Alunos afirmam que houve falha na comunicação de ofertas de bolsas para cursos na Fadergs e UniRitter, em Porto Alegre. Segundo eles, os descontos nas mensalidades - que variam entre 60% e 90% - não valem para a rematrícula, assim chamada a primeira parcela do semestre letivo nas duas faculdades.
A necessidade de pagar a taxa integral a cada nova etapa da graduação não teria sido informada, de forma clara, por atendentes da faculdade, diz o grupo. A divergência causou cobranças até quatro vezes maiores do que as mensalidades, desde o segundo semestre do ano passado.
Somado a isso, os estudantes também reclamam que os contratos não indicam o percentual da bolsa concedida: o desconto é dado à parte, por meio de um cupom. O Facilita, um programa de parcelamento da matrícula, é outro alvo de queixas, pois, conforme o grupo, as faculdades também não são claras quanto ao benefício dado antes do início dos estudos.
A Fadergs e a UniRitter foram compradas em 2021 pela Ânima Educação, uma rede privada dona de 27 instituições de ensino no país e com 400 mil alunos na rede.
Em notas a GZH (leia a íntegra no fim desta reportagem), as faculdades esclareceram que as bolsas não são aplicadas no boleto de rematrícula, "conforme previsão contratual prevista no documento assinado pelos estudantes". Além disso, assegura que "todos os critérios adotados na Política de Bolsas da instituição estão disponibilizados no ato da matrícula/rematrícula, bem como na plataforma digital do Ulife (sala virtual do aluno na internet)".
Mobilização de alunos
As queixas resultaram na organização de dois grupos pelas redes sociais: no da UniRitter, há 213 participantes; no da Fadergs, 253. A comissão que organiza as manifestações mapeou que 133 alunos de diversos cursos da Fadergs receberam o valor cheio da rematrícula para o segundo semestre deste ano, o que, segundo eles, não era o esperado. Já o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UniRitter estima número maior:
— Temos cerca de 200 estudantes da UniRitter que vêm sofrendo com isso. Basicamente todos que entraram a partir do primeiro semestre de 2022 por bolsas da própria instituição estão passando por isso. Os estudantes começaram a reclamar a partir da metade do ano passado (2022), no período da rematrícula, quando foram pegos de surpresa ao serem informados de que suas bolsas não cobriam a rematrícula — diz Ryan Rodrigues, tesoureiro do diretório.
Por esse motivo, no segundo semestre de 2022, os alunos acionaram o Ministério Público Estadual (MPE). À época, o grupo alegou que "não há transparência nas comunicações realizadas pela instituição de ensino ao modificar a modalidade presencial dos seus cursos e questões relativas às bolsas dos alunos calouros de 2022.1 (primeiro semestre de 2022)". O grupo alega "propaganda enganosa por não estarem sendo concedidas bolsas nos termos contratados".
Ao MPE, a Ânima Educação respondeu seguir o acertado em contrato com os estudantes de Porto Alegre: "[...] a UniRitter esclarece que em outras instituições do grupo Ânima, fora do Rio Grande do Sul, existiram campanhas de bolsa diferentes da proposta pela UniRitter, e isso pode ter dado gênese a eventual falha de comunicação. Todavia, isso não passou de equívoco de informação, uma vez que a UniRitter manteve a proposta veiculada, de incidência da bolsa em todas as mensalidades do curso, tendo inclusive a grande maioria dos estudantes se rematriculando (cerca de 80%) e com as respectivas bolsas."
O expediente foi arquivado porque não houve resposta dos alunos no tempo determinado pelo MP.
Maria Eduarda Rosa Ramos, 20 anos, é uma das estudantes que se dizem prejudicadas com a divergência nos boletos na UniRitter. A jovem afirma ter contratado uma bolsa com 60% de desconto para o primeiro semestre de 2022 no curso de Arquitetura.
— Quando entrei na faculdade foi prometido que o valor ia continuar sempre o mesmo (até o fim do curso) — diz.
Segundo ela, as mensalidades eram no valor de R$ 1.028,80, por conta dos 60% de desconto. No pagamento do segundo semestre de 2023, porém, o boleto indicou desconto de 42%, o que gerou conta de R$ 1.491,76, que, conforme Maria Eduarda, não foi justificado. A estudante preferiu deixar a UniRitter e buscar outra instituição para seguir os estudos no segundo semestre.
O que dizem os contratos
Estudantes das duas faculdades reclamam que não há detalhes sobre as bolsas nos contratos. Isso ocorre no termo de Maysa Heller Northfleet, 35 anos, estudante de Psicologia da Fadergs, ao qual a reportagem teve acesso. A instituição lista os três tipos de bolsas disponíveis aos alunos, mas não dá informações sobre qual foi a contratada por Maysa. Esses dados, segundo o documento, devem ser acessados na "Política de Bolsas" no Ulife, a sala de aula virtual da faculdade.
— Essa política de bolsas não estava no sistema quando fiz minha matrícula em dezembro (de 2022). No meu contrato também não discrimina qual bolsa eles me deram. Só posteriormente isso aconteceu: foi aparecer no sistema (Ulife) agora, em julho — diz Maysa.
Assim, o desconto foi concedido por meio de um voucher (cupom): esse foi o mesmo procedimento adotado por todos os estudantes ouvidos por GZH. Maysa Heller Northfleet, 35 anos, conta ter notado falhas na comunicação da Fadergs após ingressar no curso de graduação em Psicologia no segundo semestre de 2022. À época, ela diz ter sido informada por um atendente de que a bolsa era válida para toda a graduação.
— Muitas pessoas não sabem que a cada seis meses tem que pagar a rematrícula. Então isso (a falha na comunicação) induz ao erro. No meu caso, em momento nenhum foi explicado que a cada seis meses eu teria uma rematrícula e que ela não se aplicava à bolsa. Eles venderam uma coisa, que, na prática, foi outra — desabafa a estudante.
Situação similar ocorreu com Manoela Carraba Northfleet, 43 anos, irmã de Maysa. A estudante entrou no curso de Psicologia no segundo semestre do ano passado, com uma bolsa de 80% de desconto, que lhe resultava em uma mensalidade de R$ 520 na Fadergs.
— Quando fui fazer a rematrícula em julho (de 2023) veio um boleto com valor integral, de R$ 2.378, que surpreendeu a mim e a 100% da faculdade. Várias pessoas receberam cobranças com o dobro, o triplo das suas bolsas. Alguns alunos receberam descontos, outros não. Não tem nenhuma lógica — pontua.
Além da rematrícula, o grupo de alunos alega que as faculdades não são claras com a política do Facilita, um incentivo financeiro oferecido pela Fadergs e UniRitter para a matrícula inicial em cada curso. O encargo é pago de forma parcelada.
O tempo para quitá-lo varia conforme a oferta: pode ser dividido em 12 ou 30 vezes, por exemplo, e é uma forma de o estudante não pagar o valor integral da matrícula antes de iniciar os estudos. As parcelas do Facilita são acrescentadas ao valor do boleto da mensalidade. Se o estudante decidir trancar o curso, deverá pagar à vista o parcelamento restante. Isso, para os alunos, não é explicado na comunicação das faculdades.
— Nunca vi o contrato desse Facilita. As pessoas entram e contratam isso sem saber. Eles (faculdade) ficam te prendendo com aquele valor, te condicionam a ficar até o fim do curso. Porque, se quiser sair, tem de pagar à vista (a matrícula) com juros. Quando fui pedir o cancelamento, a atendente disse que eu devia em torno de R$ 5 mil desse Facilita. Alguns colegas que fizeram um semestre estão devendo R$ 6 mil, R$ 8 mil — acrescenta Manoela.
Elder dos Santos, 40 anos, é um dos que lidera o grupo de estudantes que protestam contra as divergências nas cobranças da Fadergs. O coletivo fez uma manifestação em frente à faculdade, no centro da Capital, no último dia 10. Elder ingressou no curso de Psicologia no segundo semestre de 2022, com uma bolsa de 75% de desconto que, segundo ele, não foi válido para a rematrícula em julho.
— Veio um boleto de R$ 2.266, depois mudou para R$ 1,8 mil e, por fim, R$ 1,1 mil. Após a manifestação em frente à instituição (no último dia 10), foi aplicado o valor correto com o desconto — relata Elder, que optou por não seguir na Fadergs.
Procon e Defensoria
Na semana passada, alunos da Fadergs e UniRitter buscaram ajuda da Defensoria Pública do Estado para resolver a situação. Uma conversa envolveu alunos, defensores públicos e representantes das faculdades.
— Estamos aguardando mais informações dos alunos. Depois, vamos analisar e compartilhar também com a Fadergs e UniRitter para resolver essa situação. Nossa intenção é buscar uma solução extrajudicial — comenta Rafael Magagnin, defensor público.
O Procon de Porto Alegre também foi acionado e disse, na segunda-feira (24), que atuará na questão.
— O fornecedor (as faculdades) tem 10 dias para responder à reclamação. Veremos o que eles vão dizer e decidir se abriremos um processo sancionatório (para punir). Nossa prioridade é persuadi-lo a fazer um acordo e resolver o problema dos consumidores — explica Wambert Di Lorenzo, diretor do Procon de Porto Alegre.
GZH questionou o Ministério da Educação (MEC) sobre a reclamação dos alunos das duas faculdades, mas a pasta não havia respondido até a publicação desta reportagem.
Faculdades compradas
Em 2021, a Ânima Educação comprou a Fadergs e a UniRitter, que pertenciam à Laureate Brasil. A transação foi de R$ 4,4 bilhões. Outro investimento foi feito no Estado em 2022: a MedPós foi adquirida pela IBCMed, instituição voltada para a formação de médicos de diversas áreas que integra a Inspirali, braço de medicina da Ânima. O balanço do primeiro trimestre deste ano informa que a empresa tem 400 mil alunos.
Fadergs e UniRitter emitiram estes comunicados à reportagem de GZH sobre a reclamação dos alunos. Leia abaixo na íntegra:
Fadergs
"A Fadergs possui amplo programa de bolsa de estudos, com o objetivo principal de facilitar o acesso à educação de qualidade a uma quantidade maior de pessoas. Todos os critérios adotados na Política de Bolsas da instituição estão previstos em contrato firmado com seus estudantes, disponibilizado no ato da matrícula/rematrícula, bem como na plataforma digital do ULIFE. Sobre o programa Facilita, é importante esclarecer que não se trata de um programa de bolsa nem de financiamento, mas sim de uma campanha de parcelamento, com regulamento próprio, que pode ou não ser contratada pelos estudantes durante o período de realização da matrícula.
Ao optar pelo cancelamento, o estudante precisa levar em consideração o valor residual do período que já estudou e que seria pago via parcelas futuras. Importante destacar que descontos aplicados sobre a parcela de matrícula e rematrícula no primeiro semestre de 2023 se deram por mera liberalidade da instituição em campanhas específicas do período. Por fim, a Fadergs reforça que mantém o canal aberto ao diálogo com toda a comunidade acadêmica."
UniRitter
"Em atenção às dúvidas enviadas pela GZH, a UniRitter esclarece que: Conforme a Política de Bolsas da instituição, as bolsas institucionais, denominadas "Pra Você", não são aplicadas no boleto de rematrícula. Ou seja, os alunos bolsistas têm direito ao desconto nas mensalidades após efetuar sua rematrícula (com valor integral), conforme previsão contratual prevista no documento assinado pelos estudantes. Importante destacar que o documento está disponibilizado ao aluno como anexo ao próprio contrato de prestação de serviços educacionais formalizado com a instituição.
Também encontra-se disponibilizado na plataforma ULIFE - ambiente virtual de integração que permite ao aluno organizar toda a vida acadêmica. Sobre o programa Facilita, a instituição esclarece que não se trata de um programa de bolsa ou de financiamento, mas sim de uma campanha de parcelamento diferenciado para as primeiras mensalidades do curso contratado, que tem como objetivo facilitar o ingresso do estudante no ensino superior.
Ao cancelar ou trancar sua matrícula, o estudante será cobrado pelo valor residual das mensalidades abarcadas pelo referido programa, conforme previsto no regulamento da campanha. Para a UniRitter a transparência é fundamental. Por isso, a equipe de atendimento está sempre à disposição para tirar dúvidas e prestar os esclarecimentos necessários aos estudantes."