As salas de aula das universidades e faculdades gaúchas ganharam mais diversidade nos últimos 10 anos. A porcentagem de matriculados que se declararam pretos e pardos mais do que dobrou no período. Em 2014, o grupo representava 6,59% (31.637) dos estudantes de Ensino Superior no Rio Grande do Sul; em 2023, passou a corresponder a 14,02% (82.493). Uma taxa de crescimento de 112,91%.
De acordo com os dados do Censo do Ensino Superior, divulgado em outubro pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o RS possui a quinta maior taxa de crescimento do período entre os Estados.
Também aumentou o número de estudantes que informaram a sua raça. Ou seja, a presença de pretos e pardos poderia estar subnotificada em 2014. Mesmo com essa possibilidade, os números são vistos como positivos por Wagner Machado, doutor em comunicação e integrante do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, Indígenas e Africanos (Neabi) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— Eu acho que (a causa do aumento) podem ser as duas coisas. Estão se declarando mais, porque se sentem mais legitimados para isso. Mas eu aposto mais na questão de que (pretos e pardos) estão adentrando esse espaço com maior frequência. Não tem como eu mensurar que as pessoas não se autodeclaravam em 2014, mas dá para afirmar que tem mais negros hoje (nas universidades) — comenta.
Para exemplificar a afirmação de que existem mais negros nas universidades atualmente, ele menciona a tradicional foto coletiva de pessoas negras na UFRGS. Conforme Machado, a cada ano, o número de pessoas que participam da fotografia aumenta.
Neste ano, a Lei de Cotas completou 12 anos. A política pública é considerada um fator determinante para o aumento do ingresso da população negra, principalmente nas instituições públicas, pelo Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra). Machado aponta outro motivo que contribuiu para o crescimento:
— Eu acho que aumentou muito pela presença da mídia. Por ver pessoas negras em alto escalão, como um cargo de gestão, tu te sente valorizado para estar nesse lugar. Eu estou no lugar de destaque hoje, outras pessoas vão ver e saber que é possível também. Vai muito nesse campo, porque são pessoas, na maioria de 17, 18 anos, que até então não viram os pais na faculdade, não viram os avós se formando. E hoje já mudou esse panorama. Então o contexto social me parece que é favorável para que essas mudanças aconteçam — pondera.
Do ingresso à formatura
O censo traz dados dos estudantes em três grupos: ingressantes, matriculados e concluintes. O de ingressantes foi o que apresentou a menor taxa de crescimento. Em 2014, 7,98% (14.229) das pessoas que começaram o Ensino Superior no RS eram pretas e pardas; em 2023, essa porcentagem subiu para 15,81% (48.058) – a taxa de crescimento foi de 98,18%.
O número de concluintes, ou seja, de universitários pretos e pardos que efetivamente conseguem o diploma, teve crescimento ainda maior. No RS, a taxa de crescimento foi de 157,41%, ou seja, a quantidade de alunos que conquistou a graduação, também, mais do que dobrou em 10 anos. Saiu de 4,5% (2.598), em 2014, para 11,59% (9.430), em 2023, os formandos.
— Sem as políticas públicas, não teria nem acesso e permanência, e a gente não estaria nesse patamar. Elas são uma conquista essencial e só através delas a nossa vida tem sido alterada. Pela educação, com certeza, mas pelas políticas públicas que foram conquistadas pelo movimento negro junto com os políticos — diz Machado.
Pública X privada
Os dados também revelam que o crescimento de universitários negros matriculados em instituições privadas no RS foi mais acentuado. Nelas, a taxa de crescimento foi de 130%, enquanto nas públicas foi de 85% em 10 anos. O mesmo cenário, de taxas maiores nas universidades privadas, se repete nos dados de ingressantes e concluintes.
Para Machado, isso é um reflexo da necessidade de conciliar estudo com trabalho e dos horários dos cursos ofertados pelas instituições públicas, que em muitos casos tomam mais de um turno do dia.
— A minha história vem da PUCRS, justamente porque eu consegui concluir toda a minha graduação de manhã ou de noite. Na pública, não é possível. Tu estuda da manhã até a tarde e, às vezes, até a noite. E o acesso ao trabalho é indispensável para a população negra, porque não dá para subsidiar uma família ou estruturar uma vida digna com bolsa de estudo de R$ 700 — pontua.