Amanda Ribeiro Machado produziu membranas biodegradáveis a partir dos resíduos do processamento de uva. Victórya Leal Altmayer Silva desenvolveu uma equação capaz de explicar, medir e predizer o comportamento dos jovens brasileiros na economia circular. E Lucas Corrêa da Silva descobriu informações sobre as identidades, origens, famílias dos negros escravizados em Porto Alegre.
Apesar da escolha por temas bastante diferentes, os três estudantes gaúchos têm em comum o amor pela ciência e pela pesquisa. E foi justamente esse interesse que os colocou entre os 13 destaques da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace).
Os projetos desenvolvidos pelos jovens ficaram em primeiro lugar nas categorias de Ciências Agrárias, Ciências Sociais Aplicadas e Ciências Humanas, mas também receberam outros prêmios durante a 20ª edição da mostra nacional. A lista de premiados foi divulgada no site da Febrace em 30 de março, assim como os trabalhos que se destacaram na cerimônia de premiação, realizada de forma online no dia 26 do mesmo mês. Os autores dos destaques são de seis Estados, incluindo o Rio Grande do Sul, que teve três representantes nesta relação. Confira:
Uma alternativa para o plástico
Aos 16 anos, Amanda Ribeiro Machado tem o laboratório como seu lugar preferido. Estudante do curso técnico em Administração integrado ao Ensino Médio do Campus Osório do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), ela é autora do projeto Desenvolvimento de celulose bacteriana produzida a partir dos resíduos do processamento de uva, que ficou em primeiro lugar na categoria Ciências Agrárias na Febrace e recebeu o Prêmio Regeneron Isef (International Science and Engineering Fair).
Com o primeiro reconhecimento, ela ganhou, além de certificado e medalha, a possibilidade de publicar um artigo no periódico Scientia Prima, da Associação Brasileira de Incentivo à Ciência. Já com o segundo, tem direito a uma credencial para participar da feira em Atlanta, nos Estados Unidos de 7 a 13 de maio deste ano.
Matriculada no 3º ano, a jovem gaúcha conta que conheceu a ciência por meio de um projeto do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) chamado Meninas da Ciência enquanto ainda estava no Ensino Fundamental. Foi nesta época que pôde ter contato com um laboratório pela primeira vez e, a partir disso, não quis mais parar de pesquisar. A ideia para o projeto que levou à Febrace surgiu em 2020, a partir de algo que a incomodava desde criança: a poluição plástica, que afeta diversos ecossistemas.
— Moro nas proximidades de um parque de eventos de Osório e, quando tem evento, fica muita sujeira, a maioria é plástico. Isso passou a me afetar mais diretamente porque, como moramos ao lado, às vezes tinha lixo, garrafinhas e embalagens plásticas no nosso pátio. Com isso, decidi que queria desenvolver um polímero biodegradável, que é um plástico que vai se degradar muito mais rápido do que o plástico convencional que usamos — explica.
A partir da ideia inicial, a professora Flávia Twardowski, orientadora do projeto, sugeriu que fosse desenvolvida uma celulose bacteriana (membrana biodegradável) a partir dos resíduos da uva — aquilo que sobra depois da produção do vinho e do suco. Para produzi-la, elas utilizaram meios de cultura com uma mistura de fonte de nitrogênio (chá verde), sacarose (açúcar comum), glicose (um outro tipo de açúcar) e resíduo de uva, que serve de alimento para as bactérias que são colocadas no mesmo recipiente.
De acordo com Amanda, os organismos se alimentam desses ingredientes e regurgitam pequenas bolinhas que se unem umas às outras e, no final do processo, formam uma membrana úmida em cima do meio de cultura. Depois de 14 dias, o resultado é retirado do recipiente e colocado em uma estufa onde perde água, e, ao fim desse processo, a celulose bacteriana fica seca e mais fina. A estudante afirma que esse material poderia ser utilizado para produzir sacolas, por exemplo, mas a ideia do projeto é usá-lo como uma membrana de troca de prótons, que é aplicada em células combustíveis que geram tanto energia elétrica quanto água e podem ser utilizadas em automóveis e indústrias.
— Essa membrana é menos poluente porque ela é biodegradável. Tudo isso é uma forma de prejudicar menos o meio ambiente já que aqui temos uma alternativa para a energia limpa, para os plásticos e para os resíduos da uva, que geralmente são descartados — justifica.
Mesmo após os prêmios, Amanda e Flávia seguem testando as membranas produzidas com resíduo do vinho, a fim de ter melhores resultados em relação à aplicabilidade. A jovem relata que, antes de fazer os testes práticos, precisou pesquisar muito sobre o assunto, mas garante que o projeto lhe trouxe uma grande evolução pessoal e deu gás para traçar outros objetivos e realizá-los.
— Sempre digo que a ciência é uma das melhores partes de mim e é um sonho poder levar esse projeto para o mundo ao participar da Isef. É um trabalho que não queremos que fique só no laboratório, queremos ele se torne realidade, que esse plástico possa ser usado em outros lugares e que vejamos ele efetivamente na nossa comunidade — ressalta.
Um cálculo para explicar comportamentos
O projeto de iniciação científica que rendeu mais dois prêmios a Victórya Leal Altmayer Silva, 18 anos, é o seu terceiro desenvolvido durante o curso técnico em Administração integrado ao Ensino Médio do Campus Osório do IFRS. Matriculada no 4º ano, ela teve a ideia do trabalho Eco-socius: o comportamento dos jovens do litoral norte gaúcho na economia circular em 2021, enquanto participava da Isef com outro tema e se questionava sobre o que fazia as pessoas terem atitudes sustentáveis ou não. E foi a falta de uma resposta para a dúvida que incomodou a jovem.
— Costumo dizer que a ciência surge de um questionamento ou de uma incomodação. Então, a partir disso, tive a ideia de criar uma equação que pudesse nos explicar o que faz as pessoas agirem de forma sustentável, para que todas as tecnologias, modelos de negócios e produtos criados fossem voltados para o que realmente resulte em comportamentos sustentáveis e não em coisas que talvez não tenham aplicabilidade real na vida das pessoas — descreve.
Victórya comenta que o comportamento humano é gerado por motivações pessoais e do ambiente em que aquela pessoa vive e exemplifica: uma criança com uma família que ensina que reciclar é o certo possivelmente vai aplicar isso durante toda sua vida adulta. Mas também pode existir um fator que faça com que o indivíduo que nunca reciclou passe a fazê-lo — e era essa mudança que a estudante queria não só entender, como também saber quando poderia ou não acontecer.
Para fazer isso, ela e a professora orientadora Flávia Twardowski precisaram aprender análise multivariada de dados, utilizar três estratégias principais e aplicar um questionário entre 508 jovens com idades de 14 a 19 anos, estudantes de escolas de Osório, Capão da Canoa, Tramandaí e Imbé. A pesquisa com os adolescentes deu origem a um conjunto de 13 mil dados, que precisaram ser codificados e simplificados com a ajuda de dois softwares. Utilizando as informações obtidas e pesquisadas e a estratégia de modelagem de equações estruturais, Victórya chegou ao modelo de cálculo comportamental.
— Com esse modelo, descobri que quanto mais familiarizados o jovem está com os 10 R’s da economia circular (recusar, repensar, reduzir, reusar, reparar, recondicionar, remanufaturar, reciclar, recuperar e reaproveitar) e quanto mais ele percebe que essas práticas são importantes para o mundo , mais sustentável ou circular vai ser seu comportamento — explica.
De acordo com a estudante, a equação deu a resposta buscada pelo projeto e, com ela, é possível explicar, medir e predizer o comportamento do jovem brasileiro diante da economia circular. Em 191 folhas de um caderno, ela anotou todo o complexo processo que precisou apresentar durante sua participação na Febrace. Durante a feira, ela conquistou o primeiro lugar na categoria Ciências Sociais Aplicadas, que disponibiliza certificado, medalha e a possibilidade de publicar artigo no periódico Scientia Prima, da Associação Brasileira de Incentivo à Ciência, e o primeiro lugar no Prêmio por um Mundo Sem Lixo, da empresa Movimento Circular, que oferece, além de certificado, um curso de economia circular e mentoria para o projeto.
Victórya ressalta que o trabalho foi desafiador em todas suas partes e que, ao contrário de outras pesquisas sobre comportamento que trazem ideias qualitativas, queria criar algo que fosse universal. O cálculo, esclarece, pode ser utilizado por cientistas de quaisquer países que queiram identificar o comportamento de seus jovens na temática da economia circular.
— Essa equação parece um monte de números distante da nossa realidade, mas, na verdade, ela nada mais é do que dar voz para o que as pessoas pensam por meio dos números. Com tudo isso, eu queria que a gente entendesse que, para a implementação de uma nova economia, de um novo tipo de sociedade, é preciso fazer uma grande mudança social e comportamental. Mas só vamos poder fazer isso se entendermos — defende a jovem, que também vai para a Isef neste ano.
Portanto, depois de descobrir que a lacuna de comportamento era a falta de familiaridade com as práticas sustentáveis, a estudante e a professora desenvolveram uma intervenção comportamental onde oito jovens que já haviam participado do questionário da pesquisa foram ao IFRS para discutir e estabelecer consensos sobre o que é economia circular e todos os seus 10 R's. A partir disso, a dupla concluiu que a educação e a democratização do conhecimento são fatores que podem solucionar o problema. Assim, foi desenvolvido um curso online e gratuito sobre o tema, que está disponível para pessoas de todo o Brasil, por meio do site da instituição.
— É muito especial receber esse reconhecimento. Todo prêmio que alcançamos é uma superação. Eu estudei em escola pública minha vida inteira e vou poder ir para outro país por causa da ciência, da educação. No futuro, quero fazer faculdade de Economia no Exterior, mas, em qualquer espaço em que eu estiver, a única certeza que tenho é que quero continuar pesquisando — diz.
As origens dos escravizados em Porto Alegre
Identificar as identidades, origens e famílias dos negros escravizados em Porto Alegre, a fim de suprir a falta de informações sobre o tema e atuar na luta antirracista, foi o principal objetivo do projeto de Lucas Corrêa da Silva, 18 anos. Estudante do curso técnico integrado em Eletromecânica do Campus Sapiranga do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSul), ele apresentou o trabalho As Áfricas do Rio Grande do Sul: Porto Alegre e os assentos de batismo dos escravizados (1797-1802) na Febrace e garantiu o primeiro lugar na categoria de Ciências Humanas, além do Prêmio Museu Paulista da Universidade de São Paulo (USP).
O jovem gaúcho explica que escolheu o tema pelo reconhecimento da importância da história e da memória dos escravizados. Ele optou pelo período colonial por ser um recorte fundamental e porque seu orientador, o professor Valter Lenine Fernandes, tem muito conhecimento sobre o tema. Segundo ele, os registros sobre negros nesta época são muito pequenos, o que se deve a um fenômeno de apagamento, que está ligado ao racismo estrutural presente na sociedade brasileira.
— Existe uma perspectiva sobre a história do Rio Grande do Sul que é errônea, porque se tem uma ideia de colonização europeia. Mas, em 1801, como mostram meus dados e outros trabalhos, Porto Alegre tinha a maioria da população preta e parda, então a formação do RS depende dessas pessoas — aponta.
Para desenvolver o projeto, Lucas utilizou obras historiográficas e fontes documentais primárias, como os registros de batismo dos escravizados da Matriz de Porto Alegre, datados entre 1797 e 1802 — uma das poucas e principais documentações que existem, pois trazem dados importantes tais quais os nomes dos batizados, dos seus pais e dos seus padrinhos, como também informações acerca de suas identidades na sociedade naquele período. Mesmo assim, são menos completos do que os registros dos brancos, que têm, inclusive, informações sobre os avós.
O processo de pesquisa do estudante começou em 2020, mas somente em 2021 ele conseguiu encontrar os registros. A partir de então, Lucas e seu orientador passaram a trabalhar em cima dessa documentação. Para isso, foi preciso aplicar técnicas de paleografia, que é um estudo da escrita antiga, que possibilita ler um documento de determinada época e assim transcrever 421 assentos de batismo selecionados.
Entre os resultados do projeto, está a descoberta de que a população negra em Porto Alegre era superior a 50% em 1798, a constatação de que 80% dos batizados só tinham a mãe e a identificação das origens dos negros daquela época. Mas, apesar dos bons resultados, Lucas destaca que ainda há muito para ser trabalhado e descoberto, expandindo o período de análise, o número de cidades e o repertório bibliográfico, por exemplo.
— Também queremos fazer um curso de extensão aberto para toda a comunidade, porque muita gente não entende o papel da população preta na história do Rio Grande do Sul, a sua importância, sua grandeza e sua diversidade — afirma.
O trabalho foi realizado inteiramente de forma virtual, em função da pandemia, e essa foi uma das dificuldades encontradas no percurso, assim como a falta de documentação e a falta de apoio à ciência no Brasil, relata o estudante. Por isso, ele diz que foi uma luta constante para desenvolvê-lo e, assim, realizar um sonho.
— A ciência se tornou um sonho no momento em que eu vi a proporção disso na contemporaneidade e todas as possibilidades que traria para mim. E o prêmio foi um reconhecimento do trabalho que tornei meu cotidiano e uma energia para continuar. Me mostrou que vale a pena, que é possível ser recompensado, que dá para produzir mesmo com a desvalorização da pesquisa, sobretudo nas Ciências Humanas — conclui.