A partir das 13h30min de hoje, professores ligados ao Cpers/Sindicato decidirão os rumos da greve do magistério estadual. Instância máxima da categoria, a assembleia geral, que ocorrerá no Gigantinho, em Porto Alegre, fará uma avaliação da paralisação iniciada em 13 de maio e da proposta do governo para o retorno das aulas.
Durante a greve, a categoria chegou a ocupar o Centro Administrativo Fernando Ferrari (Caff) por quatro dias. Os professores saíram de lá na sexta-feira passada, depois de marcada uma reunião com o secretário estadual da Educação, Luís Antônio Alcoba de Freitas, na qual foi apresentada a proposta do Executivo. Na segunda-feira, o comando de greve reivindicou pontos que não estavam no primeiro documento elaborado pela Seduc, que enviou a resposta dois dias depois, com a reafirmação da proposta, além de frisar que a a situação financeira do Estado impossibilita reajuste salarial. Se os dias letivos forem cumpridos, afirma o governo, não haverá corte do ponto.
O magistério estadual tem 71.854 professores – 53.399 efetivos e 18.455 contratados. Zero Hora apresenta dois olhares distintos sobre a greve.
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Greve, sim
Aos 21 anos, a então estudante de Artes Visuais Marina Vargas iniciava a carreira em momento e local simbólicos. O ano era 2004, e escolas retomavam as aulas depois de uma paralisação. A partir de um contrato emergencial, a professora assumiu turmas no Colégio Júlio de Castilhos, referência para movimentos estudantil e sindical.
– Peguei um clima de pós-greve e recuperei aulas que não eram minhas. Ia nas férias de julho para a escola, dava aulas para um, dois alunos no sábado. Mas isso não me desmotivou, porque eu sabia que os colegas que tinham feito a greve estavam lutando por algo melhor. Esse início foi engraçado, tinha alunos de 50, 60 anos que me chamavam de guria – conta Marina, hoje com 33 anos, 12 de carreira.
O sentimento de que a greve é fundamental para conquistas da categoria e da educação pública de forma geral permeia a trajetória da professora, nomeada em 2015 após mais de uma década de contrato no Estado. Em 2008, grávida de oito meses, fazia reivindicações em frente ao Palácio Piratini.
– Sem pressão, não vai se conseguir nada. Com ela, já é difícil ter o mínimo. Cada greve tem um significado. No ano passado, saímos sem reajuste. Nesta, temos pelo menos duas vitórias, que são as questões do PL 44 e do difícil acesso – avalia, ao mencionar o prolongamento da discussão do projeto que trata das organizações sociais e a revogação da portaria que cria a comissão para revisão do adicional no salário.
A paralisação no ano passado, para Marina, foi uma exceção. Ela optou por não participar, pois sua nomeação havia sido publicada pouco tempo antes, e o medo de represálias durante o estágio probatório falou alto:
– Nos atos, consegui ir porque os horários se encaixavam nos meus. Agora, com apoio jurídico e conhecimento da lei, decidi aderir à greve.
São dois os principais motivos que a fazem acreditar na mobilização. Um deles é o salário – no Rio Grande do Sul, o piso nacional não é pago como vencimento básico. O outro são as más condições de trabalho, como infraestrutura precária e carência de material.
– Temos defasagem sobre o piso nacional e não temos reposição da inflação. Isso a gente vai levando no dia a dia, com toda a dificuldade. Mas a gente chega na escola e a direção diz que não tem folha de ofício. Não tenho lápis de escrever, borracha, lápis de cor. E sou professora de educação artística. Pego o que os meus filhos usam, o que os alunos trazem de casa e o que a direção me dá quando tem. Uso nos três turnos, com EJA (Educação de Jovens e Adultos), Ensino Médio e Ensino Fundamental – conta.
A particularidade da greve de 2016, na opinião de Marina, é a conexão com as ocupações das escolas, protagonizada pelos secundaristas. A professora esteve junto dos estudantes do colégio onde dá aulas, o Fernando Gomes, no Jardim do Salso:
– Em greve, trabalhei mais do que se estivesse em sala de aula. Moro perto da escola e tenho relação próxima com os alunos: vou no mesmo mercado, na mesma padaria, na mesma praça que eles. A escola foi ocupada às 9h, me mandaram uma mensagem às 10h e queriam que eu estivesse lá ao meio-dia. Cheguei às 15h e me envolvi na rotina da ocupação, cheguei a dormir lá. Então, como grevista, não participei só das atividades do sindicato, mas da ocupação dos estudantes também.
A remuneração do magistério estadual é definida por ela como "lamentável" e "desmoralizadora". A rotina da professora, principal responsável pelo sustento da casa, é se desdobrar entre três escolas – uma do Estado e duas no município de Viamão – ao longo de uma jornada de 40 horas semanais, cuidar dos filhos de cinco e sete anos e preparar aulas nos horários que seriam de descanso. A recompensa pelos almoços substituídos por sanduíches e pelo desgaste diário fica por conta do reconhecimento dos alunos. Na sala do apartamento em que mora com a família, estão vasos feitos durante as aulas, que recebeu dos alunos. Sobre a mesa de trabalho, descansa uma carta escrita por 16 estudantes, na qual eles expressam satisfação por ter os ajudado, informado e "guiado para a vitória".
Para que o reconhecimento também esteja no salário e na infraestrutura das escolas, Marina estará no Gigantinho na tarde de hoje, votando pela continuidade da greve.
Greve, não
Foi ao longo de 27 anos de magistério estadual que Maria Cristina Noya construiu sua percepção sobre a educação pública. Ingressou na carreira do Estado em 1989, quando morava em Vacaria, e hoje está à frente da direção da Escola Desidério Torquato Finamor, na zona leste de Porto Alegre. Durante sua trajetória, a professora de 52 anos participou de diversos movimentos grevistas. Hoje, no entanto, enxerga a medida como ineficaz
– A situação financeira não está fácil. Vejo que é remar contra a maré. Sempre lutei pela carreira, por salário e pela qualidade do ensino, mas cheguei a um ponto que acho que não adianta quase nada.
A escolha pelo ensino está ligada ao leque de opções apresentado a uma jovem do interior do Rio Grande do Sul. Nascida em Tupanciretã, em uma família de nove irmãos, tinha como sonho ser jogadora de vôlei e quis trabalhar com publicidade. Acabou cursando magistério e, depois, licenciatura em Estudos Sociais e História no campus da Universidade de Caxias do Sul (UCS) em Vacaria.
– Acho que essa é a minha missão. Tenho o lado das humanas muito forte dentro de mim. Trabalhei com crianças pequenas, de todas as séries, mas meu canal mesmo é o jovem, o adolescente – afirma, acrescentando que o reconhecimento maior à profissão se dá no dia a dia, por meio do carinho dos alunos nas salas de aula e nos corredores da escola de 565 alunos.
Ao fazer um retrospecto da vida profissional, a professora salienta dois momentos em que a categoria viu a necessidade de pleitear melhorias para a educação: as greves durante o governo Pedro Simon, no qual foi derrubado o piso salarial estabelecido na gestão de Jair Soares, e as mobilizações contra o calendário rotativo.
– A gente vinha conseguindo conquistas durante esse percurso. Mas acho que o Cpers, às vezes, luta de acordo com a política partidária, e eu não gosto muito disso. As lutas que a gente vinha tendo, no passar do tempo, foram decaindo porque o sindicato começou a se misturar com partidos. Não concordo que minha bandeira esteja misturada com outros tipos de bandeira – recorda a professora, ao dizer que não é contra a greve como instrumento, mas, sim, contra a forma como ela vem sendo utilizada.
Maria Cristina acredita que pleitear valorização salarial e melhorias na infraestrutura das escolas – que também são reivindicações do movimento grevista – passa por buscar novas opções. Para ela, a reivindicação feita de forma localizada, dentro dos colégios, tem mais efeito.
– Essas lutas valem muito mais a pena. Dentro da própria história, vejo que, às vezes, não adianta travar uma batalha contra o sistema – ressalta. – Na nossa escola, falta espaço, um ginásio coberto, nosso pátio é muito perigoso por causa do chão (irregular). Há um tempo, conseguimos o muro. É uma insistência, uma batalha. Dentro do mínimo que a gente recebe, tenta distribuir da melhor forma possível – acrescenta.
As paralisações, quando não conseguem unir a categoria, avalia a professora, desgastam o sindicato, ao qual ela ainda é filiada:
– A greve e a categoria ficam desacreditadas perante a sociedade. O sindicato teve uma desunião muito grande nos últimos anos. A briga partidária começou a incomodar muita gente. Se a classe do magistério fosse mais unida, seria bem mais acessível lutar. Água mole em pedra dura não funciona muito bem. Se fôssemos uma categoria que pensasse mais no todo, no respeito uns com os outros, conseguiríamos mais coisas.
Quanto ao salário, a diretora, que já está perto da aposentadoria, tem uma posição que contempla muitos colegas:
– A gente ganha pouco para sobreviver numa profissão que é tão importante, formadora de opiniões, cultura, tudo. Há descaso político com a educação e, junto, descaso de parte da comunidade. Estamos virando a primeira instituição, não é mais a família.
Por acreditar na necessidade de se fazer as reivindicações de outra forma, Maria Cristina estará durante a tarde de hoje no prédio de tijolos à vista na Avenida Bento Gonçalves, no qual trabalha há oito anos, e não no Gigantinho.