Celebrado neste 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra é feriado nacional pela primeira vez em 2024, instituído pela Lei 14.759/2023. A data rememora a morte de Zumbi dos Palmares, líder do maior quilombo do Brasil no período colonial, assassinado em 1695.
A data foi proposta por um grupo de estudiosos e ativistas gaúchos como alternativa à celebração da Abolição da Escravatura, em 13 de maio.
Há 13 anos, o 20 de novembro foi oficializado como Dia da Consciência Negra. No entanto, a data era reconhecida como feriado apenas em seis Estados – Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Rio de Janeiro e São Paulo – e em aproximadamente 1,2 mil cidades.
O caminho para chegar até a instituição do feriado nacional foi longo. A transformação da data em feriado - uma pauta do movimento negro - foi discutida no Congresso, aprovada por lei e sancionada pelo governo federal em dezembro de 2023.
Essa luta faz parte da vida de Antônio Carlos Côrtes. Além de advogado, comunicador, escritor e integrante da Academia Rio-Grandense de Letras, Côrtes é um dos fundadores do Grupo Palmares. Formado por jovens estudantes negros do Rio Grande do Sul em 1971, o grupo mobilizava a luta antirracista e propôs o dia da morte de Zumbi dos Palmares como marco.
O grupo Palmares nasceu durante a ditadura cívico-militar no Brasil, período de 1964 a 1985 em que houve repressão e censura da oposição ao governo, principalmente de artistas, escritores e imprensa.
Como surgiu o 20 de novembro
Foi na Biblioteca Pública do Estado, em Porto Alegre, ao ler o livro O Quilombo dos Palmares, do historiador Edison Carneiro, que Côrtes procurou pela data de nascimento de Zumbi.
— Não descobri (o dia do nascimento), mas descobri a data da sua morte: 20 de novembro de 1695, na região onde hoje é Alagoas — relembra.
Côrtes cresceu entre morros e periferias de Porto Alegre, enfrentando desafios que marcaram sua consciência política e cultural desde jovem:
— Meu pai sempre nos dizia: "não esqueçam os documentos". Para a polícia, todo jovem negro era suspeito. Isso me fez buscar conhecimento, frequentar bibliotecas e entender nossa história — conta.
Junto de Côrtes, integravam o Grupo Palmares o poeta Oliveira Silveira, falecido em 2009 e laureado como doutor honoris pela UFRGS no último ano. Também participavam do Grupo Palmares Ilmo Silva, Vilmar Nunes, José Antônio dos Santos e Luiz Paulo Assis Santos.
— Nos reuníamos em casas ou na Esquina Democrática, em Porto Alegre. Ali debatíamos democracia e políticas públicas para a população negra, que já habitava 85% da periferia da cidade — conta Côrtes.
Em um desses encontros, Côrtes mostrou o livro de Carneiro aos colegas. Então, o grupo propôs o 20 de novembro como alternativa ao 13 de maio - data em que a Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel, pôs fim à escravidão, mas sem prever políticas públicas que garantissem educação e trabalho aos libertados.
O próximo passo dos jovens estudantes seria de divulgar a ideia desse movimento. Eles enfrentaram dificuldades para encontrar apoiadores. Até que um jornalista de um jornal no Rio de Janeiro escreveu, em quatro linhas curtas de um jornal, a ideia dos ativistas sobre considerar o dia 20 como o da Consciência Negra:
— Foi como um rastro de pólvora para os negros brasileiros, especialmente de São Paulo, que em 1978 criaram o Movimento Negro Unificado (MNU) e abraçaram a ideia de começar a discutir e repercutir esse "não" ao 13 de Maio.
A luta hoje
Para o escritor, a decisão pelo feriado é uma conquista nascida de uma luta com uma grande dívida histórica.
— Eu sinto como uma vitória da semente plantada pelo Grupo Palmares lá em 1970. Mas não fico em zona de conforto. Eu vejo que é apenas uma sinalização para continuar a luta buscando reconhecimento de maiores espaços — comenta.
Mesmo com avanços, como cotas raciais e políticas afirmativas, Côrtes lembra que ainda existe muita desigualdade na sociedade. Como exemplo, cita "que (os negros) são os primeiros a serem demitidos e os últimos a serem admitidos".
Ele ainda aponta que a data é para todos, inclusive para aqueles que carregam preconceitos.
— Esse feriado vai abarcar, vai atingir também os racistas. Eles irão usufruir. Não é um feriado só para negros. Eles irão usufruir desse momento. E eu gostaria que eles pudessem refletir sobre o que significa a data. Onde eles escondem o racismo que está dentro deles? — comenta.
O ativista espera que as pessoas pensem sobre o racismo, a segregação racial e o preconceito. Para iniciar essa reflexão, ele afirma: "o racismo é dizer que uma raça é superior à outra".
— Não queremos um dia para descansar ou viajar. Queremos um dia de reflexão, debates e valorização da contribuição negra na construção do Brasil — ressalta.