Conhecido como o poeta da Consciência Negra, Oliveira Silveira vai entrar no rol de agraciados com o título de doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A decisão de homenagear um dos principais nomes do movimento negro gaúcho e do Brasil, tomada nesta sexta-feira (26), representa a primeira vez que a instituição concede esse louvor de forma póstuma.
Além de trazer em seus versos a questão racial, Oliveira Silveira também é um dos nomes que idealizou o Dia da Consciência Negra em Porto Alegre. Ao lado de Antônio Carlos Côrtes, Vilmar Nunes e Ilmo da Silva, fundou o Grupo Palmares, que levantou a discussão sobre a importância de parar de comemorar o 13 de maio, assinatura da Lei Áurea, e passar a celebrar o 20 de novembro, morte de Zumbi. A data, que entrou para o calendário nacional, completou 50 anos neste mês.
A concessão do Honoris Causa a Oliveira Silveira foi proposta pelo Instituto de Letras da UFRGS, onde ele se formou em 1966, quando tirou o diploma de Letras com ênfase em Português e Francês. A data de outorga do título ainda será avaliada. Ao que tudo indica, quem deve receber é a filha, Naiara Silveira.
— É um baita de um reconhecimento. O movimento negro todo está feliz — diz Naiara.
Oliveira Silveira nasceu em 1941, na cidade de Rosário do Sul, na Fronteira Oeste, em uma localidade chamada Touro Passo, na Serra do Caverá. Segundo uma estudiosa do seu legado, a professora Sátira Machado, docente de Culturas Afro-gaúchas da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), ainda pequeno ele já gostava de arriscar alguns versos. Aos 18 anos, mudou-se para Porto Alegre para estudar no Colégio Júlio de Castilhos. Quando ingressou na UFRGS, conheceu a elite intelectual negra e passou a criar maior consciência sobre a questão racial.
Lançou diversos livros de poemas, trajetória iniciada em 1962 com Germinou, editado por ele mesmo e impresso na gráfica da UFRGS. Mas é com a reunião de poemas Banzo, Saudade Negra, que ele afia sua intenção de criticar a situação do negro no país e, principalmente, no Rio Grande do Sul. A obra recebeu menção honrosa da União Brasileira de Escritores em 1969 e virou livro em 1970.
— Ele começa a resgatar, nas suas poesias, nas suas músicas, em várias produções artísticas e intelectuais, a questão da negritude no sul do Brasil — diz a professora.
Oliveira Silveira foi ousado. Propôs, em 1993, uma versão ao Hino Rio-grandense que altera justamente a parte que fala sobre o "povo que não tem virtude acaba por ser escravo". Fazendo menção aos Lanceiros Negros, escravos libertos que lutaram na Revolução Farroupilha, ele adapta a estrofe da seguinte forma:
"Mas não basta p'ra ser livre/ Ser forte, aguerrido e bravo/ Povo que é lança e virtude/ a clava quer ver escravo".
Para Sátira, o Honoris Causa da UFRGS a Oliveira Silveira é uma homenagem que vem tarde, mas que é celebrada como um passo a mais na luta do movimento negro pela igualdade.
— É um reconhecimento de um intelectual negro, formado por essa universidade, uma das maiores universidades do país. É um reconhecimento tardio, mas que se soma ao Honoris Causa da USP ao Luiz Gama, ao Gilberto Gil entrar na Academia Brasileira de Letras — compara.
Leia um poema de Oliveira Silveira
Negro do Sul (publicado no livro Pelo escuro – poemas afro-gaúchos, de 1977)
No sul o negro charqueou
lavrou
carreteou
no sul o negro remou
teceu
diabo a quatro
o negro no sul congou
bumbou
batucou
a negra no sul cozinhou
lavou
diabo a quatro
no sul o negro brigou
guerreou
se libertou
quer dizer: ainda se liberta
de mil disfarçadas senzalas
prisões
diabo a quatro
onde tentam mantê-lo agrilhoado
Conheça a bibliografia do Oliveira Silveira
- Germinou: Poemas. Porto Alegre, 1962;
- Poemas Regionais. Porto Alegre, 1968;
- Banzo, Saudade Negra: Poemas. Porto Alegre, 1970 – Menção Honrosa da União Brasileira de Escritores em 1969;
- Décima do Negro Peão, Porto Alegre, 1974;
- Praça da Palavra, poemas, Porto Alegre, 1976;
- Pelo Escuro – Poemas Afro-gaúchos, Porto Alegre, 1977;
- Roteiro dos Tantãs, Porto Alegre, 1981;
- Poema sobre Palmares, Porto Alegre, 1987;
- Anotações à Margem, Porto Alegre, 1994;
- Orixás – Pintura e Poesia, Porto Alegre, 1995;
- Bandone do Caverá, Porto Alegre, 2008;
- Poemas Antologia, Porto Alegre, 2009