As universidades federais estão com um déficit de ao menos 11 mil professores e servidores técnico-administrativos. As vagas deveriam atender à demanda de graduações criadas na última década ou de expansões de cursos, mas não foram autorizadas pelo governo federal. O cenário obriga as universidades a suspenderem aulas, convocar docentes voluntários e deslocar professores, além de dificultar o uso de laboratórios. A falta de servidores fica evidente também após a metade das graduações, quando há uma demanda maior por professores especialistas.
Os dados sobre o déficit de cargos constam em uma nota do Ministério da Educação (MEC) enviada ao Ministério da Economia no final de maio. O documento foi obtido pelo jornal Estadão e mostra que, dos 8.373 cargos de docentes prometidos, apenas 4.644 foram autorizados - um déficit de 3.729. Já em relação aos técnicos, responsáveis por laboratórios e bibliotecas, são 7.273 cargos. No total, a rede federal tem 95 mil professores e 102 mil técnicos.
Com os cortes de orçamento ao longo dos últimos anos, as universidades têm tido dificuldades para pagar contas de energia e limpeza e contratar terceirizados. Neste mês, o governo Bolsonaro bloqueou R$ 3,2 bilhão do MEC, mas liberou, em maio, 1.250 vagas para a Polícia Federal (PF) e a Rodoviária Federal (PRF).
Universidades como Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), criada em 2013, relatam gargalo, com déficit total de 300 docentes, sendo 30 apenas em Medicina. Nas chamadas universidades supernovas, criadas em 2018 e 2019, ocorre o mesmo problema. Na Universidade Federal de Catalão (UFCAT), em Goiás, as aulas regulares foram suspensas na Medicina por dois meses e meio, com os alunos tendo aulas de temas transversais até que fossem feitos os ajustes. Das 60 vagas de docentes que haviam sido combinadas, a universidade só recebeu 20. Após pedidos, foram liberadas outras 15 - o que continua a gerar buracos nas agendas dos alunos.
Algumas universidades, como a UFCAT, contam ainda com professores voluntários - profissionais com formação na área que aceitam lecionar gratuitamente. Porém, os docentes regulares atuam em ensino, pesquisa e extensão, o que não é feito por voluntários.
O MEC admite na nota que as federais criadas em 2018 e 2019 teriam de receber 610 docentes e 1.666 técnicos para garantir “minimamente o funcionamento” em 2023.
Uma das metas para a educação no país é ter 33% dos jovens matriculados no Ensino Superior até 2024 - atualmente, a taxa está em 23,8%. A rede federal passou por expansão de vagas a partir de 2003 e interiorização, com a criação de universidades e campus fora dos grandes centros urbanos. O número de instituições saltou de 45, em 2002, para 69 atualmente, o que não foi proporcionalmente acompanhado de verba e de pessoal.
Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), uma das melhores do país, o problema ficou evidente na Medicina do campus Araranguá, criada em 2013 - também sem professores. Com a previsão de ter só uma hora de aula semanal, um grupo de alunos se mobilizou e procurou o Ministério Público Federal em 2021, conseguindo mais contratações, mas outros cursos, com menos visibilidade, continuam com as mesmas lacunas. Na Universidade Federal do Paraná (UFPR), há falta de 33 docentes e 132 técnicos.
Além disso, os professores contratados estão sobrecarregados. Na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), docentes do campus de Marabá enfrentam 500 quilômetros, em 12 horas de estrada, para cobrir ausências em São Félix do Xingu. Ficam 15 dias na cidade e ensinam a matéria toda de uma só vez. Com a falta de técnicos, os professores também fizeram cursos para montar lâminas usadas nas práticas de Geologia.
Na Universidade Federal do ABC (UFABC), em Santo André (SP), professores e alunos de pós-graduação assumem a manutenção de laboratórios, o que atrapalha a pesquisa.
O Estadão procurou o MEC, mas não obteve resposta. Já o Ministério da Economia afirmou não comentar “demandas relacionadas a processos seletivos encaminhadas pelos órgãos da administração pública federal”. As gestões Dilma e Michel Temer (MDB) também não se manifestaram.