Eles estão entre os mais procurados da UFRGS. No vestibular deste ano, mais de 10 candidatos disputavam cada vaga dos cursos de Engenharia Civil e Engenharia Mecânica, e quase 17 brigavam por uma cadeira no Jornalismo. Mas, se essas carreiras continuam atraindo quem está de olho na faculdade, seus profissionais já podem não ser absorvidos com tanta facilidade pelo mercado. Pelo menos em 2016.
Levantamento da consultoria Wyser, que atua em 12 países e sete Estados brasileiros, indica que essas profissões, ao lado de geofísicos e turismólogos, devem ser as menos requisitadas por empresas do Brasil neste ano. A consultoria baseou-se em dados coletados com 1,5 mil executivos, entrevistados em 2015.
– Esses setores das engenharias são muito afetados em contextos de crise política e econômica. As áreas da construção no geral, o setor de petróleo e gás e as montadoras estão em recessão no Brasil. Já o jornalismo vive uma crise generalizada, com as novas mídias tomando o lugar das tradicionais – observa Otávio Granha, gerente de operações da Wyser Brasil.
Fui demitido, e agora? Veja como montar um bom currículo
As vantagens de apostar numa universidade federal do Interior
O resultado do estudo se alinha com o que indicam outras pesquisas sobre o mercado brasileiro: algumas profissões tradicionais, na forma como são conhecidas, tendem a perder espaço em meio ao contexto cada vez mais dinâmico das relações de trabalho.
– A era atual é consequência do que vivemos décadas atrás, quando o ensino formava excelentes técnicos, e muitos profissionais tiveram uma educação extremamente padronizada. Não basta ser exclusivamente bom na sua profissão. É preciso conhecimento de outras áreas, buscar uma educação complementar – defende o coach de carreiras Alexandre Prates.
Produtividade e visão abrangente
Autor de dois livros sobre carreiras e liderança, Prates considera fundamental olhar além das possibilidades estritas de cada profissão. Ele explica que, cada vez mais, as empresas buscam produtividade e perfis empreendedores, com visão mais abrangente de mercado e negócios.
– Muitas pessoas acreditam que empreender é abrir uma empresa. Não é verdade. Empreendedorismo são comportamentos profissionais, características que se adquirem e englobam boa capacidade de negociação e de relacionamento. É preciso desenvolver isso junto às habilidades técnicas – aconselha.
Quem se identifica com uma profissão que não está em sua melhor fase ainda tem a chance de sair na frente, buscando novos caminhos dentro da área. Diretora executiva do Escritório de Carreiras de PUCRS, a psicóloga Jaqueline Mânica destaca que as carreiras estão mais híbridas do que no passado. É importante investir em autoconhecimento para pensar a trajetória profissional não como um emprego, mas como uma perspectiva de vida.
– As trilhas são muitas, mas, mais do que nunca, é preciso conhecer a si mesmo e saber o que se está fazendo. Para quem está na graduação, isso inclui saber que não basta cursar disciplinas. É fundamental explorar tudo, fazer estágios, ir a palestras e viver tudo o que aquele mundo possibilita – diz.
Software de controle de obras cresce em meio à crise
Um engenheiro civil de 27 anos comemora algo impensável para muitas empresas brasileiras neste ano: a Stant, start up criada por Ralph Vasco em 2013, tem crescido de 15% a 20% ao mês em plena crise. O motivo, acredita o alagoano, é o nicho que escolheu para atuar. A plataforma digital e o aplicativo idealizados por ele trabalham com um conceito ainda novo em sua área no Brasil. Eles permitem controlar, mesmo à distância, cada passo de uma obra, desde contratos, produtos e problemas até o andamento dos trabalhos – o que pode ser feito em tempo real.
– A gente brinca que, se um médico ou um jornalista de cem anos atrás chegassem a um hospital e a uma redação hoje, não conseguiriam fazer seu trabalho. Mas um engenheiro, se chegasse em uma obra, conseguiria, porque a construção civil ainda é uma área muito antiquada – conta Ralph, que deixou o trabalho na construtora da família para começar seu negócio.
O engenheiro conta que sempre nutriu interesse pela tecnologia, mas a "obsessão" por modernizar processos surgiu durante a faculdade, na Universidade Federal de Alagoas. Ele se sentia incomodado com atrasos e erros em obras, causados, segundo observou, por equívocos de planejamento e acompanhamento. Com os conhecimentos de engenheiro, correu para a internet para buscar mais sobre softwares. Atualmente, com a sede comercial da start up em São Paulo, Ralph se divide entre a terra natal e a capital paulista:
– Trabalho mais de oito horas por dia, com certeza. Mas é assim, tem de gostar do que faz.
Start up faturou o primeiro milhão em dois anos
Foi na contramão do que parecia óbvio que o engenheiro mecânico Guilherme Eiras, 29 anos, resolveu guiar sua carreira em 2012. Funcionário do então promissor ramo de petróleo e gás, recusou um salário de US$ 8 mil para se aventurar em um negócio próprio. Natural de Londrina (PR), Guilherme deixou o trabalho no Rio de Janeiro para retornar à cidade natal em busca de uma parceria. Encontrou um desafio: dar outros usos a uma cerâmica odontológica, produzida pelo seu investidor e sócio e que se tornaria a matéria-prima de sua nova vida.
– É engraçado pensar que três anos atrás a área que eu trabalhava estava em ascensão e, agora, está em crise. Sempre falei em largar tudo para montar um empresa, e todo mundo me chamava de louco – lembra.
Em alguns meses, nasceu a Yuze (à época, Osaka), start up que produz e comercializa afiadores de facas com o material até então usado por dentistas. Hoje, também vende as próprias facas, além de outros produtos. Preparado para apertar o cinto por tempo indeterminado, Guilherme foi surpreendido pelo rápido retorno da nova investida: em dois anos, a empresa faturou o primeiro milhão. Sua renda mensal já ultrapassa os R$ 5 mil que ganhava no antigo trabalho, e a expectativa de faturamento para 2016 é de R$ 2,5 milhões.
Para o engenheiro mecânico, que, no começo da faculdade na UFSC, sonhava trabalhar em uma montadora, o segredo do sucesso vai de encontro ao que se espera de um bom carro. Em vez de seguir o caminho mais evidente, é preciso sair da curva e tentar algo novo.
Fome por comunicação e gastronomia
Porto Alegre ainda engatinhava na gourmetização quando, em 2012, Andressa Foresti e Juliana Bastian resolveram deixar seus empregos em uma emissora de TV para explorar uma área que viria a crescer mais tarde. Juntas, elas abriram As Famintas, assessoria de comunicação voltada exclusivamente à gastronomia. As duas sócias também tinham em comum a paixão por comer bem, e chegaram a cogitar abrir um negócio de comida mexicana. Mas deram-se conta de que podiam ir mais longe conjugando os conhecimentos adquiridos na faculdade de Jornalismo com a fome por novidades e gastronomia.
– Percebemos que muitos restaurantes não tinham suporte de comunicação. Mas queríamos algo diferente – conta Andressa.
Foi na internet e em cursos rápidos que buscaram informações para estruturar o negócio, que, além da assessoria, organiza eventos, administra redes sociais e cuida do relacionamento de bares, restaurantes e cafés como clientes. Vindas de uma formação que não contemplava o mercado digital, abraçaram uma rotina de aprendizado.
– À época, muita gente começou a trabalhar com redes sociais sem saber muito bem. Mas jornalista sabe produzir conteúdo. Esse é nosso diferencial – diz Andressa.
Ambas trabalham mais hoje do que em seus antigos empregos, mas se consideram mais felizes.
– Vou para a praia todo fim de semana. Se for preciso, trabalho de lá. O mais importante é fazer o que gosta, mas fazer diferente, inventar o próprio caminho. Se não der certo, é só começar de novo – aconselha Juliana.