Excesso de obrigações na infância pode prejudicar desenvolvimento das crianças Secretário da Educação comenta término do serviço de pré-escola em instituições estaduais
A obrigatoriedade de uma adequação dos currículos da Educação Infantil vem preocupando famílias e administradores de escolas das redes privadas e públicas de Porto Alegre. Até o fim do ano, as aulas especializadas deverão estar em conformidade com novas determinações do Conselho Municipal de Educação (CME): em 2016, não será mais permitido oferecer balé, capoeira, natação, teatro ou idiomas, entre outras, como disciplinas optativas, com cobrança separada do valor da mensalidade. Os estabelecimentos - instituições de Educação Infantil públicas e privadas, além das municipais de Ensino Fundamental e de Educação Básica que ofertem aulas a crianças de zero a seis anos - terão de incorporar essas atividades ao currículo padrão, disponibilizando-as a todos os alunos, ou cancelá-las.
O CME segue a mesma linha do que é orientado pelo Conselho Nacional de Educação desde 2009, na tentativa de padronizar o sistema de todo o país. A Secretaria Municipal de Educação (Smed) tem orientado as escolas desde o ano passado, em caráter de transição, para que todas disponham de tempo hábil para se adaptar. Com a proximidade da expiração do prazo de tolerância, aumentaram as dúvidas e as reclamações: as instituições de ensino temem a elevação dos custos, o que provocaria um aumento das mensalidades, e os pais receiam ser privados de atividades que consideram fundamentais na rotina das crianças.
Na rede pública, todas as disciplinas já integram a grade curricular seguida por todos os estudantes. De acordo com a Smed, a maior parte das 319 escolas particulares de Educação Infantil da Capital conta com aulas especializadas. Há estabelecimentos que concentram o pagamento por esses serviços suplementares, depois repassando os valores aos professores que as ministram. Em outros, o serviço é totalmente terceirizado, com a negociação sendo realizada entre os pais e os responsáveis pelas oficinas eletivas. O cardápio extracurricular, em alguns casos, acaba forçando uma divisão nas turmas - em determinado momento do turno letivo, parte do grupo segue para a atividade opcional, pela qual alguns pais decidiram pagar e outros não, enquanto os demais alunos precisam ser envolvidos em outras tarefas.
- As crianças ficam na sala de aula com quem e fazendo o quê? Nunca ficou claro. Geralmente, elas ficam vendo DVD e chorando porque os outros vão e elas não - afirma Viviane Vinn Severo, coordenadora do Setor de Regularização dos Estabelecimentos da Educação Infantil (Sereei).
Liberdade para priorizar áreas mais importantes
As autoridades também estão atentas à formação dos responsáveis pelas oficinas - se o professor da aula especializada não estiver habilitado, precisará ser acompanhado pelo professor referência - e ao excesso de atividades adicionais, o que pode favorecer uma sobrecarga precoce na rotina infantil. Viviane garante que as escolas seguirão tendo liberdade para priorizar as áreas que julgarem mais importantes.
- A escola pode montar o currículo que quiser, desde que dê conta da legislação. Não somos nós que vamos dizer o que devem fazer. O que não pode é oferecer sete disciplinas extras, e tem escolas que oferecem tudo isso. É uma sobrecarga para a criança - explica a coordenadora.
As escolas que ainda não efetuaram a regularização do currículo devem procurar o Sereei. Terminado o prazo, no fim de dezembro, a Smed enviará ao Ministério Público a relação dos estabelecimentos que não se ajustaram às novas regras. Danielle Bolzan Teixeira, promotora regional da educação de Porto Alegre, diz que as providências a serem tomadas a partir daí ainda estão sendo estudadas.
- Vamos instar as escolas a se regularizarem. O trabalho do Ministério Público é empoderar o Conselho Municipal de Educação - garante Danielle.
* Colaborou Juliana Forner
Consulta ou renegociação
Doutora em Educação, a pedagoga Nara Nörnberg acredita que as atividades extras de arte, esporte e música são fundamentais no processo de formação da criança. Aulas especializadas permitem pausa para distensionamento, promovem o desenvolvimento de habilidades, disciplinam o corpo e reorganizam as emoções - os alunos podem extravasar a raiva ou a agitação, concentrando-se mais nas atividades que virão na sequência.
Para a professora da Unisinos, a decisão de incorporar ou não as oficinas ao currículo exigirá um debate entre pais e proprietários de escolas infantis. Ela sugere que haja uma consulta das instituições de ensino às famílias, para que se chegue a uma decisão sobre quais aulas são fundamentais, passando-
se, depois, à renegociação dos valores, se for necessário - outra possibilidade é a diminuição da margem de lucro do administrador. Segundo Nara, as determinações do Conselho Municipal de Educação devem movimentar um setor já bastante competitivo - se uma escolinha decidir abolir as atividades opcionais, uma concorrente poderá captar os pais insatisfeitos.
- É também uma oportunidade para fidelizar os professores que já estão lá dando as oficinas. Às vezes, eles ficam de escola em escola, em períodos curtos. A fidelização qualifica a oferta da escola e o trabalho dos professores - afirma a pedagoga. - A medida (do Conselho Municipal de Educação) é de qualificação, e toda qualificação tem custo - acrescenta.
Adaptação dos pais e da escola
Diversas escolinhas de Porto Alegre oferecem disciplinas complementares, como música, inglês e educação física, já na grade curricular, como estabelece a resolução. Algumas atividades, porém, ainda são optativas. A Escola de Educação Infantil João e Maria disponibiliza a Oficina do Movimento na modalidade extracurricular para cerca de 50 crianças. Angela Oliveira, coordenadora pedagógica da instituição, afirma que ainda não ficou decidido como a escola se adaptará ao ajuste, mas acredita que os pais serão receptivos.
- Eles ficam um pouco ansiosos, mas acredito que vai ser bem aceitável - projeta.
Na Escola de Educação Infantil Banzé, aulas de balé e judô são pagas à parte. Para a direção da escola, a mudança será significativa demais para os pais aceitarem com tranquilidade. Doze crianças cursam balé, e 11 fazem judô - das cerca de 30 que compõem as três turmas e que poderiam se inscrever, por terem mais de três anos. A coordenadora pedagógica Vanessa Biffi diz que os alunos serão prejudicados:
- Nem todas as crianças querem fazer essas atividades, mas se tirarmos essa opção, as que gostam acabam perdendo. Elas querem poder escolher.
Sara é uma das alunas da turma de balé. A mãe, Deise Rolim, também é contra a medida. Para ela, aumentar a mensalidade por uma disciplina complementar pela qual nem todos têm afinidade é negativo, assim como extingui-la:
- Acho que essas aulas ajudam muito no desenvolvimento, trabalham a concentração e a questão motora. A Sara era bem agitada antes do balé. Agora está mais concentrada, prestando mais atenção.
A Banzé também ainda não definiu como cumprirá com a medida.
Como os pais devem proceder?
O primeiro passo é descobrir que solução a instituição em questão escolherá para se adaptar à norma. Se ainda não tiver sido definido, participar das discussões sobre o assunto pode impedir insatisfações. Se a aula complementar do filho terminar e ela for considerada essencial, uma opção é procurar pelo serviço externamente. Outra possibilidade é trocar de escolinha - por uma que tenha optado por aumentar a mensalidade e manter a atividade como integrante da grade curricular.