Hoje, é assim: cada empresa de robótica desenvolve uma máquina como bem entende. Se o protótipo foi feito para limpar os cômodos da casa, é isso o que ele vai fazer. Se outro, ainda que seja da mesma empresa, foi planejado para fechar as janelas quando chove, está aí a sua função – e nada mais. Mas e se um detectar que tem alguma coisa jogando, digamos, terra pelas frestas de casa, será que não poderia receber uma ajudinha do robô fechador de janelas?
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Pois foi para permitir interações como essa – e outras talvez bem menos prosaicas – que o Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE), uma sociedade internacional de engenheiros, desenvolveu um padrão capaz de permitir a comunicação entre os robôs, mesmo com funções variadas ou de empresas diferentes. A inovação foi possível graças ao trabalho de 140 pesquisadores de 20 países, entre eles integrantes do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
– É mais ou menos o mesmo princípio do Wi-Fi: para que a rede sem fio consiga transmitir dados para o computador, para o celular e a TV, todos têm que seguir um padrão – explica Edson Prestes, professor do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e vice-presidente do grupo responsável pela criação do novo padrão.
Voltemos ao exemplo anterior. E digamos que os robôs domésticos estivessem programados para se comunicarem um com o outro, algo que não acontece atualmente. Como eles poderiam fazer isso? Se tiverem padrões diferentes, é como se o robô limpador, se comunicando em chinês, tentasse dizer ao fechador de janelas, bom falante do português, o que fazer. E sem gesticular. Não daria certo. Faltaria uma língua intermediária para eles se entenderem. Um padrão.
Trabalho recebeu menção da Casa Branca
E o desenvolvimento desse padrão, batizado P1872-2015, rendeu frutos aos seus criadores. Em uma conferência voltada para apresentar as novidades e perspectivas dentro do desenvolvimento da inteligência artificial (IA) no mundo, reconhecendo sua importância para o futuro, a Casa Branca publicou um relatório em que, além de mencionar preocupações como cibersegurança e o impacto dos robôs na força de trabalho, elogia a criação de padrões para a prática, destacando a iniciativa que teve participação brasileira.
"Um exemplo de padrão relacionado à inteligência artificial que foi desenvolvido é o P1872-2015 (Standard Ontologies for Robotics and Automation), desenvolvido pelo Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE). Esse padrão garante uma maneira sistemática de representar o conhecimento e uma série comum de termos e definições. Eles permitem a transferência inequívoca de conhecimento entre humanos, robôs e outros sistemas artificiais, além de permitir uma base fundacional para a aplicação de tecnologias de inteligência artificial na robótica."
A publicação destaca que esse é um primeiro passo importante, mas ainda é preciso trabalhar mais no desenvolvimento de padrões para a inteligência artificial – esforço que, conforme o governo americano, é importante para todas as áreas envolvidas na IA. Conforme Edson Prestes, da UFRGS, essa é só a primeira semente, e ainda há muitos frutos a serem colhidas da iniciativa.
O professor explica que o padrão não é uma exigência, que deverá ser seguida por todos os fabricantes de robôs, mas uma recomendação, um padrão que se soma a outros já existentes, como da International Organization for Standardization (ISO) e do European Telecommunications Standards Institute (ETSI). A previsão é que as indústrias se interessem pelo tema e passem a adotar o modelo em busca de vantagens dentro das suas criações.
Mas há também riscos envolvidos. Os pesquisadores não descartam a possibilidade de que a comunicação entre os robôs dê errado, ou seja mal utilizada, e para isso têm se preocupado em criar códigos de conduta para as atividades das máquinas. Poderia esse ser o início do desenvolvimento de robôs pensantes? O professor Prestes se diverte respondendo:
– Qualquer área pode ser utilizada para malefícios. Para que tu tenhas um robô dominando o mundo, tu precisas ter um robô que tenha consciência. E chegar a esse ponto de ter consciência humana é complicado. O ser humano não consegue entender ele mesmo. Como é que ele vai pegar e implementar isso em uma máquina? Vai ser muito difícil ver robôs que tenham consciência.
* Zero Hora