Quando foi a última vez que você trapaceou?
Não na magnitude aviltante das sacanagens de Bernie Madoff, Lance Armstrong ou John Edwards, mas na daquele golzinho de mão.
Talvez você tenha arredondado os números de um relatório de gastos, dado uma espiadinha na prova do lado, ou copiado o software caro de algum amigo.
E como você se sentiu depois disso? Talvez se lembre de um nervosismo e de uma pitada de culpa.
Porém, novas pesquisas mostram que enquanto você acreditar que a trapaça não machucou ninguém, é bem capaz que se sinta muito bem ao fazer isso. O desconforto que você se lembra de ter sentido provavelmente não passa de uma lembrança criada por seu sistema moral interno, pela voz do "dever" em sua mente.
O comportamento antiético está sendo cada vez mais estudado por psicólogos e especialistas em administração. Eles desejam entender o que leva as pessoas a abrirem mão de seus valores mais básicos, porque as pessoas parecem trapacear cada vez mais e o que pode ser feito a respeito. Para encontrar uma ferramenta poderosa para ajudar as pessoas a tomarem decisões mais éticas, os pesquisadores se concentraram na culpa que muitos adultos sentem após trapacearem.
Portanto, alguns pesquisadores de ética comportamental ficaram impressionados com as descobertas de um estudo publicado recentemente na revista The Journal of Personality and Social Psychology por pesquisadores da Universidade de Washington, da London Business School, de Harvard e da Universidade da Pensilvânia, intitulado "The Cheater's High: The Unexpected Affective Benefits of Unethical Behavior", (O barato do trapaceiro: Efeitos afetivos inesperados do comportamento antiético, em tradução livre).
"Mostrar pessoas se sentindo bem após cometerem uma transgressão moral é uma novidade", afirmou Scott Wiltermuth, professor assistente da faculdade de Administração da Universidade do Sul da Califórnia, que escreve sobre ética comportamental e não estava envolvido no estudo.
Uma das razões para as trapaças constantes é que "há muitas formas de trapacear anonimamente, especialmente pela internet", afirmou Wiltermuth. O prazer, segundo ele, pode vir de "pessoas recompensando a si mesmas por sua esperteza".
O impacto é real: de acordo com algumas estimativas, a pirataria de software custa 63 bilhões de dólares ao ano às empresas. A Receita Federal dos Estados Unidos relata uma diferença de 345 bilhões de dólares ao ano entre os impostos reais e os declarados, em mais da metade dos casos porque as rendas não são declaradas corretamente e as deduções são exageradas.
Nos experimentos iniciais do estudo, os participantes foram questionados sobre como se sentiriam se cometessem uma trapaça. "Mal", costumavam dizer.
Outro grupo de participantes foi submetido a uma avaliação inicial de estado humor. Em seguida, eles eram submetidos a um caça-palavras. Ao final, recebiam um gabarito e eram instruídos a checar suas respostas e relatar o número de acertos. Para cada resposta correta, eles ganhariam um dólar.
Os participantes não sabiam que os pesquisadores eram capazes de ver quando corrigiam respostas erradas e 41 deles fizeram justamente isso.
A avaliação subsequente do estado de humor mostrou que, em média, os trapaceiros se sentiam mais animados, ao contrário dos participantes honestos.
"O fato de que as pessoas se sintam mais contentes após trapacearem é assustador, já que há um reforço emocional para esse tipo de comportamento, aumentando a probabilidade de que voltem a acontecer", afirmou Nicole E. Ruedy, principal autora do estudo e pesquisadora de pós-doutorado do Centro de Liderança e Pensamento Estratégico da Universidade de Washington.
Então, a pesquisadora e seus colegas removeram o incentivo financeiro. Um novo grupo seria submetido ao teste no computador. Os resultados, segundo disseram, estariam correlacionados à inteligência e à probabilidade de sucesso no futuro.
Entretanto, os 77 participantes foram instruídos a, caso aparecesse uma mensagem que exibisse a resposta correta, ignorá-la e continuar procurando.
Cerca de 68 por cento das pessoas desse grupo trapacearam ao menos uma vez, clicando no botão com a resposta correta. Na avaliação seguinte, o grupo também registrou um aumento no índice de sentimentos positivos.
Por que as pessoas se sentem tão bem ao trapacearem? Elas ficavam aliviadas por não serem pegas? Isso implicaria que elas se sentissem estressadas enquanto trapaceiam. Ou então elas teriam enganado a si mesmas, racionalizando ou minimizando a trapaça para se sentirem melhor?
Eliminando essas possibilidades, os pesquisadores descobriram que os trapaceiros sentiam prazer, autossatisfação e um senso de superioridade.
O efeito persistiu mesmo quando os sujeitos trapaceavam indiretamente. Em um segundo teste, eles deveriam resolver problemas de matemática com alguém que fingia ser outro participante. O falso participante relatava os resultados, elevando a pontuação, de forma a trapacear pela dupla. Contudo, ninguém se levantou contra a prática e, novamente, todos demonstraram contentamento com a situação.
"Ficamos um pouco assustados", afirmou Ruedy.
Os pesquisadores não analisaram se esse "barato" durou pouco. Ainda assim, o sentimento viciante de euforia causado pelas trapaças aponta para a dificuldade de mudar comportamentos, uma vez que o apelo à culpa parece ter se tornado ineficaz.
Uma possibilidade talvez seja remover o manto de anonimato do trapaceiro potencial.
Um estudo publicado no ano passado pela revista The Proceedings of the National Academy of Sciences observou os documentos nos quais a trapaça é comum, como formulários fiscais e seguros de automóveis. Geralmente as pessoas preenchem as informações primeiro - criativa ou honestamente -, atestando a acuidade dos dados com uma assinatura ao final. Entretanto, os pesquisadores enviaram um formulário de auditoria para os clientes de uma seguradora de automóveis, pedindo para que assinassem no início do documento, como se fizessem um juramento antes do testemunho em um tribunal. Esse formulário resultou em um salto de 10,25 por cento na quilometragem relatada, muito embora uma quilometragem maior leve ao aumento no valor do seguro.
Outra solução para os subterfúgios quotidianos, sugeriu Wiltermuth, seria limitar a autossatisfação do trapaceiro. As empresas poderiam enviar mensagens dizendo que "até um chimpanzé seria capaz de alterar nosso sistema", dando a entender que a trapaça não é inteligente e enfatizando o valor da integridade dos funcionários, afirmou.
Ruedy destacou que os trapaceiros do estudo acreditavam que ninguém seria prejudicado por suas ações. "Talvez as pessoas pudessem ser informadas sobre quanto aquilo custa para outras pessoas", afirmou, "identificando as vítimas de seu comportamento".