Mais uma vez os alunos da Escola Estadual de Ensino Médio Olaria Daudt, em Sapucaia do Sul, foram dispensados por falta de um insumo básico: água na torneira. O problema que atingiu a instituição nesta quinta-feira (30) é recorrente e foi registrado no dia anterior e também durante toda a última semana. Há sete dias, não há aula presencial no colégio público que fica na região metropolitana de Porto Alegre.
Segundo a diretora, Andrea Zajaczkowski, 57 anos, a caixa d’água não enche de maneira automatizada há dois anos.
— Isso é gravíssimo. Somos reféns dos caminhões-pipa — resume a diretora.
Desde 2020, o colégio recebe, com frequência variável, caminhões-pipa contratados pela Corsan. A companhia de abastecimento argumenta que, devido a ligações irregulares, a água é desviada e não há vazão suficiente para chegar ao prédio. O transporte do líquido é uma solução improvisada, mas já dura quatro semestres.
— Depois da semana inteira sem água, o caminhão veio ontem, encheu, avisamos os alunos que teria aula hoje, mas quando eles chegaram a caixa já estava vazia e mandamos todos pra casa — lamenta a servidora responsável pelo espaço.
Quando a entrega falha, as aulas são suspensas. Quando o contrato com uma das empresas de entrega foi finalizado, isso aconteceu com ainda mais frequência. O período sem fornecimento chegou a um mês, diz a diretora.
Cada um dos dois recipientes que ficam protegidos em uma peça no telhado suporta 3 mil litros e estavam vazios no meio da manhã desta quinta. A chefe da escola calcula que sejam necessários 12 mil litros por semana para manter a limpeza das salas, das pias, bebedouros e cozinhar para as turmas, que vão do 1º ano do Ensino Fundamental ao 3º do Ensino Médio. Nos banheiros, quando não há água na caixa, os docentes precisam encher um balde para escoar os dejetos.
Sem água, sem almoço
O terreno fica entre os bairros Colonial e Carioca, uma área onde a vulnerabilidade de sua população é visível: casebres de madeira instalados sobre a calçada, vias de chão batido e muito material reciclado espalhado nas ruas.
Antes de enviar os matriculados embora, eles ganharam um leite quente com achocolatado. Sem água, porém, o almoço que seria servido aos 305 alunos foi suspenso. De novo.
— Alguns alunos têm na escola a única refeição substancial do dia — diz o professor de história Nelson de Souza Gama, 43 anos.
Pelos grupos de WhatsApp, os responsáveis questionam se devem mandar seus filhos para a escola nos próximos dias. A resposta é “aguarde”, pois não há previsão ou certeza de que o problema seja solucionado.
O ensino remoto, uma alternativa em outras realidades, tem baixa adesão. O motivo: a maioria dos estudantes não possui smartphone ou outro equipamento para acompanhar as lições, de acordo com a orientadora educacional Sueli Dutra, 57 anos.
— Poucos têm computador e internet para a aula on-line. Outros, a mãe tem um telefone só e precisa levar pro trabalho — complementa.
Arquivos em PDF são impressos, mas não ter acompanhamento do professor é desgastante, afirma Jéssica Taynara Pinto Rodrigues, 25 anos, dona de uma fotocopiadora:
— As mães dizem que é difícil ensinar as crianças em casa.
Matheus Azevedo, 18 anos, teme que as aulas perdidas atrapalhem sua formatura:
—Perdemos porque a gente tá se formando. Recuperando quando as aulas?
Reunião e promessa de verba para solucionar o problema
Desde segunda-feira (27), os portões estavam fechados, com um cartaz fixado no portão, anunciando a suspensão das atividades presenciais.
Na tarde de quarta (29), uma reunião com a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) foi realizada. O Estado prometeu resolver a questão com a contratação de um estudo para instalação de cisternas ou outro meio que dispense a dependência dos caminhões-pipa.
Em nota, a Seduc reforçou o dito pela Corsan: as ocupações no entorno da escola e suas ligações irregulares de saneamento comprometem o abastecimento. A pasta confirmou o envio de novos veículos com água e garante que analisa uma maneira de solucionar a situação.
— O pior para nós, professores, é não dar a garantia de que os alunos terão aula, que irão se formar e continuar com seus projetos de vida — finaliza a professora de Português e Literatura Tiele Bandeira de Freitas, 39 anos.