É difícil mensurar o tamanho do estrago provocado por uma catástrofe climática como a sofrida no Rio Grande do Sul, mas não impossível. Com o apoio da ciência, eventos podem ser compreendidos, explicados e evitados mais à frente. Esse cabedal de conhecimento dos pesquisadores ajuda a trazer respostas para os problemas da sociedade. Cabe a ela definir as perguntas. É nisso que acredita o professor Marcos Lélis, do Programa de Pós-Graduação de Gestão e Negócios da Unisinos.
— A academia tem todo um instrumental, uma bagagem de conteúdo e de pessoas que estudam determinado objeto por muito tempo. Quando o problema surge, tem um grupo preparado para responder de maneira eficiente — acredita.
Muitas vezes, é preciso criar uma nova ferramenta, mas que vai partir de anteriores. A ciência está em processo permanente de construção”
MARCOS LÉLIS
PROFESSOR DA ESCOLA DE GESTÃO E NEGÓCIOS DA UNISINOS
Lançando mão de pelo menos 20 anos de estudos, Lélis e os professores pesquisadores Magnus dos Reis e Camila Flores Orth aplicaram quatro métodos estatísticos em dados que a própria equipe levantou para estimar o impacto da enchente no Produto Interno Bruto (PIB) gaúcho.
O estudo, apresentado no começo de junho, aponta uma possível perda de 4,2% do crescimento da atividade econômica até agosto, o que significaria um crescimento nulo, levando em consideração a expectativa de aumento do PIB gaúcho de 4% a 4,5% – o PIB é calculado a partir da soma das riquezas produzidas em uma região e verifica a atividade da economia. Com isso, seriam R$ 27 bilhões a menos movimentados.
As cidades que mais tiveram queda nas atividades econômicas foram Eldorado do Sul, Muçum e Canoas. Em valores absolutos, Canoas teve mais perdas: foram R$ 408 milhões em maio, sendo que a projeção de perda até agosto pode chegar a R$ 909 milhões. Porto Alegre teve a segunda maior queda: R$ 406 milhões em maio e até R$ 859 milhões até agosto.
Além dos números, os pesquisadores trouxeram sugestões para que os gestores públicos tentem minimizar os danos.
– O cientista social só não usa avental. O laboratório dele é a cidade, são os dados, as informações – afirma.
Mestre em Engenharia Nuclear e Planejamento Energético, Marcos Freitas é professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/ UFRJ).
A ciência da mudança do clima está avançada em relação ao efeito estufa e ao aumento de temperatura”
MARCOS FREITAS
PROFESSOR DA UFRJ
Ele entende que pesquisas feitas nas universidades são fundamentais para ajudar na reconstrução das cidades atingidas por desastres ambientais, trazendo informação para a tomada de decisão dos setores público e privado. Freitas coordena o Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais, participou do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas entre 2004 e 2016 e, antes, desenvolveu estudos de vulnerabilidade de clima para o governo estadual do Rio. Também integra a Rede Clima, ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Esses pontos de ligação entre academia e gestão pública fazem com que o conhecimento dos laboratórios sirva como base para a adoção de medidas.
Freitas acompanhou diversos eventos extremos na Baixada Fluminense e na região serrana do Rio, experiência que permite ver os episódios de agora como janelas de mudanças:
— Eventos extremos, como estão acontecendo por aí, também são oportunidades para revisar tudo que já temos, ver as novas estruturas a serem colocadas, alguns planos que estão prontos, e começar a atacar.
Universidade está pronta para ajudar
O professor da Unisinos Marcos Lélis explica que a metodologia para encontrar as respostas para os problemas existentes – em diversas esferas da sociedade – já está dentro da universidade, pronta para ser utilizada quando for necessário. Isso porque, via de regra, as pesquisas acadêmicas criam ferramentas que podem ser aplicadas – muitas vezes com as devidas adaptações – em diferentes situações. Foi o caso do estudo que apontou para o impacto da enchente no PIB do Estado. A modelagem estatística que foi aplicada também é utilizada em outros problemas.
— Muitas vezes, é preciso criar uma nova ferramenta, mas que vai partir de outras anteriores. A ciência está em um processo permanente de construção, nunca sai do nada. É isso que a academia tem que fazer. Se ela é demandada, instigada, ela entrega — explica.
Em relação ao clima, o professor Marcos Freitas, da UFRJ, acredita que o maior desafio dos pesquisadores seja avançar no mapeamento do comportamento das águas no Hemisfério Sul. A questão ainda é um problema em todo o mundo, mas a porção inferior do globo sofre mais com a imprecisão dos dados por ter uma área maior coberta por água.
— Temos que nos precaver em relação a isso, até para que não sejam tomadas ações muito contundentes em detrimento de setores que demandam grande investimento — aponta.
Produção: Padrinho Conteúdo