Morador de Porto Alegre, o bancário aposentado Paulo da Silva e Souza, 87, é amostra de que a curiosidade intelectual não envelhece. Ele é um dos 11 universitários acima dos 60 anos que concluiu graduação neste ano na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Casado há 48 anos, com dois filhos e três netos, ele buscará seu terceiro diploma universitário. Formado em Ciências Contábeis em 1974 e em Administração em 1982, Paulo se formará como Bacharel em Filosofia. O interesse pelo curso surgiu por pura e simples curiosidade e um desejo de seguir intelectualmente ativo.
Paulo se aposentou como bancário aos 51 anos em 1986 e logo ingressou na maçonaria, atividade à qual dedica grande tempo e energia. A opção por Filosofia uniu questionamentos despertados em discussões com colegas maçons e após receber do filho duas obras compradas na Feira do Livro de Porto Alegre: O Mundo de Sofia, do norueguês Jostein Gaarder, e Mais Platão, Menos Prozac: Filosofia Aplicada ao Cotidiano, do canadense Lou Marinoff.
— O Mundo de Sofia mostra uma adolescente se correspondendo com filósofos. Chegou no fim do livro e eu fiquei emocionado, me despertou a vontade de me aprofundar — conta.
A partir daí, Paulo começou a estudar filosofia por conta própria e chegou a realizar cursos de Direitos Humanos e sobre Nietzsche. Era 2017 quando, aos 82 anos, foi à PUCRS questionar datas de novos cursos filosóficos de curta duração. Foi instigado por um professor que estava presente a cursar a graduação em Filosofia. Sem a necessidade de prestar vestibular por já ser diplomado, ingressou na aventura.
Retomar o ambiente universitário e o rigor de leituras acadêmicas na terceira idade e 31 anos após formar-se em Administração não foi fácil. Os textos filosóficos eram, por vezes, difíceis de compreender. Algumas disciplinas, como Lógica, eram complicadíssimas. Nas aulas, Paulo observava a grande diferença de idade com os colegas.
— A gurizada lia os artigos e “debulhava” com uma rapidez de raciocínio. Fui fazer Filosofia despretensiosamente, tive algumas dificuldades, algumas provas eram um martírio, eu não sabia lidar com Power Point, minha filha tinha que me ajudar a montar. Mas, com o tempo, fui aprendendo e me adaptando — conta.
O esforço trouxe bons resultados: a despeito da idade, Paulo esbanja conhecimento e bom-humor. Tem grande interesse por filosofia medieval e contemporânea. Na monografia, pesquisou a relação entre ética e maçonaria.
Orientador do trabalho de Paulo, o professor de Filosofia na PUCRS Bruno Birck descreve o aluno como alguém constantemente preocupado em buscar crescimento intelectual, mas também humilde. O docente lembra que o arquiteto Oscar Niemeyer estudou filosofia até antes de morrer, com mais de 100 anos de idade.
Quando se continua aprendendo ao longo da vida, se quer viver mais. O cérebro continua vivo e ajuda nesse processo
VIRGILIO OLSEN
Médico, professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e chefe do Serviço de Geriatria da Santa Casa
— O Paulo foi fazendo devagar as disciplinas, mas sempre foi muito interessado e benquisto por colegas, professores e quem trabalha na secretaria. Já com idade mais avançada, fazer Filosofia foi um desafio. Quando a gente fica um bom tempo sem transitar por alguma linguagem, demora até se apropriar dela, ainda mais por ele ter vindo de uma área de ciências exatas, era bancário e contador, então a filosofia não era o metiê do dia a dia. O Paulo às vezes pedia compreensão e os professores ajudavam, mas nunca expressou desânimo. Com o tempo, ele cresceu na compreensão e na escrita e transpareceu no texto da monografia que tinha a compreensão dos conceitos de autores antigos e modernos. Ele se habilitou e entrou na linguagem própria da filosofia — conta o professor.
Quando falou com GZH na terça-feira (27), Paulo aproveitava o fim de ano com a família na casa de praia em Nova Tramandaí, no Litoral Norte. As histórias da faculdade são contadas com animação. O próximo passo ainda está em aberto, mas ele sabe mais ou menos a direção pela qual seguirá.
— Tenho a ideia de fazer mestrado, mas estou pensando na minha idade. O que é certo é que vou seguir fazendo cursos. A filosofia me trouxe saúde e qualidade de vida: leio de três a quatro horas por dia e muito mais rápido. O que quero é continuar em atividade — resume o mais novo filósofo.
O estudo é um pilar da longevidade
Há mais do que simples aprendizado numa aula de Direito ou numa lição de Filosofia. Para Silvânia Lindenmeyer, 69 anos, e Paulo da Silva e Souza, 87, cada novo conhecimento é também uma extensão da própria vida. Numa idade em que o avanço dos anos costuma cobrar tributos maiores à saúde, eles se dedicaram com euforia juvenil a um recomeço, fazendo do estudo um pilar da longevidade.
Segundo o médico Virgilio Olsen, professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e chefe do Serviço de Geriatria da Santa Casa, aprender conteúdos novos na terceira idade amplia os horizontes de uma vida longa. Segundo Olsen, a medicina comprova que o conceito de life long learning, a aprendizagem durante a vida toda, retarda o envelhecimento e mantém o cérebro mais saudável.
— Quando se continua aprendendo ao longo da vida, se quer viver mais. O cérebro continua vivo e ajuda nesse processo. Quanto mais você estuda, lê, mais capacidade tem de fazer as coisas — afirma o geriatra, cujo sogro de 72 anos recém colou grau na faculdade e está começando um mestrado.
Exercitar a mente com leituras e exercícios intelectuais, como palavras cruzadas, são importantes na terceira idade, mas o desafio de aprender coisas novas tem efeitos mais significativos. Para Olsen, começar um curso torna mais duradoura a cognição, além de aumentar o convívio social, a sensação de pertencimento e inclusão, melhorando a autoestima:
— A perda cognitiva é crescente no envelhecimento. Adquirir um novo saber, frequentar um curso nessa fase da vida aumenta a tua reserva cognitiva e, portanto, tua vida útil.
Silvânia quer passar no exame da OAB para defender os oprimidos. Paulo pretende se aprofundar nos estudos filosóficos. Aos olhos da dupla, o conhecimento tira o medo da velhice.