“Klaas” (copo), “kesang puuch” (hinário) e “hols xlape” (tamanco de madeira) foram alguns dos itens escolhidos pela professora Andrea Schunck para a aula do 5º ano da Escola de Ensino Fundamental Bernardo Lemke. Em Nova Hartz, no Vale do Sinos – região onde chegaram os primeiros imigrantes germânicos –, uma lei municipal prevê o ensino da variedade germânica Hunsrückisch do 1º ao 5º ano. Com a expansão e o passar dos anos, a língua alemã já não é ouvida com tanta frequência nas ruas da cidade. A iniciativa busca, justamente, evitar que a cultura se perca, ao incentivar o ensino e valorizar os antepassados.
A língua alemã faz parte da herança germânica trazida pelos imigrantes para o Rio Grande do Sul, que completa 200 anos na quinta-feira (25). Embora o número tenha diminuído, dezenas de escolas públicas ainda preservam essa tradição e adotam o alemão na matriz curricular como língua estrangeira, antes mesmo do aprendizado do inglês.
O Ministério da Educação (MEC) informou à reportagem de Zero Hora que não sabe quais escolas têm alemão no currículo. Segundo a Secretaria da Educação do RS (Seduc), 13 escolas estaduais oferecem a língua. No Vale Germânico, são seis cidades, com 45 escolas públicas. Em alguns municípios, há escolas que deixaram de oferecer alemão na rede pública, como Aceguá, Panambi e Novo Hamburgo, conforme o Goethe-Institut Porto Alegre.
Criado em Santa Maria do Herval, o Projeto Hunsrik Plat Taytx busca manter viva a identidade e a cultura do povo germânico por meio da língua –uma língua é considerada viva enquanto houver crianças falantes, conforme Solange Johann, coordenadora do projeto. Nova Hartz aderiu ao projeto em 2019 e é o município com o maior número de escolas (7) e alunos participantes. Quando começou a ter aulas na Escola Bernardo Lemke, Rafaela Vicente, 11 anos, passou a poder se comunicar melhor com a família.
— Acho muito interessante, porque a gente pode aprender uma língua nova que a gente não tinha contato. A minha avó confunde bastante o português e o hunsriqueano, e muitas vezes não entendo o que ela diz. Aprender é uma ótima experiência para eu entender — relata a aluna, que hoje já consegue trocar cumprimentos com a avó.
A oferta do idioma e suas oportunidades
Coordenadora da Subcomissão Língua Alemã do Bicentenário da Imigração Alemã e presidente da Associação Riograndense de Professores de Alemão (Arpa), Celia Heylmann avalia que a carga horária já foi maior no currículo das escolas públicas, resumindo-se, atualmente, a um período semanal – nas escolas particulares, por outro lado, a carga é maior. A professora também aponta a falta de docentes nas públicas, o que afeta a oferta de aulas.
O Hunsrückisch, principal variedade do alemão no RS, tem sido cada vez menos falada nas famílias, segundo Célia. A coordenadora relaciona a diminuição a fatores históricos, como a vergonha que já existiu de falar variedades da língua e a proibição do alemão durante a Segunda Guerra Mundial.
A última geração agora, que está na escola, pouquíssimos ainda falam a língua alemã. Já é um prejuízo para a língua. Mas os que falam ainda têm uma ajuda muito grande para conseguir uma proficiência, ir para a Alemanha e se comunicar bem.
CELIA HEYLMANN
Coordenadora da Subcomissão Língua Alemã do Bicentenário e presidente da Arpa
Além da questão cultural e de herança dos antepassados – fortes, sobretudo, nas escolas privadas da Rede Sinodal –, a presidente da Arpa avalia que as instituições oferecem a língua alemã por ser moderna, amplamente falada na Europa e por permitir amplas oportunidades em termos de estudos, trabalho ou, simplesmente, de conhecimento.
Diretor de Ensino do Goethe-Institut Porto Alegre, Adrian Kissmann observa que existe um grande número de escolas de Ensino Fundamental que oferecem a língua alemã, principalmente municipais. No Ensino Médio, porém, há poucas. Kissmann também ressalta que há mais oferta da língua em escolas públicas do que privadas (com exceção do Ensino Médio). Além disso, o ensino já se expande para além de recantos de colonização germânica.
— A gente percebe uma diminuição do número de escolas em relação ao último censo que foi feito em 2020. Os dados estão sendo coletados agora, mas um dos motivos que as escolas estão justificando é o novo currículo, que não prevê muito espaço para outros idiomas — destaca.
Se, por um lado, a presidente da Arpa vê prejuízo no rendimento nas provas de proficiência em função da diminuição da carga horária, a percepção do instituto é a de que há um aumento na qualidade do ensino nas escolas que decidem pela manutenção da oferta. Dezenas de escolas públicas conquistaram, em 2023, mais de 98% de aprovação nas provas internacionais de proficiência oferecidas pelo instituto em parceria com prefeituras e entidades de Nova Petrópolis, Ivoti, Forquetinha, Picada Café, São Lourenço do Sul, Porto Alegre, Dois Irmãos, Westfália, entre outras. Nas escolas particulares, os destaques são Teutônia, Porto Alegre, Carazinho, Santa Cruz do Sul, Ijuí, Santa Rosa e Três de Maio.
Tradição no alemão
Em Nova Petrópolis, na Serra, a língua ainda é presente e ensinada nas escolas públicas. Em 2010, foi criada uma lei que regulamenta o ensino do alemão padrão do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Embora seus avós se comuniquem praticamente apenas em alemão, o aluno Lucas Simon, 14, só foi ter as primeiras experiências na língua no 3º ano, ao se transferir de uma escola particular para a Escola Municipal Luiz Loeser. Agora, já conseguiu desenvolver boas habilidades de comunicação. Sua parte favorita da aula são, justamente, as interações e diálogos.
— É uma oportunidade muito grande que a gente tem na escola. Acho que quem se compromete a estudar, tem muita coisa boa para extrair da aula — destaca o jovem.
Os alunos são participativos, tanto em aula quanto em concursos culturais, destaca a professora de alemão Daiana Krauspenhar. A escola também promove concursos de leitura em alemão e suas variedades. Conforme Daiana, a língua é importante para as crianças em termos de identidade cultural germânica, conhecimento e de desenvolvimento do aprendizado.
— É importante para eles terem um plus, porque o inglês todo mundo tem de saber — acrescenta.
As principais variedades no RS
Linguista, professor e pesquisador do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Cléo Altenhofen define a língua como um conjunto de variedades. Ele ressalta que o alemão que veio com os imigrantes não é um só: eles vieram com competências diversas, incluindo variedades e a norma padrão (parcial ou plena). No RS, as principais variedades são o Hunsrückisch (língua de imigração mais falada no Brasil, conforme o especialista), pomerano e vestfaliano (“Sapato de Pau").
O professor considera “incrível” que as variedades ainda se mantenham, e com configuração ainda próxima das línguas na Europa. Porém, elas sofreram transformações desde que chegaram ao Brasil – as maiores são derivadas da influência do português, da preservação de estruturas arcaicas e da influência do contato entre variedades. Portanto, elas são conservadas ao mesmo tempo que inovam. Quem fala as variedades, em geral, consegue entender o alemão.
— Eu vejo que as línguas de imigração têm uma vitalidade linguística muito grande. Principalmente no Rio Grande do Sul. É o Estado com o maior número de bilíngues. Mas, de uma geração a outra, houve grande perda — avalia o linguista, destacando que, apesar de ainda haver muitos falantes, há necessidade de acompanhamento.
Há programas que buscam preservar as línguas, como a Política do Inventário Nacional da Diversidade Linguística, liderada pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan) – e o Brasil é referência no assunto.