Pouco mais de dez hackers se ajuntam em uma sala no 14º andar do Tecnopuc, olhos num telão onde se revezam astronautas e cientistas da Nasa. Porto Alegre e outras 93 cidades deste planeta estão conectadas via videoconferência - hangout do Google, porque não é lugar de lusofonia. A sala é cosmopolita, ornada de post its que penduram inglês pelas paredes, apesar da brasilidade do meu assento, simulacro de arquibancada de estádio.
Satisfeitas as dúvidas (ex.: como a radiação solar prejudica o corpo humano no espaço?), os hackers se retiram para um espaço mais amplo, cortado por mesas compridas, pontilhadas de MacBooks. Agora é hora de separar os times, definir quem irá atacar, próxima madrugada adentro, este e aquele desafio lançado pela agência espacial americana. O nome disso é hackathon, maratona de gente esperta derrubando obstáculos à exploração espacial e à preservação da boa vida na Terra.
Hangout com astronautas para saber quais são as principais demandas dos exploradores do espaço
Cena de sábado, esse arranque de texto. Muita pizza e cafeína depois, Porto Alegre completava, na tarde de domingo, a sua primeira participação no International Space Apps Challenge, entregando três aplicativos para a iniciativa da Nasa, que convida programadores, cientistas, designers e simpatizantes a desenvolver apps de código aberto. Neste ano, o terceiro do evento, foram propostos 40 desafios, distribuídos em cinco temas: tecnologia espacial, viagem espacial tripulada, asteroides, monitoramento da Terra e robótica.
Time do Landslide trabalha madrugada adentro no aplicativo
Em que pesem as geografias, havia apenas quatro porto-alegrenses entre os quase 20 participantes reunidos nos escritórios da ThoughtWorks, empresa que ganhou a bênção da Nasa para hospedar o evento no campus da PUCRS. Separados em três times, talentos de Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Peru e interior do Estado deixaram de lado os habitantes de espaçonaves, preferindo sanar demandas de quem vive cá embaixo.
Dez participantes criaram uma ferramenta para prevenir e remediar desmoronamentos em áreas de risco, drama frequente do verão fluminense. O cidadão alerta quando há excesso de chuva, erosão iminente ou mortes, e o acúmulo de dados em determinado local pode servir para pressionar o poder público a agir. O Landslide foi escolhido para concorrer mundialmente na categoria "melhor uso de hardware".
Natália Arsand trabalhou no design de interface do ClimateHood
Quatro dos maratonistas elaboraram um app que monitora as mudanças climáticas, com direito a projeções para anos vindouros. Um gráfico com a previsão da temperatura calculada conforme a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera pode ajudar a informar se estamos no "caminho certo" na luta contra o aquecimento global. O Climatehood, que seguirá em desenvolvimento, disputará na categoria "uso de dados".
Outros quatro programadores desenvolveram uma nova versão do jogo Flappy Bird, em que a dificuldade depende da força da gravidade na cidade específica escolhida pelo usuário. Como os valores nunca dançam para longe da média do planeta, de 9,8 m/s², o pessoal precisou exagerar nas diferenças para que o pássaro praticamente flutuasse ao saltitar pelo monte Everest, por exemplo. O Gravity Bird vai para o Twitter pleitear o troféu do voto popular.
Uma das organizadoras do evento em Porto Alegre, Tania Silva, do time do Gravity Bird, destacou como ponto positivo o trabalho junto a pessoas das mais diversas procedências. Um estudante de Ensino Médio, por exemplo, estava na ponta dos cascos com as equações de gravitação de Newton.
- Só temos que tomar o cuidado de não mencionar muitos conceitos, tentar traduzir, perguntar se a pessoa já aprendeu certas coisas - disse Tania, mencionando uma eventual dificuldade com não-iniciados em linguagem de programação.
Christian Oliveira, que ajudou na tarefa dos deslizamentos, também vê no aspecto colaborativo um dos maiores trunfos do hackathon:
- A gente tem três, quatro desenvolvedores, e os demais são de outras áreas, alguns não tão ligados à computação, mas todos cheios de ideias e conseguindo fazer algo sair do papel.
Entre os companheiros pouco familiarizados com a arte leve dos softwares estavam Gabriel Novakovski, 17 anos, e Leonardo Denega, 16 anos, que trouxeram de Gravataí uma precoce excelência em mecânica. A dupla faz parte da equipe de robótica FRC TrailBlazers, que já desbancou a própria Nasa em competições de robôs nos Estados Unidos envolvendo mais de 4 mil times do mundo inteiro.
Beneficiados por um programa do governo, Gabriel e Leonardo puderam desabrochar para a mecânica ainda enquanto estudantes do Ensino Médio da rede estadual, por iniciativa de um professor de Física. E foi justamente esse aprendizado ainda fresco que se provou uma mão na roda na hora de traduzir em código o jargão da ciência.
- O software é uma ferramenta para uma aplicação da vida real. Mesmo para fazer um jogo, você precisa de um conhecimento mínimo de física para simular o comportamento do personagem na tela. Por mais que evitemos entrar em detalhes científicos, você tem que saber pelo menos o mínimo. Passamos muito tempo lendo artigos, estudando mesmo - afirmou o programador Guilherme Froes, uma das cabeças por trás do Flappy Bird da gravidade.
Colega de Froes na ThoughtWorks e também organizador do hackathon, Glauco Vinicius saiu do evento com sugestões para a Nasa:
Glauco Vinicius agiliza os últimos retoques do ClimateHood antes da apresentação para os outros times
- Aprendi muito sobre os modelos de previsão meteorológica, mas também pude ver o quão difícil é conseguir esse tipo de dado. Ficamos, no sábado, das 10h às 14h tentando encontrar uma fonte de dados que não tivesse caído. Todos os participantes do SpaceApps estavam baixando das mesmas fontes, e várias não estavam preparadas para esse fluxo. Levamos tempo para entender, também, o que significava cada dado, geralmente registrado em linguagem de cientistas para cientistas - aponta Glauco, indicando que a Nasa poderia fazer uma triagem prévia, oferecendo as informações relevantes em torrents, para não sobrecarregar o servidor de ninguém.
O time de Glauco, responsável pelo ClimateHood, seguiu, conscientemente ou não, uma perspectiva que só agora começa a ser adotada de forma mais intensa pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas, da ONU: a de traduzir o aquecimento global em termos de impactos a populações humanas.
- A ideia é pegar esses dados e transformar em algo que cause impacto, para que as pessoas parem para pensar. O número, sozinho, não é significativo - reconhece Fabio Magalhães, que também assina o ClimateHood.
No balanço final da atividade, além de votar o destino de cada app na competição global, a turma salpicou um painel de post its. Elogios e críticas ao evento. Entre os let downs, a fraca adesão de gente que havia confirmado presença, mas que não apareceu, decerto dando como favas contadas que o fim de semana de trabalho não traria uma compensação. Perderam os thumbs up para o aprendizado, o clima de colaboração, as novas parcerias e um certificado da Nasa que não é para qualquer um: "Resolvedor de problemas galácticos".
Participantes deixaram o Tecnopuc com um certificado da Nasa