Trabalhar com pesquisa científica nas escolas não é o mesmo que empurrar os alunos para profissões ligadas a ciência e pesquisa, mas algo que traz benefícios à educação e deveria ser parte fundamental do processo de aprendizagem. É isso que pensam Sarah Lloyd e Christopher Jarvis, pesquisadores do Museu de História Natural da Universidade de Oxford, no Reino Unido, que estão em Porto Alegre para trocar experiências educacionais com professores brasileiros.
Em entrevista para GZH, eles explicaram o papel da pesquisa no desenvolvimento de estudantes na educação básica. Para os especialistas, o espírito da ciência deve ser levado às escolas não somente em termos de currículo e sala de aula, mas também nas práticas do dia a dia.
Trata-se de uma tendência em crescimento no Brasil, embora a implantação dessas atividades seja um desafio para escolas. Segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o uso do método científico e a elaboração de pesquisa científica em sala de aula são instrumentos para melhorar a aprendizagem, garantindo a inovação e contribuindo para a transformação social.
Sarah Lloyd é diretora de educação no museu da Universidade de Oxford. Ela supervisiona um programa de aprendizagem para adultos, famílias e estudantes secundaristas e é especializada em aprendizagem da ciência para pessoas em idade escolar. Jarvis é gerente de educação para escolas primárias e adultos, coordenando programas de atividades educativas no museu que incluem palestras e eventos.
Eles vieram a Porto Alegre a convite do Colégio Farroupilha, para dialogar com profissionais da escola e conhecer projetos científicos dos alunos. A dupla participará das Mostras Farroups 2023 neste sábado (30). O evento reúne a 16ª edição da Mostra do Conhecimento e a 18ª edição da Mostra do Conexão Ciência, em que os alunos apresentarão projetos científicos que desenvolveram ao longo do ano. Estudantes do 6º ano até o 2º ano do Ensino Médio participam da atividade. Confira a entrevista completa a seguir.
Como a ciência deve ser abordada em sala de aula? Que tipo de ações e projetos podemos desenvolver para instigar os jovens?
Sarah Lloyd - Aprender ciência não é só sobre desenvolver projetos científicos e seguir uma profissão ligada à pesquisa, necessariamente. É sobre aprender explorando, desenvolver a curiosidade e aprender a formular perguntas mais aprofundadas em sala de aula. Pode ser algo muito divertido, não só para as crianças, mas para adultos também. Para que se sintam felizes com a área da pesquisa e se interessem por ela, os alunos precisam ter contato com pessoas envolvidas na ciência. Quanto mais conhecemos essas pessoas e seus trabalhos, mais enxergamos a ciência ao nosso redor e a importância dela.
Que estratégias e abordagens pedagógicas são utilizadas pela Universidade de Oxford para conduzir os projetos?
Chris Jarvis - Uma abordagem que temos utilizado bastante é object-based learning (educação baseada em objetos). A cognição e a memória do toque, ou seja, a memória tátil, estão intimamente ligadas. Essa é uma das principais formas de evolução. Muitos animais aprendem através do toque e da manipulação de diferentes objetos, por exemplo. Por isso, criamos esse método, em que damos objetos às crianças e as ajudamos a estruturar perguntas. Podemos usar um fóssil do primeiro dinossauro voador, por exemplo. Ao pegarem o fóssil, elas notarão que esses dinossauros tinham dentes. Se as instigarmos, elas lembrarão que os pássaros atuais não têm dentes. Entender esse processo evolutivo e como chegamos às aves sem dentes é algo complexo, são perguntas difíceis, mas eles são capazes de fazer essas associações. Com essa metodologia, os jovens vão entendendo as perguntas que fazem mais sentido.
Como funcionam os programas promovidos pelo museu, na prática?
Sarah Lloyd - Temos um programa de aprendizagem que trabalha com crianças desde os primeiros anos escolares até alunos de 19 anos de idade. Dividimos as atividades em sessões de aulas formais nas escolas e visitas aos museus e laboratórios da universidade. São oportunidades para os jovens experimentarem o museu, as coleções e as instalações, além de conhecerem as pessoas que trabalham lá, que podem servir de inspiração. Muitos desses passeios acontecem nos finais de semana, inserindo essas atividades no dia a dia deles, e não somente no contexto escolar.
Qual é o papel desse olhar científico na educação? Como isso contribui com o desenvolvimento dos jovens?
Chris Jarvis - Atuar com projetos científicos é uma oportunidade a que todo mundo deveria ter acesso, independentemente das condições financeiras, das habilidades e de suas relações com a família. Essas práticas podem dar aos jovens a capacidade de lidar melhor com o mundo, garantindo competências como o olhar crítico. Hoje em dia, as crianças estão sempre sobrecarregadas de informações e de diferentes versões sobre um mesmo fato, como a questão das mudanças climáticas. Esse filtro crítico que a ciência nos fornece permite analisar as evidências e tomar decisões melhores, baseadas em fatos, tornando o mundo um lugar melhor. Em termos de aprendizagem, isso é muito importante.