Foco de projetos de mudanças por parte do Ministério da Educação (MEC), a educação a distância (EAD) brasileira deve passar por transformações, também, no que se refere a sua avaliação. A revisão no acompanhamento dos resultados faz parte de uma reestruturação geral no sistema avaliativo da Educação Superior.
Em entrevista exclusiva à GZH durante sua participação no 25° Fórum Nacional do Ensino Superior Particular (FNESP), em São Paulo, na sexta-feira (29), o diretor de Avaliação da etapa no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Ulysses Tavares Teixeira, defendeu que fazer visitas in loco a todos os polos de cursos que ofertam a modalidade no Brasil é “caro, ineficiente e não traz o resultado” desejado, mas que é possível, sim, pensar em uma forma de monitoramento que aponte, a partir de indicadores de diferentes fontes, que faz sentido mandar uma comissão a um local específico.
A expectativa de Teixeira é que no aniversário de 20 anos do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), celebrado em abril de 2024, já seja possível apresentar resultados que embasarão a reforma necessária.
Quais os desafios na avaliação dos cursos de educação a distância (EAD)?
Sobre a avaliação de cursos na modalidade EAD, a gente tem que lembrar o que já é feito e o que poderia ser feito diferente. Hoje, por exemplo, o Inep já faz as visitas in loco às sedes dos cursos. Lá, os avaliadores têm acesso à documentação dos polos, vão avaliar o projeto pedagógico do curso, que é o mesmo da sede dos polos, o corpo docente, que é o mesmo. Mas, hoje, eles não estão indo presencialmente em cada um dos polos. Esse é um desafio logístico impossível, porque nós temos cursos com polos em mais de mil municípios no Brasil. Na minha apresentação aqui eu falei do nosso desafio. Provavelmente, vamos fazer 10 mil avaliações in loco neste ano.
O que já seria um recorde, visto que, em 2022, o senhor disse que foram feitas cerca de 8 mil visitas in loco, o maior número da história.
Sim, já seria um recorde. Se a gente tiver que fazer dos 43 mil cursos e dos mais – esse número eu vou chutar – 50 mil polos, aí vira uma máquina infernal, para trazer um resultado muito pequeno, porque a gente já tem muitas informações dos polos colhidas pela avaliação in loco. Os alunos de todos os polos estão fazendo as provas do Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) e estão respondendo a um questionário em que avaliam o processo formativo. Então, eles avaliam, sim, como é a infraestrutura, como são os professores, como é a didática, se a avaliação estava adequada e tudo mais. A gente tem o Censo da Educação Superior, que coleta informações também dos polos. Então, nós temos uma infinidade de informações sobre os cursos a distância e sobre os cursos presenciais. Agora, não significa que a gente não possa melhorar. Toda a proposta que eu coloquei na discussão aqui, hoje, foi justamente de fazer uma avaliação que consiga capturar mais especificidades de cada tipo de curso e de cada missão institucional. É claro que os cursos da modalidade EAD têm uma especificidade, e a gente pode começar a captar isso melhor do que nós estamos captando hoje. Agora, eu vou frisar, porque essa é uma demanda recorrente: fazer visitas a todos os polos é caro, ineficiente e não vai trazer o resultado que a gente quer. Eu sei que tem denúncias, “ah, o polo está funcionando em situações muito precárias e tal”, as pessoas falam, até contam histórias assim, “ah, é em cima do posto de gasolina, é não sei o quê". Mas vamos lembrar uma coisa: se tem alguém fraudando o sistema, o problema não é a avaliação do sistema, o problema é o fraudador. Se você sonega o seu imposto de renda, o problema não é a Receita Federal, é você que está cometendo uma ilegalidade. Isso é um caso de supervisão ou, eventualmente, de polícia, mas não um caso de avaliação. A avaliação tem que dar evidências suficientes para a tomada de decisão. Então, eu acho que, das evidências hoje produzidas, muitas estão sendo, talvez, mal aproveitadas, mas, mesmo assim, da perspectiva do Inep, a gente entende que há, sim, espaço para aperfeiçoamento e para a gente trazer evidências mais detalhadas da realidade desses cursos.
O senhor se referiu aos resultados do Enade, que trazem respostas dos próprios estudantes sobre a infraestrutura dos cursos. No entanto, esse exame ocorre apenas no final da graduação, ou seja, alguns anos depois do início das atividades letivas. Como se resolve esse gap?
Esse dado do estudante a gente coleta, realmente, só do concluinte, quando ele está fazendo a prova do Enade, mas o Inep também coleta o dado do Censo da Educação Superior, que é anual.
Não é que o coordenador do curso tem que se adaptar à avaliação. A avaliação é que tem que captar o que a instituição está fazendo.
ULYSSES TAVARES TEIXEIRA
Diretor de Avaliação da Educação Superior do Inep
Mas os dados do Censo são declarados pela própria instituição.
Sim, é um dado declarado pela instituição, mas que já nos permite um tipo de monitoramento. Eu estou falando “nos permite” no sentido de governo federal ou de sociedade civil, quem quiser acompanhar. Dá para a gente pensar num sistema de, vamos dizer assim, gerenciamento de riscos que aponte, “olha só, a partir de todos esses indicadores coletados de diversas fontes, faz sentido eu mandar uma comissão” ou para avaliar, ou para supervisionar, que aí é uma espécie de auditoria mesmo, não é mais avaliação no sentido formativo, para aperfeiçoamento da instituição, mas no sentido de que vale a pena ir naquele lugar específico. Aí, sim, é um sistema inteligente, mais racional, que não precisa mandar todo mundo para todos os lugares, todos os anos, porque, senão, também a avaliação, se ela for incisiva nesse ponto, ela engessa, e ninguém pode fazer mais nada diferente do que eu estou dizendo que vai contar para a avaliação. Então, pense, por exemplo: o meu curso é de Engenharia Mecatrônica, o coordenador do curso acabou de voltar de Harvard, ele passou tantos anos numa empresa de ponta em Los Angeles, chega e fala assim, “nossa, eu quero trazer uma disciplina completamente inovadora aqui para os meus estudantes, porque eu sei que o mercado está precisando”. Não pode. Se a gente estiver com a avaliação lá em cima, dizendo que não pode sair nenhuma vírgula da linha do que está prescrito, você não vai poder fazer isso, porque não vai cair no Enade, você tem outras disciplinas obrigatórias, e essa disciplina não vai ser permitida. Não acho que esse seja o objetivo, e a gente nunca vai conseguir controlar tudo. A ideia é que as instituições tenham autonomia. Nós temos um sistema de avaliação. Não é um único instrumento, um único resultado. É um sistema composto. Então, tem as avaliações in loco, tem o Enade, tem os indicadores que a gente quer diversificar, tem o feedback dos estudantes. E, claro, a partir disso tudo, a gente tem que chegar em um nível em que se fala, ok, a gente confia nas instituições e, agora, façam o trabalho de vocês.
Quando a diversificação dos indicadores da avaliação do Ensino Superior deve ser feita?
Essa é uma proposta que a gente está colocando na mesa, de forma mais detalhada, nos últimos meses. O Inep tem a missão de continuar fazendo a avaliação como está regulamentada hoje. A nossa equipe é dimensionada para fazer um décimo desse trabalho. Então, eu tenho uma equipe de super-heróis (risos). Daí a levantar a cabeça, respirar e falar “agora nós vamos mexer e aperfeiçoar e fazer as mudanças necessárias”, isso é lento. Mas o Inep, mesmo que tivesse todas as condições possíveis, não deveria, na minha visão, propor a mudança sozinho. Eu acho que isso tem que ser feito junto com as instituições. Por quê? Porque eu estou falando de uma mudança que precisa passar a reconhecer melhor o que as instituições estão fazendo. É aquela história: não é que o coordenador do curso tem que se adaptar à avaliação. A avaliação é que tem que captar o que a instituição está fazendo. E, aí, quem sabe o que está sendo feito são as instituições. A nossa ideia é essa: fazer uma construção coletiva, compartilhada, democrática, a muitas mãos, porque se eu tirar da minha cartola e falar “a partir de amanhã começa a funcionar assim”, isso estará restrito à minha familiaridade.
Haverá uma consulta pública a respeito?
Não, isso é algo que a gente já está fazendo. A gente já tem contato com vários grupos de pesquisa, porque a gente mandou um ofício circular para todas as instituições do país para mapear grupos de pesquisa de qualquer uma dessas áreas. Não precisa ser uma solução geral: se um grupo tem um indicador de acompanhamento do egresso feito de determinada forma, ótimo, pode ser só isso. Já é diferente do que a gente está fazendo. Então, fizemos esse mapeamento e estamos em contato com alguns grupos. Estamos também fazendo alguns encontros regionais. Nós, do Inep, já fomos, por exemplo, para a região Norte. Fizemos um evento em Belém no final de agosto e reunimos lá mais de 60 instituições públicas e privadas para discutir questões específicas de aperfeiçoamento, também, e eles trazerem a realidade deles. Vamos fazer isso nas outras regiões do país também.
Já há data para esse encontro acontecer na região Sul?
Ainda não está marcado, mas vamos fazer também e divulgar os convites. E estamos também em contato com algumas universidades. Como uma autarquia federal, é mais fácil, menos burocrático para a gente, fazer alguns convênios com universidades públicas. Então, estamos fazendo alguns convênios, por exemplo, com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com um grupo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com a Universidade de São Paulo (USP), para que eles agrupem pesquisadores e consigam entregar estudos com proposições para todos esses indicadores que nós estamos pensando.
O prazo de apresentação dessas mudanças vai depender do ritmo dessas instituições, então?
Vai depender do ritmo das instituições, não só do nosso. E aí, conforme a gente for tendo esses resultados, o que for simples, “olha, esse é um indicador legal”, em que a gente vai publicar só uma nova estatística, mas que já ajuda a jogar a luz sobre outros aspectos da Educação Superior, a gente já vai divulgando. Aquilo que for mais polêmico ou depender de uma análise sobre o uso daquilo nas políticas públicas, essa é uma discussão que não dá para fazer sem as instituições. Aí, a gente vai ter que continuar nesse debate.
Haverá um momento em que todas as transformações serão definidas?
Eu acho que a gente tem que aproveitar que estamos diante de uma janela de oportunidade. É um governo mais aberto ao diálogo com as instituições, as instituições estão muito mais dispostas a trabalhar em conjunto. E aí, principalmente, no dia 14 de abril de 2024, o nosso Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior) completa 20 anos. Então, eu gostaria muito de, no aniversário do Sinaes, falar assim, “olha só, nós já conseguimos apresentar esses resultados e estamos no caminho para fazer esses tipos de mudanças”. E, aí, as mudanças vão sendo graduais. Se eu for esperar ter tudo para poder finalmente divulgar, isso vai demorar décadas.