Enquanto isso, mães têm como única opção deixar o trabalho para cuidar dos pequenos. É o caso de Thacielen Menezes, 21 anos. Ela é mãe de Lorena, três anos, Helena, dois, e Willian, sete meses, e trabalha como diarista. O último dia de serviço foi em 28 de janeiro, um antes da Canaã fechar. Mora do outro da rua da escola e não esconde o desespero com a situação:
— Eu não tenho outra opção. Ninguém vai cuidá-los por menos de R$ 300 por criança, não vale a pena trabalhar. Como é que a gente fica?
Também com um bebê de sete meses, a auxiliar de limpeza Angélica da Silva Barbosa, 24 anos, já pediu para sair do serviço. Até ser liberada, tem faltado ao trabalho ou deixado Barbara com a avó. Cada dia, uma solução diferente.
Quando a escola provisória abrir, serão atendidos apenas berçário e maternal. Os pais com filhos com mais de quatro anos estão sendo orientados pela secretaria a matricular os filhos na Escola de Ensino Fundamental Oswaldo Aranha. Porém, o atendimento é apenas de meio turno.
— Se a gente liga para qualquer creche, eles dizem que não têm previsão de vaga e que a fila de espera é longa — relata Maria Angélica Soares, 29 anos, que trabalhava como atendente na Canaã e é mãe de João Vitor, três anos, e Pedro Henrique, cinco anos, dois ex-alunos.
Daiana de Oliveira, 34 anos, e Angélica Aparecida Terres, 33 anos, diaristas em Canoas, chegam a perder até R$ 120 por dia sem trabalhar para ficar com as crianças.
— O que a gente vai fazer? Estou perdendo dinheiro da alimentação deles — diz Daiana, mãe de Amanda, cinco anos, e Daphyni, dois anos.
A reportagem conversou com outras cinco mães cujo drama se repete.
Juíza ordena que prefeitura pague pelas vagas
Em decisão liminar do dia 15 de fevereiro, a juíza Solange Moraes, da Vara Judicial de Triunfo, pede que o prefeito pague as 74 vagas na Escola Canaã em até 10 dias, sob risco de multa diária. No despacho, a juíza pede que as vagas sejam pagas até a inauguração da Escola Manoel de Oliveira Martins. A decisão faz parte de uma ação coletiva movida pelas mães de alunos da Canaã.
Segundo a decisão da juíza, "há necessidade da vaga na instituição de ensino próximo à residência da comunidade, a fim de possibilitar que os pais possam trabalhar, não podendo as crianças aguardarem em casa até que a Escola Municipal Manoel de Oliveira Martins esteja pronta."